Historiadora do movimento operário e sindical durante o Estado Novo em
Portugal, Maria de Fátima Patriarca morreu aos 71 anos, na madrugada desta
sexta-feira, devido a complicações na sequência de um problema cardíaco, no
Hospital da Cuf (Infante Santo), em Lisboa.
Fátima Patriarca era mulher do
jornalista do PÚBLICO Jorge Almeida Fernandes. O velório de Maria de
Fátima Patriarca terá lugar este sábado a partir das 17h na Basílica da
Estrela, de onde o funeral sairá no domingo de manhã, pelas 9h, para o crematório
de Rio de Mouro.
“Sem
dúvida uma das mais importantes historiadoras dos movimentos sociais do século
XX, tendo estudado em especial as questões sindicais e laborais”, resume o
historiador António Araújo, que destaca o facto de Fátima Patriarca fazer parte
de uma geração de historiadores que começou a abrir os arquivos do salazarismo.
“Foi sempre uma historiadora muito baseada nos documentos.
Rigorosíssima.” Na sua obra, destacam-se A Questão Social no Salazarismo (INCM, 1995), a sua tese de doutoramento,
e Sindicatos contra Salazar. A revolta de 18 de Janeiro de
1934 (Imprensa de
Ciências Sociais, 2000).
No
livro sobre o 18 de Janeiro, António Araújo dá como exemplo esse intenso
trabalho nos arquivos, a partir dos quais Fátima Patriarca construiu uma
história onde “viu muito mais do que a querela política entre comunistas e
anarquistas”, fazendo uma profunda releitura da mítica revolta da Marinha
Grande. O livro, escreveu Adelino Gomes neste jornal quando saiu em 2000, é uma
“reconstituição dia a dia, minuto a minuto, da luta contra a instauração por
Salazar dos sindicatos corporativos”, fazendo “um retrato quase cinematográfico
dos acontecimentos”.
Fátima
Patriarca nasceu em 1944 no Monte do Sol Posto, propriedade dos Ribeiro Telles,
no Couço – conta o historiador Álvaro Garrido num texto inédito que
será publicado em breve pela Imprensa de Ciências Sociais, num livro colectivo
dedicado aos historiadores mais antigos do Instituto de Ciências Sociais (ICS) –, por coincidência “uma freguesia
rural ribatejana que teve, ela própria, uma história social intensa que consta
dos anais da resistência rural ao Estado Novo”. Os pais, no entanto, vinham de
Manteigas, na Serra da Estrela, e no final dos anos 40 a família seguiu para
Benguela.
Foi em
Angola que Fátima Patriarca estudou, com uma passagem pelo Instituto Comercial
de Lisboa, até entrar para Germânicas, no início dos anos 1960, na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, em plena crise académica. Pouco tempo depois
passa para o Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, onde obtém o
diploma em 1967.
Dois
anos depois, conta a breve biografia de Álvaro Garrido, está em Paris,
ingressando na École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, onde
assiste aos seminários de Alain Touraine, conhecido pela sua obra dedicada à
sociologia do trabalho e dos movimentos sociais, de onde sai em 1972 com o
diploma d'Études Approfondies en Sciences Sociales.
Será em
pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso), depois do 25 de Abril, que entra
no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa como assistente; aí
se licencia em Sociologia Industrial em 1980. “Nesses anos de euforia
revolucionária e de transição para a democracia Fátima Patriarca era claramente
socióloga”, escreve Álvaro Garrido, dedicando-se a uma sociologia histórica do
trabalho, “com particular atenção aos temas do controlo operário e da greve”.
Em 1992
fez as suas provas de investigadora no Instituto de Ciências Sociais (ICS), sob
a orientação do sociólogo Adérito Sedas Nunes, com a dissertação de
doutoramento Processo de implantação e lógica e
dinâmica de funcionamento do Corporativismo em Portugal – os primeiros anos do
Salazarismo. Entra em 1992 para os quadros do ICS, de onde se
jubilou em 2005.
Álvaro
Garrido diz que é com o projecto de investigação O
Trabalho Operário na Metalomecânica Pesada (1978-82) que começa a transição que
dá, aliás, título ao seu artigo sobre a historiadora nascida socióloga: Da
Sociologia do Trabalho a uma História Social do ‘Político’. Essa
transição, explica ao PÚBLICO, “surge por uma inquietação intelectual, que
decorre da necessidade de perceber as políticas sociais e laborais na sua
espessura histórica em Portugal: "De estudar o triângulo corporativo
institucionalizado pelas políticas do Estado Novo em 1933 – Estado,
patrões e trabalhadores –, dada a longa persistência do sistema corporativo nas
relações de trabalho e nas políticas sociais. Um triângulo que a Fátima
Patriarca estudou como ninguém."
Tal como António Araújo, Álvaro Garrido destaca “o sentido de minúcia, e
de leitura de documentos, muito rigoroso” e “um espírito narrativo muito
apurado”. Não publicava nada que não estivesse muito amadurecido: “Acabou por
não escrever muito. Tem dois livros muito extensos. O resto são artigos, alguns
muito grandes também.”
"O seu contributo mais saliente para a história da História",
escreve Garrido, "reside no modo com soube construir uma História Social
do 'político'". "Relativamente ao período do Estado Novo e das suas
realidades político-sociais, a auto-exigência analítica de Fátima Patriarca e o
seu sentido crítico subtil conduziram-na a evitar o binómio previsível e
redutor que tende a situar os historiadores entre aqueles que preferem uma
história do regime por dentro de si mesmo e os que elegem a 'história das
oposições' como a única perspectiva capaz de alimentar uma memória histórica
vigilante."
A notícia pode ser consultada AQUI.
A.A.B.M.
Sem comentários:
Enviar um comentário