"Eu creio que a terra é um grande monstro vivo, que tem alma, que
sente e que pensa, que ri, que chora, que trabalha e que dorme.
No seu vasto e profundo thorax de pedra, há um enormíssimo coração,
latejando e resfolegando como uma forja fabulosa de cyclopes, onde o sangue venoso
se deve engolfar tonitroando em catadupas de Niagara, para sair rejuvenescido e
resplandecente, em milhares de Amazonas tormentosos, que o espalhem em ondas de
vida creadora por todos os labyrinthos do seu organismo descomunal.
As plantas e as arvores que cobem grande parte do globo são
apenas, em relação a ella, uma insignificante erupção herpética de carácter benigno.
O Hymalaia é uma borbulha, o Vesuvio é um anthraz.
E o homem? Ah! O homem, esse rei da creação, não é mais que um
animalzinho invisível, qualquer cousa parecida a um mosquito dividido por cem,
pousado sobre um Leviathan multiplicado por mil.
Ora é claro, que temos num monstro, cujo corpo tem cem mil léguas
quadradas de superfície, o menor estremecimento, o frémito, representa para nós
um cataclysmo pavoroso.
Todas as assombrosas Babeis que a humanidade, há milhões de
anno, tem levantado triumphantemente para o Azul, desde Thebas, Roma, Ninive e
Babylonia, até Londres, paris e Nova York, toda essa obra extraordinária de
centenas de séculos, poderia a terra desmorona-la num minuto de maneira bem
simples, com um simples ataque de ‘nervos?.
E quem sabe se o globo, em vez de morrer, como vaticina a
sciencia, de amollecimento de cérebro, não morrerá pelo contrario, na força da
vida e da saúde, de uma apoplexia fulminante – o terramoto Universal?
Enfim, diante das fatalidades horrorosas e irremediáveis da
natureza, sinto-me feliz por fazer parte do miserável formigueiro humano numa
epopéa de solidariedade cosmopolita, em que um gemido de dor, ou um estampido
de catastrophe repercute dentro de duas horas pela superfície do mundo inteiro,
fazendo palpitar generosamente, unanimemente todos os corações – como os grande
sinos de bronze de todas as torres de uma cidade immensa dobrando a rebate, num
coro titânico, pernate um incêndio colossal"
Guerra Junqueiro, in “Que é a Terra? O verbo cantar? Que é a vida?”,
Livraria Editora Empresa Litteraria Universal (Rua do Combro, 119-121), Lisboa,
1900, pp.39-41.
J.M.M.
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