Portugal
não fez o luto dos capitães de Abril – por Amilcar Correia, in Público
Otelo, Melo Antunes e Salgueiro Maia não foram tratados em vida nem na morte com a importância do papel que desempenharam
Otelo
Saraiva de Carvalho, Ernesto Melo Antunes
e Salgueiro Maia não tiveram as
devidas homenagens do Estado na hora da morte. O cérebro, o ideólogo e o
protagonista da Revolução dos Cravos não foram merecedores de luto nacional por
diferentes razões. O primeiro não as teve porque os dois anteriores também não
as tiveram. Salgueiro Maia morreu a 3 de Abril de 1992. 0 primeiro-ministro era
Cavaco Silva e Mário Soares ocupava Belém. Melo Antunes morreu a 10 de Agosto
de 1999. 0 primeiro-ministro chamava-se António Guterres e em Belém estava
Sampaio.
Há 29 anos, Cavaco concedeu aos inspectores da PIDE/DGS António
Augusto Bernardo e Óscar Cardoso uma pensão por "serviços excepcionais e
relevantes", a mesma que recusara três anos antes a Salgueiro Maia. Há 22
anos, Guterres não fez melhor pelo legado de Melo Antunes, o mais moderado do
Grupo dos Nove e um dos rostos do 25 de Novembro. A morte de Melo Antunes terá
feito jurisprudência e servido de desculpa para a vergonha e distanciamento com
que alguma da classe política foi lidando com a memória revolucionária do 25 de
Abril.
António Costa seguiu os exemplos de Cavaco e de Guterres. Dizer
que este é o momento de todo o país se reconciliar com o "coronel
Otelo" não passa de um eufemismo esfarrapado para escapar por entre os
pingos da chuva do debate que Manuel Alegre iniciou. Nesta fase do campeonato,
o último desejo de António Costa era ser crucificado por dar honras de Estado a
um homem cujo percurso paradoxal tinha no currículo o comando do golpe que
acabou com 48 anos de ditadura.
Como quem decreta o luto nacional é o Governo e não o
Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa pôde titubear a seu bel-prazer:
"Olhando para irás, é pena que [os três] não tenham merecido [o luto
nacional]."
O primeiro-ministro fez o mesmo: "O Estado tem de ter
critérios consistentes e coerentes." Olhando para trás, a lista de vultos
homenageados com a declaração de luto nacional tem uma coerência sui generis,
pois tanto inclui a irmã Lúcia ou a José Policarpo, como Hassan II de Marrocos
ou o imperador Hirohito do Japão. Não vale a pena recuar à lista da velha
senhora à procura de mais coerência.
Otelo, Melo Antunes e Salgueiro Maia não ganharam nada com o que
fizeram. Não foram tratados em vida, nem na morte com a importância do papel
que desempenharam. Nem dentro dos quartéis (onde teriam tido uma carreira mais
medalhada, caso tivessem continuado a alimentar a guerra colonial, nem fora
deles.) É ingrato.
Portugal
não fez o luto dos capitães de Abril – por Amilcar Correia, in Público,
29 de Julho de 2021, p.4, com a devida vénia – sublinhados nossos.
J.M.M.
"O primeiro não as teve porque os dois anteriores também não as tiveram": não acredito. Os outros dois não tiveram, não sei porquê, porque uma homenagem seria, sem dúvida, merecida. Quanto a Otelo Saraiva de Carvalho penso que havia boas razões objetivas para, sem desprimor pela obra feita, não o enaltecer - quanto mais não fosse, pelo custo político de tal iniciativa.
ResponderEliminarConvido-o a ler em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/otelo-o-espinho-que-nem-morte-arrancou.html o que sobre o assunto refleti.