domingo, 2 de maio de 2021

UMA DENÚNCIA


A PIDE, nos anos 40, tendo em conta o leque alargado de competências que exercia, possuía ainda uma estrutura débil e era incapaz de efectuar uma cobertura ampla e permanente do País, sendo a sua acção especialmente limitada em todo o interior de Portugal. Para suprir estas limitações, a PIDE contava com a colaboração de várias outras entidades, tais como a PSP, a GNR, a Guarda Fiscal, a Legião Portuguesa, os responsáveis concelhios, os Governadores Civis, ou a rede de informadores que entretanto foi construindo.

Outra ajuda substancial de que a PIDE se serviu foram as denúncias. Sabemos que a PIDE organizou elevado número de processos a partir deste tipo de informações. No entanto, estas, muitas vezes, também representavam um problema para a Polícia Política pois, frequentemente, as denúncias nem sequer tinham motivos políticos, sendo antes fruto de rivalidades, de vinganças ou de pequenas ambições. Havia raparigas que denunciavam antigos namorados, pais que denunciavam amigos ou colegas dos filhos, doentes que denunciavam médicos. Denunciaram-se pessoas por estas vestirem de vermelho, por não irem à missa, por terem conversas suspeitas em determinados locais públicos, ou por serem vistos na rua fora de horas.

Nada disto tinha muito interesse para a PIDE e originava outro problema: por vezes, a Polícia Política queixava-se do grande volume de denúncias, tendo dificuldade em efectuar a sua triagem. Tal aconteceu, por exemplo, em relação às informações enviadas pela Legião Portuguesa.


O exemplo que reproduzo aqui hoje é uma daquelas denúncias que, em princípio, não teria qualquer interesse para a PIDE. No entanto, estava em causa uma palavra que estava proscrita e, assim sendo, a PIDE tratou de actuar com a rapidez necessária. Esta carta, remetida à PIDE por um cidadão que desconhecemos, data de 30 de Maio de 1947:

“Exmo. Senhor
Para os efeitos que V. Ex.ª julgar convenientes tenho a honra de informar o seguinte:
Ontem cerca das 21,30 horas, quando me utilizava do «mictório» do Café Montanha desta cidade, observei que numa das paredes se encontravam escritos os seguintes dizeres: «Viva o comunismo» e mais qualquer coisa que não consegui ler, em virtude da iluminação no local ser muito fraca”.

Perante esta denúncia e ainda no mesmo dia, o chefe da delegação da PIDE de Coimbra deu as suas instruções, escrevendo na própria carta, no seu canto superior esquerdo: 

“Ao agente de serviço externo, para intimar o proprietário a fazer desaparecer a inscrição”.

No dia seguinte o assunto foi tratado e a informação do agente para a chefia, voltou a ser escrita na mesma carta, agora no canto superior direito:

“O despacho por V. Ex.ª exarado ao lado foi cumprido. Os escritos foram apagados na minha presença”.

Mais uma missão realizada com sucesso![1]



[1] Documentos do arquivo da PIDE/DGS, processo Del. C. n.º 829, de Joaquim Namorado.

 


Publicado originalmente na edição em papel do Jornal Terras de Sicó

Paulo Marques da Silva

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