quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

QUE É A TERRA? – GUERRA JUNQUEIRO



"Eu creio que a terra é um grande monstro vivo, que tem alma, que sente e que pensa, que ri, que chora, que trabalha e que dorme.

No seu vasto e profundo thorax de pedra, há um enormíssimo coração, latejando e resfolegando como uma forja fabulosa de cyclopes, onde o sangue venoso se deve engolfar tonitroando em catadupas de Niagara, para sair rejuvenescido e resplandecente, em milhares de Amazonas tormentosos, que o espalhem em ondas de vida creadora por todos os labyrinthos do seu organismo descomunal.

As plantas e as arvores que cobem grande parte do globo são apenas, em relação a ella, uma insignificante erupção herpética de carácter benigno. O Hymalaia é uma borbulha, o Vesuvio é um anthraz.

E o homem? Ah! O homem, esse rei da creação, não é mais que um animalzinho invisível, qualquer cousa parecida a um mosquito dividido por cem, pousado sobre um Leviathan multiplicado por mil.

Ora é claro, que temos num monstro, cujo corpo tem cem mil léguas quadradas de superfície, o menor estremecimento, o frémito, representa para nós um cataclysmo pavoroso.

Todas as assombrosas Babeis que a humanidade, há milhões de anno, tem levantado triumphantemente para o Azul, desde Thebas, Roma, Ninive e Babylonia, até Londres, paris e Nova York, toda essa obra extraordinária de centenas de séculos, poderia a terra desmorona-la num minuto de maneira bem simples, com um simples ataque de ‘nervos?.

E quem sabe se o globo, em vez de morrer, como vaticina a sciencia, de amollecimento de cérebro, não morrerá pelo contrario, na força da vida e da saúde, de uma apoplexia fulminante – o terramoto Universal?

Enfim, diante das fatalidades horrorosas e irremediáveis da natureza, sinto-me feliz por fazer parte do miserável formigueiro humano numa epopéa de solidariedade cosmopolita, em que um gemido de dor, ou um estampido de catastrophe repercute dentro de duas horas pela superfície do mundo inteiro, fazendo palpitar generosamente, unanimemente todos os corações – como os grande sinos de bronze de todas as torres de uma cidade immensa dobrando a rebate, num coro titânico, pernate um incêndio colossal"

Guerra Junqueiro, in “Que é a Terra? O verbo cantar? Que é a vida?”, Livraria Editora Empresa Litteraria Universal (Rua do Combro, 119-121), Lisboa, 1900, pp.39-41.
 
J.M.M.

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