sábado, 3 de fevereiro de 2007

A REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO DE 1927


A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura: oitenta anos depois

Realizou-se ontem, pelas 15 horas, no Arquivo da Universidade de Coimbra, o colóquio supra-referido, com o objectivo de assinalar a data da revolta militar no Porto contra a Ditadura Militar. Numa sala que se revelou pequena para a assistência, o que revela o interesse por este assunto, foi possível assistir a um conjunto de interessantes comunicações por parte de alguns reputados especialistas na matéria.

O primeiro painel, coordenado pelo Prof. Dr. Luís Reis Torgal, Director do CEIS 20 [em final de mandato], começou por saudar todos os presentes, e por lançar um voto de pesar pelo recente falecimento do Prof. Oliveira Marques, no que foi acompanhado pelos restantes membros da mesa.

De seguida, apresentou o seu texto o Prof. Dr. Fernando Rosas, que apresentou uma reflexão sobre o conceito de Reviralho. Este reputado especialista no Estado Novo, começou por salientar como o reviralhismo, durante o regime ditatorial, foi considerado algo negativo, pois era associado a desordem. Traçou um quadro com as principais revoltas que marcam o período entre Maio de 1926 e 1933, onde ao contrário do que a historiografia do Estado Novo tentou fazer crer, não foi nada fácil consolidar o regime que Oliveira Salazar dirigiu durante quase meio século. Fernando Rosas considera mesmo que entre 1926 e 1931, época em que o reviralhismo foi mais activo, o País viveu um período de guerra civil intermitente.
A partir da tentativa revolucionária de 26 de Maio de 1931, o reviralhismo entra numa fase de agonia. O processo de liquidação da República estava concluído, alguns dos principais intervenientes tinham sido mortos durante as revoltas, outros foram presos, outros ainda deportados e muitos partiram para exílios mais ou menos longos em diversos países. Na opinião deste historiador, o reviralhismo desaparece completamente em 1940, quando a Alemanha invade a França, e, alguns dos refugiados políticos portugueses se vêem obrigados a "baixar bandeiras" para poderem regressar à Pátria.
Desta conferência ressaltam cinco grandes conclusões:
- o reviralhismo, mais que o comunismo, nesta fase, foi o principal inimigo da Ditadura Militar;
- com a vitória da Ditadura Militar, nestas revoltas, Oliveira Salazar vai consolidando a posição para tomar conta do poder no País;
- a Ditadura Militar, apesar das suas divisões internas, dos seus conflitos de interesses, consegue manter o controlo sobre o grosso das forças armadas;
- as sucessivas derrotas do reviralho, tanto no plano político como militar, até meados dos anos trinta do século XX, vão fortalecer cada vez mais a Ditadura Militar;
- o reviralhismo ainda é, muitas vezes, encarado como uma página esquecida da nossa história, porque a história feita pelos vencedores aponta, em especial, no sentido da força hegemónica do Partido Comunista Português, que foi o principal foco de resistência organizada ao Estado Novo.

A segunda conferência, apresentada pelo Doutor Luís Farinha, abordava a temática das revoltas republicanas contra a Ditadura Militar. Segundo o professor Luís Farinha, dentro do reviralhismo era possível encontrar dois tipos de facções republicanas: os conservadores ou moderados e os revolucionários ou radicais. Estes republicanos revolucionários estabeleceram uma estreita rede de contactos, em particular com Espanha. Outro dos aspectos salientados foi que quase todos estes homens, pelo menos os que apareceram a liderar os processos de revolta, tinham ligações maçónicas. Por outro lado, as tendências que compõem este movimento são muito variadas, íam desde a Esquerda Democrática (José Domingues dos Santos}, alvaristas (seguidores de Álvaro de Castro) e Seareiros (Jaime Cortesão). Estes republicanos traçam um programa mínimo com dados ao nível da justiça social, das reformas estruturais, com o objectivo de restabelecer a confiança no regime republicano. Porém, afastavam-se do Partido Democrático e ao tentarem fazer uma transição entre 1927, com a Liga de Paris e 1930 não conseguiram os resultados desejados. Entre os elementos ligados ao movimento reviralhista cresciam as tensões entre os revolucionários, no exílio em França (Liga de Paris), e os moderados em Portugal (liderados por Cunha Leal). Numa fase posterior, tendo alguns apoios junto da 2ª República Espanhola, os republicanos portugueses fundam a Frente Popular Portuguesa, que chega a elaborar um programa de governo, porém a eclosão da Guerra Civil de Espanha entre 1936 e 1939, termina com mais esta tentativa fracassada. Luís Farinha terminou a sua reflexão concluindo que alguns dos republicanos revolucionários foram evoluindo nas suas posições acabando por aderir a uma tendência socialista ou socializante, mas sempre na defesa das causas da República.

A terceira apresentação coube ao Major General Augusto Valente, que apresentou os traços biográficos do General Adalberto Gastão de Sousa Dias, comandante militar da revolta de Fevereiro de 1927, no Porto e de Abril de 1931, na Madeira. Augusto Valente sublinhou o facto de Sousa Dias ter sido, logo no 28 de Maio de 1926, o único comandante militar regional a tentar opôr-se a Gomes da Costa. Na opinião deste biógrafo de Sousa Dias, o militar estaria muito próximo dos ideais republicanos desde o 31 de Janeiro de 1891, mas nunca afirmou publicamente os seus ideais políticos. Foi eleito uma única vez, como deputado independente, em 1921, pelo Partido Democrático , no círculo do Porto. Procurou manter sempre coerência nas suas decisões políticas, tendo colaborado no combate à segunda invasão monárquica, contra Paiva Couceiro, ao lado do qual alinhava um irmão de Sousa Dias [Mário Sousa Dias]; manifesta a sua oposição ao Movimento das Espadas; opõe-se à ditadura de Sidónio Pais e é preso; em 1919, recusa submeter-se à Monarquia do Norte. Um dos aspectos interessantes e novos que Augusto Valente apresentou foi a comparação feita entre a revolta de 1927 e a que tinha ocorrido a 14 de Maio de 1915, em que mostra a crença que os homens envolvidos na revolta do Porto sentiam que os seus camaradas se revoltariam como eles e venceriam a Ditadura Militar. Porém, as hesitações dos camaradas de Lisboa em pegar em armas contra o regime instituído enfraqueceu muito os revoltosos que, após largos combates, bombardeamentos, mortos e feridos acabaram por se render. Sousa Dias esperava reforços militares vindos do sul que nunca chegaram a aparecer, pois a revolta em Lisboa só arranca a 7 de Fevereiro, quando os revoltosos do Porto já muito abatidos e derrotados pela força da artilharia afecta ao regime os consegue obrigar à capitulação. Outro dos aspectos curiosos foi o facto de esta revolta estar programada para acontecer aquando das comemorações do 31 de Janeiro, mas os atrasos e hesitações atrás referidas acabaram por atrasá-la para 3 de Fevereiro.

Após a realização de um breve intervalo seguiu-se o segundo painel, coordenado pela Prof. Drª. Manuela Tavares Ribeiro. O orador convidado era o Prof. Dr. António Reis, que reflectiu acerca da participação de Raúl Proença e da revista Seara Nova na revolta de Fevereiro de 1927. Segundo este ilustre orador, Raúl Proença teve uma intervenção activa nesta revolta, foi conspirador, organizador e combatente de armas na mão. Através do estudo do espólio de Raúl Proença, especialmente a correspondência e as notas que tomava nos seus cadernos de apontamentos, ficamos a saber que, em 25 de Junho de 1926, isto é, um mês depois do golpe de 28 de Maio já se trabalhava em preparar uma revolta contra a Ditadura Militar. Quem liderava o processo era o denominado grupo da Biblioteca Nacional, onde trabalhavam Raúl Proença, Jaime Cortesão, David Ferreira que também tinham fortes ligações à Seara Nova. A 21 de Janeiro de 1927, Raúl Proença parte para a cidade do Porto, para servir como elemento de ligação. Profundamente envolvido na revolta, Raúl Proença convoca os civis para combaterem ao lado dos revoltosos, mas com pouco sucesso. Na noite de 6 de Fevereiro de 1927 regressa a Lisboa para pedir auxílio e para tentar ajudar a desencadear a revolta que começava a enfrentar sérias dificuldades no Porto. De acordo com António Reis, o fracasso desta revolta permite retirar quatro conclusões fundamentais:
- fortaleceu-se o sector anti-liberal dentro da Ditadura Militar;
- os sectores moderados entre os republicanos sentiram a necessidade de se unirem para tentar combater a Ditadura Militar;
- tornava-se cada vez mais patente a necessidade de reforma profunda do parlamentarismo;
- vence a estratégia de tradição revolucionária, seja com movimentos e actividades internas seja a partir do exterior.
Na opinião do Prof. António Reis, a derrota da revolta, o conjunto de dissabores que provocam em Raúl Proença, são factores que explicam a frustração crescente daquele que combateu de todas as formas que era capaz um regime e que nunca viu vencer as suas ideias e que, conclui, acaba por enlouquecer em finais de 1931, quando o regime ditatorial ía consolidando o seu poder.

O palestrante seguinte era o Mestre Luís Bigotte Chorão que apresentou alguns dados de uma pesquisa ainda em curso sobre o processo judicial do general Sousa Dias e do coronel Fernando Freiria. Através da pesquisa realizada até agora na correspondência daquele que foi escolhido para elaborar este processo de recurso, o então jovem advogado Adelino da Palma Carlos, natural de Faro, e mais tarde primeiro-ministro do I Governo após o 25 de Abril de 1974, foi possível perceber a argumentação utilizada para conseguir obter provimento do recurso apresentado. Nesse espólio encontra-se todo o tipo de documentação que permite conhecer a os vários passos seguidos na elaboração do processo, os despachos, os esclarecimentos, as inquirições realizadas, as testemunhas ouvidas, entre muitas outras coisas. Segundo Bigotte Chorão, a argumentação de Palma Carlos para conseguir obter provimento do processo teve que recorrer à Constituição de 1911, demonstrando que a Ditadura Militar se encontrava numa situação de ilegalidade, porque não havia eleições, nem funcionavam as câmaras legislativas, portanto a lei que condenava os revoltosos não se podia aplicar naquela situação, porque eles reivindicavam no seu programa a reposição da Constituição. Face à argumentação desenvolvida e à evocação da ilegalidade da situação vigente os acusados na revolta de Fevereiro viram o seu processo conseguir provimento a 6 de Fevereiro de 1929, sendo os militares reintegrados nos respectivos postos e funções com as regalias que lhes competiam. Concluindo, Luís Bigotte Chorão, reafirma aquilo que outros oradores já tinham referido: a vitória da facção mais favorável à tomada do poder por Oliveira Salazar foi providencial, pois conseguiu enfraquecer claramente os que reivindicavam o regresso à legalidade constitucional, daí que se torne necessário eleborar uma nova constituição, favorável aos seus interesses, que irá surgir em 1933.

Para finalizar, a principal responsável pela organização deste colóquio, a Doutora Heloísa Paulo, apresentou um interessante estudo intitulado Da Revolução ao Exílio: trajectórias de vida e de combate. Começa por elencar todo um conjunto de personalidades que estiveram na revolta e que são obrigadas a partir para o exílio: Jaime Cortesão, Nuno Cruz, Sarmento Pimentel, Francisco Oliveira Pio, Moura Pinto, Carneiro Franco, Jaime de Morais e muitos mais. Entre estes homens encontra laços e ligações comuns: a universidade, militares, a presença nas colónias, a Maçonaria, o exílio em Espanha, na França e no Brasil. Muito curiosa a rede de contactos de alguns destes resistentes ao fascismo em Portugal, eles tentam elaborar um plano de acção para derrubar o regime a partir do exterior: o Plano Lusitânia. Estabelecem contactos em França, junto do Partido Socialista; em Espanha, junto de vários membros do Governo da 2ª República; na Grã-Bretanha, em particular junto do Partido Trabalhista; mesmo nos EUA existiam contactos com opositores ao regime. Destacou-se particularmente o trabalho desenvolvido por alguns homens que estão hoje muito esquecidos como: Inocêncio Câmara Pires, Abílio Águas, Raul Monteiro Guimarães, Tomé Feteira, entre muitos outros. Heloísa Paulo chamou a atenção para a necessidade de se estudar a acção destes homens, que envolvimento tiveram, qual o seu percurso, onde andam os seus descendentes e os seus documentos. Como era importante conhecer melhor a acção de oposição dos exilados em Argel, na Venezuela, na Argentina, no México, nos EUA e pelo mundo fora. Muitos foram aqueles que ajudaram na luta contra o fascismo em Portugal, mesmo não sendo comunistas, como era importante descobrir a sua acção!!!

Um dos aspectos em que o colóquio pouco avançou, devido ao pouco tempo disponível para a sua realização, foi na participação do elemento civil na revolta de Fevereiro de 1927. Por outro lado, ainda que levemente aflorado ficam ainda muitas questões por esclarecer: a revolta só teve eco em Lisboa e no Porto, e no resto do País? O problema da participação dos comunistas neste movimento já era sentido? Como reagiram os embaixadores colocados em Portugal face a esta revolta? Houve interferências externas na eclosão da revolta?
Muita coisa permanece ainda sem resposta, só o tempo e os investigadores que procuram preservar a memória, reconstruindo-a ou enquadrando-a, mas trazendo-a ao conhecimento de mais pessoas através destas realizações e das publicações destes trabalhos. Estão de parabéns o CEIS 20 e os investigadores presentes pelos trabalhos apresentados.

Concordamos em absoluto com o alerta feito pela Doutora Heloísa Paulo, pois os espólios muitas vezes estão ainda guardados nas mãos dos descendentes que carinhosa, mas gradualmente vão perdendo a memória dos factos do passado, das acções que protagonizaram, das pessoas que conheceram e ajudaram, das ideias que defenderam. Preserve-se a memória dos indivíduos para se construir uma memória colectiva, que sirva para as gerações seguintes as compreenderem e estudarem, nas suas variadas nuances, transformações, vitórias e frustrações. A História constroi-se e reconstroi-se sempre e em cada momento com os elementos que vamos deixando, nunca estará fechada nem terminada, mas será sim uma permanente procura de construir um edifício sempre inacabado.

A.A.B.M.

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