quarta-feira, 17 de maio de 2023

[BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL] DE LORETO A SPARTACUS – EXPOSIÇÃO

 


EXPOSIÇÃO: De Loreto a Spartacus;
MOSTRA: 15 de Maio a 1 de Setembro 2023

“ (A)mostra de um percurso

Guiar o visitante desta pequena exposição para que adquira uma visão clara e estimulante sobre José Liberato Freire de Carvalho -cujas comemorações dos 250 anos estamos a encerrar - requer um roteiro sintético e cuidado, tão longa, rica e variada foi a sua existência e tão longo, rico e variado foi o seu contributo para o pensamento político oitocentista português. De facto, o percurso de noviço Crúzio (em que adoptou o nome de José do Loreto aos 15 anos) até à aceitação do convite para entrar numa loja maçónica denominada A Fortaleza (com o nome simbólico Spartacus) é simultâneo à viragem do século XVIII para o século XIX, um tempo de grandes mudanças e convulsões em Portugal e na Europa.

José Freire de Carvalho nasceu no reinado de D. José e faleceu no de D. Pedro V, vivendo de 1772 a 1855, da reforma pombalina da Universidade de Coimbra até à Regeneração. Atravessou o pombalismo e a viradeira, conviveu com os conflitos religiosos e as novas correntes de pensamento dentro e fora dos conventos, viu nascer a Academia das Ciências e a Maçonaria. Foram os seus anos de formação, de estudo e observação, de procura e mutação. O exemplo e convívio com homens bons como o seu irmão António da Visitação ou Frei Caetano Brandão, as leituras dos jornais revolucionários, a reflexão sobre obras maiores do pensamento da época tiveram uma influência decisiva na construção e transformação do jovem conimbricense.

Iniciou-se como tradutor para ler os iluministas franceses, tendo feito imprimir Condillac e a sua Arte de Pensar tinha ainda 22 anos; outras traduções ficaram apenas como manuscritos, para seu proveito pessoal. Seguiu-se Cornélio Tácito, cujos Anais traduziu durante a prisão, e que constituíram uma inspiração definitiva para a análise e compreensão do exercício do poder e aumentar o seu ódio à tirania. Nos anos finais da sua vida, para subsistir, recorreu de novo aos autores estrangeiros, traduzindo agora romances da moda. Com a morte precoce do seu irmão António, foi convidado a substitui-lo como académico, sendo autor da apresentação de várias memórias e tendo presidido a várias sessões da Academia Real das Ciências de Lisboa, de que se viria a desligar voluntariamente por discordância com o seu novo estatuto. A primeira tradução dos Anais de Tácito foi lida na Academia em 1813, cujo manuscrito se apresenta. Mais tarde, outras sociedades e academias, em Portugal e em França, o viriam a consagrar como sócio honorário e como sócio correspondente.

Cansado de perseguições, clausuras e prisões, aceitou a ajuda de José Ferreira Pinto Basto, exilando-se em Londres em 1813, juntando Liberato ao seu nome e abraçando a atividade de jornalista, primeiro em O Investigador Português em Inglaterra e mais tarde fundando O Campeão Português em Londres, poderosas armas de combate ao absolutismo. Já se tinha iniciado em As Variedades, ainda em Lisboa com seu irmão António, em 1802 e, tal foi a importância da escrita na sua vida, refundou O Campeão Português em Lisboa quando regressou, em 1822. A pedido de Saldanha aceitou redigir a Gazeta de Lisboa em 1827 e, no seu segundo exílio londrino, colaborou no Paquete de Portugal em 1829.

Percebendo a importância das suas reflexões e das suas vivências, deixou um legado de ensaio e memória que viria a ser, talvez, o seu maior contributo para a história do liberalismo português, pois a sua interpretação e os relatos fiéis e pormenorizados são imprescindíveis ao conhecimento e compreensão daquele tempo.

A causa da liberdade e do constitucionalismo viriam a empurrá-lo para uma vida política que nunca desejou na sua forma pública. Foi eleito deputado em quatro ocasiões, aceitando alguns cargos menores de nomeação política, como oficial na secretaria do ministério, administrador na Imprensa Nacional, arquivista e tesoureiro na Câmara dos Pares. Relevante foi a sua participação corno presidente da Comissão de Redacção da Constituição de 1838.

Nos locais onde viveu, José Liberato frequentou e integrou vários espaços e sociabilidades, fosse o Clube dos Portugueses em Londres (reunidos na City of London Tavern), os salões da embaixada portuguesa em Whitechapel ou as sociedades patrióticas que ele próprio fundou e dinamizou em Lisboa. Mas foram as suas fortes e fiéis amizades que lhe permitiram ter ajudas fundamentais, quer na sua fuga de Portugal para os exílios, quer na obtenção de verbas para o jornal O Campeão Português ou mesmo para a expedição de Saldanha e das tropas liberais para o Porto, durante as guerras liberais.


Talvez a sua qualidade de maçon seja a que melhor define e resume a importância e o carácter de José Liberato - o Spartacus da Loja A Fortaleza, que José Agostinho de Macedo referia como a Loja-mãe, «o pedreiral mosteiro». Além dos importantes convívios com Gomes Freire de Andrade, Bocage, Ferreira de Moura, Araújo e Castro ou José Falcão Van Zeller, Liberato foi o primeiro Grande Orador do Grande Oriente Lusitano e, eventualmente, o redator da Constituição Maçónica de 1806. Esteve presente quando foi negada a Junot a pretensão da dignidade de Grão-Mestre, cargo que, ainda que interinamente, ocupou trinta anos mais tarde.

José Liberato está sepultado no cemitério dos Prazeres no jazigo 886 e a leitura das suas Memórias da Vida é a recomendação que deixamos aos nossos visitantes".

[in prospecto da Mostra De Loreto a Spartacus – 250 Anos do nascimento de José Liberato Freire de Carvalho - BNP]

J.M.M.

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