sábado, 6 de julho de 2024

O SÉCULO DO LIBERALISMO. PORTUGAL 1820-1926


LIVRO: O Século do Liberalismo. Portugal 1820-1926;

AUTOR: Miriam Halpern Pereira;
EDIÇÃO: Fundação Calouste Gulbenkian, 2024, 866 p.

“Sem a economia, a história torna-se historizante, e sem a história a economia fica mais pobre nas suas explicações». A afirmação de Miriam Halpern Pereira perpassa em toda esta obra antológica. Estamos perante uma investigadora de excepcional qualidade, que soube aliar sempre a análise rigorosa dos acontecimentos complexos com uma perspectiva crítica, centrada no diálogo com os melhores autores. A perspectiva económica completa-se com a compreensão psicológica e sociológica — com um particular cuidado na dimensão pedagógica, para que a perspectiva e o método históricos possam abrir horizontes no entendimento das grandes tendências e das dinâmicas de desenvolvimento humano. […]

A evolução institucional nos séculos XIX e XX é analisada nos seus progressos e inércias. A lentidão das reformas liberais que se arrastam até à década de 1860, depois do reformismo audacioso de Mouzinho da Silveira, regista uma incidência cumulativa. Os impasses da segunda metade do século XIX nas finanças públicas tiveram incidência na situação económica, aumentando a necessidade de empréstimos para os melhoramentos materiais, que elevaram o custo do crédito, cerceando-se o impacto da modernização de instrumentos de crédito e da eficácia dos investimentos […]. Mas as raízes da situação e as exigências de superação apenas podem ser compreendidas mercê do diálogo entre História e Economia e do seu melhor entendimento.

A inclusão do presente livro da autoria de Miriam Halpern Pereira na colecção dos clássicos da Cultura Portuguesa da Fundação Calouste Gulbenkian constitui motivo de homenagem a um trabalho persistente de grande coerência”

[Guilherme D’ Oliveira Martins, in Prefácio]

J.M.M.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

ATÉ SEMPRE FAUSTO!

 


… Vêm do fundo da paz da terra os sonhadores

Guardam em sonhos ocultas memórias os computadores

Pedreiros-livres, santos e artistas, tudo e ninguém

Sussurram secretas vozes profetas dos temporais

Pairam nos ventos estranhos seres como cristais …


Fausto Bordalo Dias (1948-2024) partiu e levou-nos esse cantar d’amigo que nos abraçava em saudade antiga, em língua de cante lusitano. Fausto era o jogral da nossa Demanda, era a Luz do nosso pranto, era o olhar da nossa memória. Afinal – como ele docemente nos diz - o Oriente tem o seu rosto em Portugal. Homem livre e de bons costumes, obreiro da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o seu lugar é no mar alto da música e da poesia, entre a terra e o mar, que a soidade retorna em puro amor. Cantor iluminado e guitarrista exímio, a sua travessia navega por esses rios acima, subindo e descendo, para encanto nosso e em terra amada.

Pois é, Fausto amigo, como bem nos disseste: faz sentido interrogar-nos de onde vimos, para onde vamos, o que já fomos, de onde já voltámos, o que haveremos de ser…

Até sempre Fausto!

J.M.M.

sexta-feira, 28 de junho de 2024

A VEDETA DA LIBERDADE (1835-1839)


A VEDETA DA LIBERDADE. Ano I, nº 1 (1 de Maio de 1835) ao nº 296 (31 de Dezembro de 1839 ?); Propriedade: José de Azevedo Gouveia Mendanha; Editor: João Soares Guedes; Redactores: António Carmo Velho de Barbosa (o padre Valbom ou o padre da Vedeta), António Rodrigues Sampaio (1806-1882); Impressão: Imprensa de Coutinho [a partir de 1837, Imprensa Constitucional]; Porto; 1835-1839, 296 numrs (?)

Trata-se de um periódico que integrou a corrente da esquerda constitucional da cidade do Porto. O jornal, “um dos mais lidos” e influentes no norte do país, foi progressista e setembrista, passando depois a cartista, defendendo no final a Constituição de 1822 (ver, José Tengarrinha). Curiosamente no seu número de 2 de Janeiro de 1839 afirmava-se como combatente pela “Constituição de 1838”. Propriedade do negociante da praça do Porto e membro da Comissão Municipal Interina de Gondomar, José de Azevedo Gouveia Mendanha, tinha na redação, além do padre Valdom, o incontornável António Rodrigues Sampaio, o “Sampaio da Revolução” de Setembro (periódico anticabralista que dirigiu a partir de 1844) e que marca a sua estreia jornalística e política. Após conflito entre o padre Velho de Barbosa e o proprietário do jornal (ver Teixeira de Vasconcelos, O Sampaio da Revolução de Setembro), António Rodrigues Sampaio passa a redactor principal d’A Vedeta da Liberdade, antes de ser chamado por José Estêvão para a redação do importante periódico oficioso do setembrista, A Revolução de Setembro.

NOTA: António Carmo Velho de Barbosa (1789-1854) ou padre Valbom, era natural de Barcelos, recebeu em 1805 o hábito de S. Bento no mosteiro de Tibães e, tendo concluído o noviciado no ano seguinte, foi colegial de filosofia no Mosteiro de Santo André de Rendufe (ver Dicionário de Inocêncio F. Silva). Quando das invasões francesas, “tomou armas”, combatendo as tropas de Soult com os seus irmãos frades e, de tal modo, que Rendufe, qual “castelo fortificado”, ficou conhecido pelo “Castelo dos Tiroleses”. Tal rocambolesco facto, aliado à “austeridade” monacal (ainda segundo Inocêncio), fê-lo, juntamente com os seus companheiros, entrar em conflitos com o poder monástico, obrigando uma força militar vindo de Braga entrar “à força” nas instalações para por cobro à situação de “insubordinação”. Como resultado disso, ele e os seus companheiros foram dispersos pelos vários mosteiros da congregação. Ordenado presbítero no mosteiro de Santo Tirso, foi eleito (1819) abade do Mosteiro de S. Bento da Vitória, no Porto, e pregador régio. Em 1829 foi preso, colocado na cadeia da relação e enviado sob “rigorosa prisão” para o Mosteiro de Paço de Sousa. Como o mosteiro foi utilizado como hospital militar pelas forças miguelistas, em Junho de 1833, no cerco do Porto, saiu para S. João d'Arnoia (Celorico de Basto), até ser proclamado o governo da rainha D. Maria. Quando se aboliu as ordens religiosas, veio para o Porto, onde em 18 de Julho de 1834 foi eleito pároco de Valbom. É a partir daqui que começa a publicar artigos e a escrever n’A Vedeta da Liberdade. Novas discórdias com os paroquianos fizeram que fosse recolocado na Igreja de Leça de Balio, tendo falecido a 4 de Fevereiro de 1854.

Ilustrado, cavaleiro da Ordem de Cristo, publicou um curioso opúsculo em desabono das famosas cortes de Lamego, que refuta com vigor, intitulado, Exame critico das Cortes de Lamego, Typ. de D. António Moldes, Porto, 1845. Ainda segundo Inocêncio fez sair uma Oração fúnebre do muito alto e poderoso senhor D. Pedro IV (1847), um curioso opúsculo, Explicação do terceiro corpo das prophecias de Gonçalo Annes Bandarra, começadas a verificar no reinado do sr. D. João V, e acabadas no reinado do sr. D. Pedro IV (1852, p. 54), publicou, ainda, Memorias histórica da antiguidade do Mosteiro de Leça, chamada do Balio (Porto, 1852) e uma Memoria acerca da combinação das epochas que contem a inscripção da Torre da Estrella da cidade de Coimbra, aliás, publicada nas Memorias da Academia (1848), entre outros.

J.M.M.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

ARQUIVO HISTÓRICO DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA – UM NOTÁVEL TRABALHO DE DIGITALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DIGITAL

 


A Academia das Ciências de Lisboa, lugar venerando da historiografia portuguesa, está a disponibilizar para consulta online a base de dados do seu Arquivo. É absolutamente notável o trabalho arquivístico e digital desta estimada e reconhecida Instituição, que tem sofrido um extraordinário impulso com o incansável trabalho do seu atual Diretor, o professor José Luís Cardoso

Quando muitos fecham os seus espólios ou restringem digitalmente o acesso amplo e aberto aos leitores – como é o caso do atual Município de Coimbra, no que diz respeito à atividade de digitalização, acessibilidade e facilidade de consulta dos periódicos locais, exemplo neste caso a digitalização do periódico O Conimbricense), e a acreditar por simples incompetência, a Academia das Ciências de Lisboa proporciona o acesso a representações digitais abertas e permanentes, salvaguardando a própria história, numa cultura digital de utilidade pública que vai no sentido de fortalecer a sua identidade e preservar a memória da Instituição para futuras gerações.

PESQUISAR documentos AQUI https://arquivo.acad-ciencias.pt/search

Obrigado, Academia das Ciências de Lisboa

J.M.M.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

LUIZ VAZ DE CAMÕES – 500 ANOS DE GLÓRIA

 


Luiz Vaz de Camões. 500 Anos de Glória; n.º hors-série de 10 de Junho 2024; Edição BMBM; Redação: Vale do Mondego; Edição Fora de Mercado (tiragem de 33 exemplares).

Trata-se de um número comemorativo dos 500 anos de Luiz Vaz de Camões, com belíssimas ilustrações de José da Costa e Alberto Péssimo (entre outras), de tiragem muito reduzida e para bibliófilos, lançado pela Biblioteca Maçónica do Baixo Mondego, que tem alojamento no Archive.org

https://archive.org/details/@biblioteca_ma_nica_do_baixo_mondego

"Luiz Vaz de Camões, o autor d’Os Lusíadas e Príncipe dos Poetas, exerce em todos nós, pelo seu sibilino Verbo, uma interessante, enigmática e mui encoberta revisitação ao labirinto da memória coletiva lusitana. A linguagem velada camoniana perdura, discretamente, na nossa tradição literária há mais de quatro séculos. É uma maturada Saudade, uma luz da epopeia de conciliar o Oriente com o Ocidente. Quando se cumpre 500 anos do nascimento e 444 anos do passamento do imortal Camões, a Biblioteca Maçónica do Baixo Mondego não poderia deixar de expressar o seu respeito e admiração pela sua prodigiosa Obra. Saudemos, portanto, o poeta-cantor da Pátria, o argonauta Luiz Vaz de Camões. Vale. [Os Bibliotecários]"

TÁBUA: Luiz de Camões – em sua Memória (J.M.M.); Fedeli d’Amore (extractos de textos e Sampaio Bruno, Dante, Gabriele Rossetti); Os Inquisidores apostólicos contra a herética pravidade & apostasia nesta cidade de Coimbra, & seu districto,  … (edital da Inquisição de Coimbra, declarando que a edição dos Lusíadas de Camões (1639) editada e anotada por Manuel Faria e Sousa estava proibida de ler por conter muitas coisas escandalosas e ofensivas para a Religião Católica …); Camões Grandes e Pequenos, do Rossio e do Balio (M.S.); Curiosidades Camonianas (M.S.); Camões e a Divina Proporção (M.S.); Uma epígrafe escolhida de Camões (M.S.); Voltando os olhos para a Pátria (Francisco Solano Constâncio); Camões, Grande Camões, quão semelhante (Bocage); Os Lusíadas … anotados por Francisco Freire de Carvalho; Poemas de Camões e ilustrações de Alberto Péssimo; Poema: Camões dirige-se aos seus contemporâneos (Jorge de Sena).

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DOWNLOAD REVISTA


https://archive.org/details/luiz-vaz-de-camoes-500-anos-de-gloria

J.M.M.

terça-feira, 14 de maio de 2024

GRÉMIO LUSITANO – REVISTA, ANO 12, N.º 26, 2023


Saiu a revista nº26 (2 semestre de 2023) Grémio Lusitano [Propr. Grémio Lusitano; Editor: Grémio Lusitano; Director: Pedro Luiz de Castro; Director-Adjunto: Henrique Monteiro; Coord.: Pedro Luiz de Castro, Álvaro Carrilho, Inês Marques; Redacção: Rua do Grémio Lusitano, 25, Lisboa].

TÁBUAEditorial. Ética, Moral e Religião [Pedro Luiz de Castro] / Ética e Liberdade [Fernando Cabecinha (GM do GOL)] / Ética na Maçonaria [Do Congresso da GLFP]] / “A insustentável leveza das fronteiras: Clero Católico na Maçonaria e a questão do Anticlericalismo e do Antimaçonismo em Portugal” [Fernanda Santos & José Eduardo Franco] / A Maçonaria, o Indivíduo e a Reforma Protestante. Um Caminho no Sentido do Despertar da Liberdade de Consciência [Paulo Mendes Pinto] / Desafios éticos no mundo atual. Da nebulosa da vida à universalidade de uma ética universal [Alexandra Mota Torres] / Do trono de Salomão à soleira do Papa. Um ensaio sobre Liberdade e Tolerância Religiosa na Maçonaria [Edgard da Costa Freitas Neto] / Entre o Esquadro e o Compasso [Joaquim Grave dos Santos] / Entrevista com Ferrer Benimeli. Católicos e Maçons / Ética da Maçonaria, da Obediência, da Loja ou do Maçon? (Manuel Pinto dos Santos) / Ética Franco-Maçónica? [Francisco Carromeu] / O Compasso e a Cruz – Uma narrativa histórica (António Maria Fonseca] / O papel da Maçonaria na criação da contemporaneidade (Orlando Martins e Pedro Nogueira-Simões) / Teófilo Braga, Magistério e Cidadania (António Valdemar) / Maçonaria e Carbonária (António Valdemar) / Tod@s (Fernando Marques da Costa) / Maçonaria, Religião ou Seita? (Pedro Luiz de Castro)

J.M.M.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

[12 de MAIO DE 2024] 222 ANOS DO GRANDE ORIENTE LUSITANO

 




Salve Grande Oriente Lusitano - 222 Anos; Edição BMBM, Vale do Mondego, Edição Fora de Mercado (nº Único).

► Trata-se de um curioso folheto publicado pela Biblioteca Maçónica do Baixo Mondego, relembrando os 222 Anos do nascimento do Grande Oriente Lusitano (GOL), considerando-se o dia fundacional do GOL, o 12 de Maio de 1802, data da assinatura do Tratado do reconhecimento pela Grande Loja de Inglaterra desse centro único de união de lojas lusitanas.

TÁBUA: Salve Grande Oriente Lusitano; [extrato] Narrativa da Perseguição de Hipólito José da Costa; O Grande Orador.

J.M.M. 

quarta-feira, 8 de maio de 2024

[COIMBRA – LANÇAMENTO] A LUZ VINHA DO ORIENTE. COMUNISTAS E MAÇONS EM PORTUGAL (1919-1936)

 


LIVRO: A Luz vinha do Oriente. Comunistas e Maçons em Portugal (1919-1936);

AUTOR: António Ventura;

EDITORA: Âncora Editora


LANÇAMENTO EM COIMBRA


DIA: 9 de Maio de 2024 (18,00 horas);

LOCAL: Casa Municipal da Cultura de Coimbra (Rua Pedro Monteiro);

ORADOR: António Pedro Pita

A não perder

J.M.M.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

NOS 50 ANOS DO 25 ABRIL

 


Tu sozinho não és nada / Juntos temos o mundo na mão” [António Macedo]


O Almanaque Republicano canta a alegria da palavra Liberdade que os capitães de Abril, Cavaleiros da Verdade, nos presentearam na viagem encantada desse 25 de Abril de 1974 e pelo fim da Ditadura. A luz da Alma Lusitana voltou a brilhar em todos nós. O Almanaque Republicano saúda todos aqueles que lutaram, orgulhosos no caminho da honra, pelo Amor da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A todos eles o nosso eterno Obrigado!

Que Viva o 25 de Abril! Sempre!? Sempre!

Saúde, Paz e Fraternidade.

José Manuel Martins | Artur Barracosa Mendonça


terça-feira, 23 de abril de 2024

NOS 50 ANOS D’ABRIL

 



Eh companheiro, resposta
Resposta te quero dar
Só tem medo desses muros quem tem muros no pensar
Todos sabemos do pássaro cá dentro a querer voar
Se o pensamento for livre, todos vamos libertar

[José Mário Branco]

J.M.M.

domingo, 24 de março de 2024

ECOS DE LONDRES: O INVESTIGADOR PORTUGUÊS EM INGLATERRA, JORNAL LITERÁRIO, POLÍTICO, & C., NOS PRIMEIROS ANOS DA PUBLICAÇÃO, 1811-1813

 


LIVRO: Ecos de londres: o investigador português em Inglaterra, jornal literário, político, & c., nos primeiros anos da publicação, 1811-1813;
Autor: Adelaide Maria Muralha Vieira Machado;
EDIÇÃO: Lema d’Origem, Março de 2024, 134 p.

«A decisão da Comissão Liberato de impulsionar a publicação desta obra sobre os primeiros anos de O INVESTIGADOR PORTUGUEZ EM INGLA-TERRA (1811-1813) assentou na relevância que este periódico teve na vida de José Liberato Freire de Carvalho e vice-versa. De facto, embora Liberato só tenha entrado para a redacção do jornal em 1814, a sua acção nele foi de tal forma importante que as suas vidas e os seus nomes ficaram para sempre indissociáveis. Pode dizer-se que há um INVESTIGADOR antes e outro INVESTIGADOR após a chegada de José Liberato a Londres e ao jornalismo. Ora, para melhor conhecer e até compreender a vida, as ideias e a obra de José Liberato, pareceu-nos interessante dar ênfase e divulgar a "casa" que o recebeu, como nasceu o seu projecto e como cresceu e se consolidou, o contexto político e social cm que se afirmou, os seus redactores e financiadores, a importância crescente em ambos os reinos. Neste Julho de 1811, quando sai o primeiro número de O INVESTIGADOR, José Freire de Carvalho ainda não respondia por Liberato, antes era conhecido por D. José do Loreto, o nome que tinha adoptado quando fora admitido na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, em Santa Cruz, Coimbra. O ano de 1811 foí muito acidentado para a vida de D. José do Loreto. No início do ano ainda estava refém e acompanhava o exército de Massena. Em Março, durante o combate de Foz de Arouce, tinha conseguido evadir-se e refugiar-se na casa do seu irmão em Ceira, sendo preso no dia seguinte pela polícia, suspeito de colaboração com os franceses. Seguiram-se dois meses de prisão na cadeia da Universidade e alguns, poucos, meses de liberdade até ser de novo enclausurado em Santa Cruz, às ordens do governo de Lisboa. Foi após esta clausura de cerca de dois anos (durante a qual traduziu os ANAIS de Tácito) que, nos finais de 1813, quando lhe preparavam uma deportação interna para outro convento agostinho, José aceitou ajuda da família Pinto Bastos e evadiu-se para Inglaterra, adoptando o nome de Liberato, honrando a sua própria libertação.

Graças ao seu perfil intelectual (professor, tradutor, bibliotecário) facilmente obteve uma ocupação condizente — redactor de O INVESTIGADOR PORTUGUEZ EM INGLATERRA, a que talvez não fossem estranhas as suas ligações maçónicas iniciadas em Lisboa pelos primeiros anos de 1800, quando se tornara o Spartacus da Loja "A Fortaleza"».

[Palavras Prévias, pela Comissão Liberato, pp.9-10 – sublinhados nossos]

 


►«O aparecimento do Investigador não está oficializado por nenhum documento, mas sabe-se que partiu da iniciativa de Domingos António de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Londres. Após uma primeira tentativa frustrada de entendimento com o redator do Correio Braziliense [Hipólito José da Costa (1774-1823) foi o redator do Correio Braziliense, 1808-1822, impresso em Londres], o futuro Conde e Marquês do Funchal [Domingos António de Sousa Coutinho (1760-1833), recebeu o título de Conde por serviços prestados à monarquia absoluta, e o título de Marquês por serviços prestados à causa liberal. In, Marques do Funchal, O Conde de Linhares, Lisboa, 1908] decidiu chamar a si a responsabilidade da criação de um novo jornal português em Inglaterra. Nesta tarefa foi assistido por dois exilados, sob a sua proteção: o médico Bernardo José de Abrantes e Castro, e Vicente Pedro Nolasco da Cunha, também médico, mas poeta por vocação

[Nolasco da Cunha (1773-1844) publicou na época, as seguintes obras: Jardim Botânico de Darwin, ou a economia da vegetação, poema com notas filosóficas, traduzido do inglês, Lisboa, 1803; O Tempo de Glória, Lisboa, 1802; O Triunfo da Natureza, Londres, 1809 (dedicado a Domingos Sousa Coutinho); O incêndio de Moscovo, ou a queda de Napoleão, Londres, 1812. No Investigador saíram também impressos, outros trabalhos do poeta, várias odes dedicadas a Filinto Elísio, ao Conde do Funchal e aos generais ingleses vitoriosos em Portugal, para além de traduções comentadas a trabalhos literários publicados na altura em Inglaterra]

e frequentador das suspeitas e perseguidas tertúlias literárias. Esta estranha associação de homens, conseguiu da corte no Brasil através do ministro D. Rodrigo, irmão do embaixador, a concessão de um número mínimo de assinaturas que garantia o financiamento do periódico.

Criado, perante a Corte, para combater os ataques ao governo feitos pelo Correio Brasiliense, defensor da independência do Brasil, seria esta a principal razão da obtenção do subsídio ministerial. […]

O Conde do Funchal, tal como os irmãos, fora afilhado de Pombal crescera sob a sua proteção e mais tarde frequentara a Universidade reformada, onde teve os primeiros contactos com as leituras do século ao privar com José Anastácio da Cunha, a quem sempre admirou tanto quanto detestou os seus algozes. Próximo dos círculos do poder, Domingos António, fez carreira diplomática, completando a sua formação no contacto com a cultura e política europeias. Acabaria por se fixar em Londres, como embaixador, tornando-se um grande admirador das instituições e organização política, inglesas. 

 

O Conde do Funchal tentou ao longo da sua vida conciliar, nem sempre com sucesso, a devoção e real fidelidade à dinastia de Bragança, com a profunda admiração pela realidade inglesa. Daí o envolvimento com os exilados que por Londres passavam, e que acolhia sob a sua proteção. Em termos de política de estado alinhava com os Inglesados, embora a divisão entre estes e os Afrancesados

[A divisão entre Inglesados e Afrancesados passava pelas preferências a nível das alianças externas diplomáticas e comerciais. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro Conde de Linhares, era o chefe do partido inglês, António Araújo, futuro Conde da Barca o chefe do partido francês. Sobre o desenvolvimento deste assunto ver, Graça e J.S. da Silva Dias, Os Primórdios da Maçonaria em Portugal, Vol. 1, Tomo II, pp. 421-450].

tivesse perdido a funcionalidade após as invasões francesas e a ida da corte para o Brasil sob escolta inglesa. No entanto, as famílias ou grupos de expressão e as rivalidades delas provenientes, ainda se mantiveram operativos durante algum tempo, em consonância com a composição dos gabinetes de estado. Convém referir, que esta divisão se limitava aos círculos de poder, sem ramificações organizativas ou ideológicas no país, tal como as concebemos, por exemplo, para o período seguinte entre absolutistas e liberais […]

[Adelaide Maria Muralha Vieira Machado, Ecos de Londres …, pp-93-94 – sublinhados nossos]

J.M.M.

domingo, 17 de março de 2024

O 25 DE ABRIL, A FORÇA DOS SÍMBOLOS – POR ANTÓNIO VALDEMAR

 


O 25 DE Abril, a força dos símbolos” – por António Valdemar, in Tempo Livre

 Portugal ficou diferente. Falta muito para o desejável. Mas faltará sempre, aqui e em outros países democráticos, que enfrentam os problemas atuais e procuram articulá-los com os grandes desafios do futuro

Tudo aconteceu há 50 anos. Rompeu através da madrugada e ganhou uma energia extraordinária através de todo o dia. A apoteose decorreu no 1.º de Maio. A Liberdade era restituída, em 25 de Abril, com a poesia e a música de José Afonso, sem recorrer aos tiros dos canhões e das espingardas. Nas ruas de Lisboa, e um pouco por todo o país, os cravos vermelhos logo se transformaram num dos símbolos vivos da revolução. Constituiu o ponto final de 50 anos de ditadura imposta por Salazar, seguida por Marcello Caetano. A poesia, a música e as artes plásticas registaram testemunhos impressionantes da prisão, da tortura, do exílio e da saga da resistência. A Ode à Liberdade de Jaime Cortesão insistia no repúdio ao «ódio fanático dos bonzos», ao «ciúme vil dos fariseus». Para louvar «a cada novo dia e duro preço», o «sopro e a lei da criação». Era a exortação para transpor a incerteza, a violência, a desigualdade e estabelecer uma cultura de justiça, de tolerância e diálogo.

Outro poeta, Sidónio Muralha, não podia sufocar este protesto veemente: «Já não há mordaças, nem ameaças,/ nem algemas que possam impedir/ a nossa caminhada,/ em que os poetas são os próprios versos dos poemas.» Ou, então, o clamor de Prometeu, recriado por Joaquim Namorado: «Abafai-me os gritos com mordaças,/ maior será a minha ânsia de gritá-los; /amarrai-me os pulsos com grilhetas,/ maior será a minha ânsia de quebrá-las;/ rasgai a minha carne, triturai os meus ossos,/ o meu sangue será a minha bandeira;/ meus ossos o cimento de uma outra humanidade, /que aqui ninguém se entrega./ Isto é vencer ou morrer!»

Jorge de Sena, do outro lado do mar enviava este poema repleto de angústia e alguma esperança. «Eu não posso senão ser/ desta terra em que nasci. /Embora ao mundo pertença /e sempre a verdade vença, /qual será ser livre aqui, /não hei-de morrer sem saber. / Trocaram tudo em maldade, /É quase um crime viver./ Mas, embora escondam tudo/ e me queiram cego e mudo, /Não hei-de morrer sem saber/ Qual a cor da liberdade

Sophia de Mello Breyner viveu e celebrou em Lisboa o 25 de Abril. Em plena revolução deslocou-se a Caxias para acompanhar a libertação dos que estiveram privados de liberdade. Resumiu num poema – ilustrado por Vieira da Silva – que ficou a ser uma referência obrigatória: «Esta é a madrugada que eu esperava /O dia inicial inteiro e limpo /Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo.»

O programa do 25 de Abril anunciou – e cumpriu – a reposição das liberdades reprimidas e castigadas durante meio século; o início da descolonização possível; a oportunidade para concretizar as regras constitucionais que fundamentam um Estado de Direito. Milhares e milhares de portugueses e suas famílias encontravam-se dilacerados pela crueldade da guerra colonial, em três frentes de combate: o espectro da morte, os pressentimentos, as insónias, os pesadelos que nunca mais esquecem.

Os poemas escaldantes de Manuel Alegre tornaram-se a voz da nossa própria voz: «Foram dias foram anos a esperar por um só dia. /Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía /Com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia /Na esperança de um só dia. Foram batalhas perdidas. Foram derrotas e vitórias./Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias) / Mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida) /Por um só dia vivida./ (…) Fogos-fátuos cinza fria. Musa minha que cantavas /A canção que se vestia com bandeiras nas palavras: /Armas que o tempo tecia. Minha vida toda a vida / Por um só dia vivida.»

No romance Os Memoráveis, Lídia Jorge recriou testemunhos de intervenientes da revolução e, ao mesmo tempo, os efeitos da passagem do tempo, não só acerca desses protagonistas, mas dos que se evidenciaram na sociedade contemporânea. Caracterizam a grandeza e as misérias dos portugueses, no dia-a-dia, e, em momentos históricos. Dir-se-iam que permanecem como sobreviventes de um tempo já inalcançável.

A leitura dos Memoráveis conduz-nos à ilusão revolucionária, à desilusão de muitos e à travessia para conseguir a plenitude da democracia. A exaltação e o ceticismo destacam-se, invariavelmente na poesia, nos Diários, nos contos, novelas e romances de Miguel Torga.

É o homem sempre irritado, receoso, sombrio, ressabiado, cujo mundo reside, apenas, nele próprio. Basta ler e refletir na posição assumida, em 1976, num discurso sobre o 25 de Abril, proferido em Arganil: «Hora angustiosa que nada fazia prever em Abril de setenta e quatro, quando uma manhã de esperança raiou no espírito de todos nós. Depois de meio século de negrura, o sol da liberdade brilhou inesperadamente em Portugal. E foi, como sabeis, uma festa universal. Depressa, porém, a tristeza voltou.

E a palavra revolução, acolhida com benevolência até nos ouvidos, mais refractários, em vez de, como outrora, significar uma rotura promissora e fecunda, passou a evocar apenas a desordem à solta nas ruas, e o arbítrio e a prepotência, ensarilhados na parada dos quartéis. Creio que nenhum português consciente esquecerá até ao fim dos seus dias estes dois anos aziagos. Enganada na sua boa fé, a alma da Nação foi durante eles indelével e dolorosamente tatuada por todos os estigmas da desgraça

Qualquer que seja a avaliação o 25 de Abril cerrou as grades das prisões políticas de Caxias, do Aljube e de Peniche. Promoveu a formação de partidos, de pluralismo de opinião e de crítica. Ao procedermos a um balanço sumário verificamos acidentes de percurso. Todavia, a Constituição da República, estabeleceu as regras do exercício do Estado de Direito e a enumeração dos objetivos fundamentais para o combate inadiável à rotina e ao pensamento único; para reclamar os imperativos da mudança, incutir a exigência de responsabilidade ética, estimular a ousadia e a inovação para a transformação do País, mergulhado em estruturas arcaicas.

Concretizou-se o programa do 25 de Abril, anunciado nessa madrugada histórica. Houve, de imediato, a restituição das liberdades. Realizou-se a integração na Europa. Falta muito para atingir o desejável, mas faltará sempre, aqui e em outros países livres e democráticos, que dentro dos condicionalismos inevitáveis enfrentam os problemas atuais e procuram articulá-los com os grandes desafios para o futuro.

O 25 DE Abril, a força dos símbolos – por António Valdemar [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências] – in Tempo Livre Março/ Abril de 2024, p. 8 – com sublinhados nossos; FOTO de Álvaro Carrilho.

J.M.M.

quarta-feira, 6 de março de 2024

JOÃO DE DEUS - VIDA, POR JOSÉ ALBERTO QUARESMA

 

No próximo dia 8 de Março de 2024, no âmbito das Comemorações dos 194 anos do Nascimento de João de Deus, vai ser apresentada a obra de José Alberto Quaresma, João de Deus - Vida.

A sessão vai realizar-se no Auditório Francisco Vargas Mogo, em São Bartolomeu de Messines, concelho de Silves, pelas 18 horas.

Vai apresentar a obra o Professor Doutor José António Gomes e conta ainda com a presença da Presidente da Câmara Municipal de Silves, Rosa Palma.

A edição está a cargo da Imprensa Nacional - Casa da Moeda e pode ser consultada para mais informações na página da editora AQUI.


Pode ler-se na Nota de divulgação da obra:

A caminho dos 200 anos, João de Deus continua vivo na alma da nação. Em passinho seguro e certo, merece calcorrear as veredas do silêncio para um futuro distante. Avantajar-lhe os anseios deve ser imperativo de progresso, centrado na pessoa, em benefício de toda a humanidade. A ação de João de Deus prolonga-se por quatro gerações, cruzando três centúrias. É uma das maiores obras de civilização no Portugal dos pequeninos e dos grandes. O seu legado segura-se. O ser humano que nos espevita a inteligência e amolece a alma, pela sua grandeza espiritual, continua a surpreender-nos. O João de Deus que por estas páginas se deixa entreaberto, bem se quer que continue a medrar noutra qualquer aventura do conhecimento, da literatura ou das artes. Urge destapar, avivar, recriar e expandir a sua herança. Tanto mais não seja para derramar um pouco de indulgência e sabedoria pelos dias turvos. Os menos favorecidos pela fortuna deverão continuar a ser os destinatários da sua luz. Os outros, tal-qualmente. João de Deus a todos pertence.

Com os votos do maior sucesso!!

A.A.B.M.


terça-feira, 30 de janeiro de 2024

COMEMORAÇÕES DO 31 DE JANEIRO DE 1891

 Assinalando o 133º aniversário da Revolta Republicana do Porto, em 31 de Janeiro de 1891, vão realizar-se alguns eventos que rememoram os acontecimentos, os  protagonistas e as circunstâncias que rodearam a efémera proclamação da República na cidade invicta.

O primeiro tem lugar em Lisboa, com organização do Centro de História, da Universidade de Lisboa, e coordenação científica do Prof. Doutor António Ventura e da Prof. Doutora Teresa Nunes.

Participam ainda Maria da Conceição Meireles Pereira, Sónia Rebocho, Vanessa Batista e João Lázaro.



Por seu lado, no Porto, far-se-á também a evocação do acontecimento, promovida pela Associação Cívica e Cultural 31 de Janeiro, em parceria com o Ateneu Comercial do Porto e conta com a romaria ao Monumento aos Heróis do 31 de Janeiro de 1891 e conta com intervenções de Luís Cameirão, António Lima Coelho e Rui Moreira.

A acompanhar e a participar civicamente, com os votos do maior sucesso.

A.A.B.M.


domingo, 28 de janeiro de 2024

TEÓFILO BRAGA, O HOMEM, O ERUDITO E O POLÍTICO

 


Teófilo Braga, o homem, o erudito e o político” – por António Valdemar, in Caderno E, Expresso, 26 de Janeiro de 2024

Foi um dos fundadores do Partido Republicano, depois Presidente da República, escrevia compulsivamente, investigou Camões — que elegeu como símbolo da nacionalidade —, nunca atravessou a fronteira. Teófilo Braga visto por si e pelos contemporâneos — admiradores e críticos —, no centenário da sua morte.

Passou a vida a escrever. Foi encontrado morto na sua mesa de trabalho. Tinha 80 anos. Faleceram os três filhos e, anos depois, a mulher. Teófilo Braga morava só. Rodeado de livros, asfixiado por ressentimentos e sempre empenhado em completar e concluir os temas que o absorveram a vida inteira. Deixou uma obra de investigação e de crítica com mais de 200 títulos. Ele próprio assim se definiu: “Dentro de um poço, desde que lá tivesse os meus livros, uma resma de papel e um lápis, conseguiria viver.”

Por sua vez, Ramalho Ortigão, que o conheceu com proximidade, afirmou: “Simples, sóbrio, duro, com hábitos de uma austeridade de espartano, sabendo reduzir as suas necessidades a toda a restrição a que lhe reduzam os meios, vivendo no seu isolamento como Robinson na sua ilha.” (…) “Não publica um volume por semana, pela razão única de que não há prelos, em Portugal, que acompanhem a velocidade vertiginosa da sua pena. Escreve de graça, desinteressadamente, em satisfação do seu prazer supremo, o prazer de espalhar ideias.”

Na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, Teófilo Braga (1843-1924) foi um dos autores com maior número de obras publicadas sobre a história da literatura portuguesa, desde os primórdios até João de Deus e Antero de Quental. Assinalam-se, neste contexto, as investigações sobre Camões, nos múltiplos aspetos da obra épica, lírica e teatral; “Gil Vicente e as Origens do Teatro Português”; “Bernardim Ribeiro e o Bucolismo”; Cristóvão Falcão, autor da “Écloga Crisfal”; Bocage, a vida e a obra; “Filinto Elísio e os Dissidentes da Arcádia”; a “História do Romantismo em Portugal”; e “Garrett e a sua Obra”.

A curiosidade de Teófilo estendeu-se a outros temas: o povo português, nos seus costumes, crenças e tradições; o cancioneiro e o romanceiro popular; os contos tradicionais. Também se consagrou à política. Encontra -se ligado à fundação, ao desenvolvimento e à projeção do Partido Republicano Português. Desempenhou as funções de presidente do governo provisório e de Presidente da República.

Acrescente-se o percurso na Universidade de Coimbra, a propósito das opções pedagógicas que se refletiram na cultura e na sociedade portuguesas: Sistema de Sociologia (para alargar as previsões, comprová-las e acelerá-las pela intervenção política e governativa); Soluções Políticas da Política Portuguesa, para demonstrar que o povo estava preparado para receber a República.

DE ESTUDANTE A PROFESSOR

Nasceu em Ponta Delgada a 24 de fevereiro de 1843. Enquanto aluno do liceu, principiou a atividade literária em jornais e revistas em São Miguel. Aprendeu, ainda, rudimentos da tipografia. Dirigiu-se, aos 18 anos, para Coimbra. Tinha a ambição de ser professor na universidade. Arrostando com os maiores sacrifícios, sem quaisquer apoios financeiros, vivendo apenas de explicações, tirou, entre 1862 a 1867, o curso de Direito, com elevadas classificações.

Um ano depois fez provas de doutoramento com uma tese acerca da história do direito português — os forais. Reconheceram-lhe os méritos. Contudo, para ascender à cátedra, foi preterido por um candidato que possuía relações privilegiadas com o júri. Tentou, em seguida, lecionar Direito Comercial na Academia Politécnica do Porto. Voltou a ser rejeitado. Finalmente, concorreu, em 1872, a uma cátedra sobre Literaturas Modernas no Curso Superior de Letras, um concurso público muito renhido. Entre os candidatos encontravam-se Pinheiro Chagas e Luciano Cordeiro. Eram os outros candidatos e tinham as maiores proteções no corpo docente. Teófilo conseguiu, finalmente, vencer.

Teófilo Braga radicou-se, a partir de então, em Lisboa, até falecer a 28 de janeiro de 1924. Nunca atravessou a fronteira. A sua vida, de enorme sobriedade, circunscreveu-se entre a intimidade e os contactos quotidianos: o Curso Superior de Letras; instalado no edifício da Academia das Ciências, da qual foi vice-presidente. (O rei, por razões estatutárias, era o presidente de honra). Deslocava-se, ainda, para fazer pesquisas documentais à Torre do Tombo que funcionava no Palácio de São Bento, e à Biblioteca Nacional, estabelecida no antigo Convento de São Francisco, na área do Chiado. Pertenceu a uma tertúlia na rua do Arsenal, na livraria Carrilho Videira, que reunia e editava obras de republicanos. Andava a pé ou nos transportes públicos, mesmo quando foi Presidente da República.

Ramalho Ortigão procurou, ainda, defini-lo nestes termos: “Este débil de aspeto um pouco valetudinário, dorso curvo, ventre chato, estômago escavado, deixando descair as calças em pregas sobre os sapatos, é o mais forte, o mais rijo, o mais enérgico temperamento que tenho conhecido.” Os caricaturistas retrataram-no com ironia. Joshua Benoliel fixou-o em dezenas de fotografias. Tornara-se uma figura típica de Lisboa.

AS POLÉMICAS

A atividade literária, histórica, filosófica e política de Teófilo Braga desencadeou sucessivas controvérsias: Castilho atacou a sua participação na Questão Coimbrã; Camilo, pelos mais diversos motivos, constituiu um dos seus mais acérrimos adversários; Ricardo Jorge, a propósito de um estudo acerca de Rodrigues Lobo, denunciou- -o como plagiário.

Todavia, entre os críticos mais severos, avulta Antero de Quental: “Os primeiros passos no estudo da história literária portuguesa — escreveu — foram dados pelo sr. Teófilo Braga, essa glória ninguém lhe tira. Tem defeitos: a impaciência que o leva muitas vezes a conclusões prematuras; e o espírito sistemático que o leva também a conclusões falsas.” (…) “O lado inferior e frágil — acentua Antero de Quental — são as teorias gerais, a parte filosófica; sente-se que não é essa a vocação do sr. Teófilo Braga. Ao mesmo tempo quimérico e sistemático, dá às suas doutrinas gerais uma feição dogmática que lhes tira aquele poder de ductilidade e compreensão, sem o qual uma teoria, para acomodar os factos ao seu rigor inflexível, tem de os forçar, umas vezes e outras vezes, de pôr de lado. Isto é — adverte Antero de Quental — o que torna abstrusas certas obras, como a ‘Poesia do Direito’.” (in “Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa”, Porto 1872).

CAMÕES, O SÍMBOLO NACIONAL

Camões foi um dos temas que, durante meio século, mais entusiasmou Teófilo. Interessaram-lhe todos — ou quase todos — os aspetos da vida e a obra do poeta. Fez uma reflexão e estudo dos textos mais antigos de biógrafos e comentadores, o chantre Severino de Faria, o licenciado Manuel Correia, o historiador e filólogo Manuel Faria de Sousa e o memorialista João Soares de Brito. Formulou hipóteses e extraiu conclusões, muitas das quais se revelaram precárias, em torno das circunstâncias relativas à conceção, publicação e divulgação de “Os Lusíadas”; e a outros assuntos como a tença, a morte e a sepultura de Camões; e, ainda, a permanência em África e no Oriente.

Sejam quais forem as reservas, os estudos de Teófilo proporcionam pistas para investigação do tempo histórico e da amplitude da obra do poeta, que não ficou alheio ao desconcerto do mundo e às vulnerabilidades da condição humana. Procedeu a uma campanha de opinião pública para celebrar, em todo o país, o terceiro centenário da morte de Camões. A informação existente indicava o dia 10 de junho. Foi exatamente nesse dia que se realizaram, em 1880, as comemorações, com a participação de intelectuais, políticos e elevado número de populares. Destinavam-se a promover a coesão do Partido Republicano, unindo as várias tendências e grupos dispersos, no pensamento e na ação. Recorde-se que, pouco antes de falecer, concedeu uma entrevista ao “Diário de Notícias”, na qual insistiu que a data do nascimento de Camões era 5 de fevereiro de 1584. O Governo, presidido por Álvaro de Castro e tendo António Sérgio como ministro da Instrução, determinou que o dia 5 de fevereiro passasse a ser feriado nacional. A data foi aprovada pelo Congresso da República e promulgada pelo chefe de Estado, Manuel Teixeira Gomes.

Concretizava-se assim, a título póstumo, a aspiração cívica de Teófilo: o sentimento nacional é um dos pilares fundamentais para a unificação dos portugueses. “Pelo amor do seu território, pela necessidade de manter a independência”, escreveu, “é possível alcançar uma ação comum, um sentimento coletivo que fortifica o sentimento da pátria e da nacionalidade.” (…) “Camões”, sintetizou, “deu expressão a esse sentimento, que transformou uma pátria numa nacionalidade”.

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Proclamada a República, Teófilo Braga foi escolhido para chefe do governo provisório (5 de outubro de 1910 a 4 de setembro de 1911). Acompanhou a apresentação, o debate e a votação da legislação que estruturou o novo regime. A ditadura de Pimenta de Castro (28 de janeiro de 1915 a 14 de maio de 1915) que encerrou o Parlamento e conduziu à demissão do Presidente da República Manuel de Arriaga (eleito a 24 de agosto de 1911 e a desempenhar funções até 26 de maio de 1915). Perante esta crise, que provocou uma das mais sangrentas e devastadoras revoluções, solicitaram a Teófilo Braga para ocupar o cargo, porque reconheciam nele uma reserva moral e cívica.

Eleito em sessão do Congresso a 29 de maio de 1915, obteve 98 votos a favor, contra 1 voto para Duarte Leite e três votos em branco. Durante quatro meses assegurou a chefia do Estado, em circunstâncias particularmente complexas, a nível nacional e internacional. A defesa dos territórios portugueses de África, em especial Angola e Moçambique, perante ameaças da Alemanha, determinou a expedição de contingentes do Exército e da Marinha. A 5 de agosto de 1915 na Europa eclodiu o que viria a ser a Grande Guerra.

Os efeitos do conflito acentuaram-se com muito impacto nas lutas partidárias e na subida dos preços dos bens de consumo diário. Gerou-se a corrida aos bancos para levantar os depósitos. Havia uma profunda instabilidade política e social. Contudo, a entrada de Portugal na guerra, em solidariedade com a Inglaterra — e devido à secular aliança subscrita entre os dois países — só se verificaria a 7 de agosto de 1916. Deu lugar a mais outra controvérsia entre as forças militares e os principais partidos políticos.

EUROPA E ATLÂNTICO

Teófilo Braga, ao tomar posse, referiu que a sua orientação visava “a harmonia de todos os poderes do Estado, o reconhecimento de que o poder soberano da nação reside essencialmente no Congresso, de que o presidente não é senão um mandatário. O contrário seria eu a exercer um imperialismo presidencialista”.

Fez questão de salientar que, perante “esta espécie de solidariedade humana, que corrige os excessos do egoísmo nacional” (…), “um outro equilíbrio europeu tem de fundar-se.” Assim, “a política externa de Portugal deriva completamente da sua situação geográfica; ela solidarizou-se com a Europa, quando combatia o imperialismo da Espanha no século XVII e quando no século XIX desmoronava o imperialismo napoleónico, ela nos fará cooperar na atividade mundial dos grandes Estados, com o apoio no Atlântico”.

Noutro passo, Teófilo Braga concluiu: “Apresentando estes dois aspetos de política, interna e externa, da nação portuguesa, dela se deduz um plano do Governo. E ao proferir as palavras de compromisso de honra, desta hora em diante só aspiro que, ao regressar dignamente ao lar, se possa dizer: cumpriu o que prometeu; guiou-se pelo bom senso e pelo desinteresse.”

CONSAGRAÇÃO NACIONAL

Teófilo Braga, tal como João de Deus e Guerra Junqueiro, após o seu falecimento teve honras nacionais e foi sepultado nos Jerónimos — à data o Panteão Nacional. Em 1925, Alfredo Guisado, poeta da “Orpheu” e vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, inscreveu-o na toponímia. A rua onde residia, a Travessa de Santa Gertrudes, passou a denominar-se Rua Teófilo Braga. Também Alfredo Guisado deu o nome de Teófilo Braga ao Jardim da Parada, no centro do bairro de Campo de Ourique. Pouco depois, a 16 de outubro de 1926, inaugurava-se, no Jardim da Estrela, um monumento dedicado a Teófilo Braga, da autoria do escultor Teixeira Lopes. Em pleno salazarismo, o monumento saiu do Jardim da Estrela e foi enviado para Ponta Delgada, por ocasião do centenário do seu nascimento. Ficou junto ao Forte de São Brás, a curta distância da casa onde nasceu.

Embora muito combatido por intelectuais de várias tendências, também contou com a fidelidade e dedicação de amigos como Francisco Maria Supico e de discípulos como Teixeira Bastos, Reis Dâmaso, Fran Paxeco, A. do Prado Coelho. Um dos seus admiradores, Álvaro Neves, inventariou a sua interminável bibliografia e organizou o “In Memoriam”. Ao dissiparem-se as incompatibilidades pessoais e aversões políticas, chegou a hora da reabilitação da vida e da obra em trabalhos de investigação e crítica de Joaquim de Carvalho, Luís da Câmara Reys, Mário Soares e, presentemente, Amadeu Carvalho Homem.

Um facto é evidente: o homem, o erudito, o cidadão e o político merecem ser evocados no ano do centenário da sua morte. Destaca-se, quaisquer que sejam as reservas, o pioneiro da história da literatura que elegeu Camões como o símbolo da nacionalidade. Foi um dos fundadores do Partido Republicano que contribuiu para a transformação da sociedade portuguesa, para a mudança do regime e para a solução de algumas crises institucionais.

O “ORGULHO DE SER AÇORIANO”

Saiu de Ponta Delgada aos 18 anos e nunca mais voltou à ilha de São Miguel. Guardava memórias amargas da infância e da adolescência. Manteve um contacto epistolar assíduo com Francisco Maria Supico, diretor do jornal “A Persuasão”, que lhe acompanhou os primeiros passos e o incentivou a fazer carreira universitária. Entre as numerosas obras que publicou, faz referências a autores açorianos como Gaspar Frutuoso, propôs o camoneanista José do Canto para sócio da Academia das Ciências e ocupou-se de temas açorianos. É o caso de “Cantos Populares do Arquipélago Açoreano” (1869). Este trabalho baseia-se na recolha feita por João Teixeira Soares de Sousa (1827-1882), a pedido de Garrett. Acerca da poesia popular — escreveu Teófilo — existem duas modalidades: “uma atual, móvel, continuamente em elaboração porque é um eco da vida, uma linguagem das paixões e dos sentimentos de hoje; a outra é tradicional, histórica, em desarmonia com os costumes presentes, mas repetida ainda religiosamente como lembrança de costumes e sucessos que já passaram.” Constitui: “o rapsodo de todas as alegrias e tristezas do poema da vida. A poesia — para o povo — é o ritmo do esforço no trabalho, o esquecimento da miséria, a expressão dos desejos, o tesouro da sua moral e tradições antigas, a linguagem do amor, o gemido, enfim, a verdade simples da sua alma.” (…) Compreende, por conseguinte, “fados e canções da rua, orações, profecias nacionais e aforismos poéticos da lavoura”.

Ao ser entrevistado por Albino Forjaz de Sampaio, declara que “nunca tivera a doença do açoriano, o apego ferrenho às suas ilhas, a nostalgia que sentimos quando delas nos afastamos. No entanto, através da minha longa vida, sempre me interessou tudo o que pudesse interessar aos Açores, especialmente à minha terra”. Afirmou, ainda com veemência: “Tenho orgulho de ser açoriano. As nossas ilhas são o foco da melhor tradição nacional. Nunca reneguei a minha terra. Sou ilhéu, nasci nesses rochedos donde irradiou o espírito das autonomias”.

Teófilo Braga, o homem, o erudito e o político – por António Valdemar [jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências], in Revista E (Expresso), 26 de Janeiro de 2024, p.50-52 – com sublinhados nossos.

J.M.M.