sábado, 27 de outubro de 2018

LIVRO - "ESCLARECIMENTOS À VIDA PÚBLICA DO CARDEAL SARAIVA (1820-1823)"




AUTOR: Francisco de São Luís Saraiva [Cardeal Saraiva] – com anotações de Tiago Henriques;
EDIÇÃO: Zéfiro Edições, Outubro 2018

LANÇAMENTO:

DIA: 29 de Outubro 2018 (19,00horas);
LOCAL: Grémio Literário, Rua Ivens, nº37, Lisboa;
ORADOR: cardeal-patriarca Manuel Clemente

Revelada autobiografia de cardeal liberal, membro da Maçonaria e que combateu Napoleão

A obra “Esclarecimentos à vida pública do Cardeal Saraiva (1820-1823)”, que transcreve pela primeira vez, na íntegra, o manuscrito da “autobiografia justificativa” do prelado, é apresentada segunda-feira em Lisboa. 

O texto agora publicado reveste-se de importância pois é a justificação de muitos dos atos políticos e públicos da vida do então bispo-conde de Coimbra, que diz precisamente respeito a um dos períodos no qual exerceu funções políticas”, disse à agência Lusa o investigador Tiago Henriques, responsável pela transcrição e contextualização do documento, datado de 29 de agosto de 1823.

Francisco de São Luís Saraiva (1766-1845) foi um prelado que viveu "a extinção das ordens religiosas, entre muitas outras convulsões sociais do seu tempo”, disse o investigador que acrescentou: “Estou convencido que por esse motivo muitos dos próprios religiosos do seu tempo podem ter contribuído para a ideia desfasada que muita gente ainda hoje tem do cardeal Saraiva”.

O livro “Esclarecimentos à vida pública do Cardeal Saraiva (1820-1823)”, publicado pela Zéfiro Edições, é apresentado na segunda-feira às 19:00, no Grémio Literário, em Lisboa, pelo cardeal-patriarca Manuel Clemente.

O manuscrito transcrito, da coleção de Tiago Henriques, “é a cópia original que pertencia ao cardeal Saraiva, conforme as indicações que o mesmo deixou escritas nas costa do manuscrito, e que está anotado e rasurado pelo mesmo, permitindo compreender que apesar do texto ter sido cuidado, no final terá sido novamente revisto pelo autor”.

O documento coincide com um dos períodos no qual o prelado, nascido em Ponte de Lima, no Minho, exerceu funções políticas.

Tendo sido um dos membros da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, saída da revolução liberal do Porto de 1820 e, depois, do Conselho de Regência, nomeado pelas Cortes Constituintes em 1821, Francisco Saraiva foi nomeado 53.º Bispo de Coimbra, em 1822, e designado reitor da Universidade daquela cidade e deputado às Cortes, em 1823, tendo resignado ao episcopado em 1824.

Saraiva foi um adepto dos ideais liberais, tornou-se membro da Maçonaria e combateu as tropas invasoras napoleónicas, entre 1808 e 1810, e fez parte, anos mais tarde, da associação secreta portuense Sinédrio, que visava o regresso do Governo de D. João VI, então a residir no Rio de Janeiro, pondo fim à governação de Portugal pelos ingleses, e a instauração de um regime constitucional.

Luís Saraiva que foi cardeal-patriarca de Lisboa, deixou expressa a vontade de que este seu texto fosse conhecido, muito anos mais tarde, longe das “paixões” do seu tempo.

"As palavras, que o bispo agora escreve, não serão lidas ao presente, se não por poucas pessoas: mas pode ser que cheguem a um tempo mais isento de paixões, e que ao menos depois de sepultada a vítima, concorram para se lhe fazer alguma justiça, e para se lhe restituir o bom-nome, que lhe é devido. A este fim, se dirige a presente sedução”, escreveu o prelado.

A obra conta com um prefácio do cardeal-patriarca Manuel Clemente, no qual afirma: “O texto agora publicado na íntegra é muito revelador. Revela quem o escreve [o cardeal Saraiva], pela serenidade e distanciamento com que o faz, analisando factos e desfazendo alegações, contextualizando uns e outras, repondo a verdade como quem lhe basta a convicção”.

Tiago Henriques disse à Lusa que “os exemplares não vão entrar no mercado livreiro depois da sessão de apresentação” sendo apenas comercializados na ocasião, e “os que sobrarem serão para ofertas às bibliotecas portuguesas”.

Quanto aos lucros, vão “reverter a favor da intervenção de conservação e restauro que será feita na imagem de N.S. da Soledade (1775), da Basílica de Mafra, propriedade da Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra” (RVISSM), da qual o investigador faz parte [AQUI]

J.M.M.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

APESAR DE VOCÊ!



Apesar de você!” – por Marcelo Rubens Paiva, in jornal Estado de S. Paulo

Apesar de você, as cores do arco-íris continuarão as mesmas, ele sempre estará entre o céu e a terra, continuará lindo a nos emocionar. Mulheres continuarão a desejar mulheres, homens se beijarão e se amarão: o amor não tem limites, o desejo não tem barreiras. A composição familiar nunca mais será a mesma. Os jovens não deixarão de mudar padrões, quebrar regras. O amor vencerá a bala. A Inteligência sempre vencerá a burrice.
Drummond continuará arquiteto das palavras, Niemeyer, o poeta das formas. Ambos continuarão gauche na vida. Livros poderão ser proibidos, mas jamais serão esquecidos, poderão estar escondidos nos labirintos das estantes, no labirinto da nossa memória.

Apesar de você, a palavra será a melhor arma, o pensamento, livre, as ideias brotarão, os questionamentos serão infinitos, é da nossa essência, é nossa vocação.
Apesar de você, florescerá na primavera, a solidariedade existirá, o altruísmo continuará vital como o ar. Apesar de você, a bondade estará entre nós. Vamos esperar para tudo melhorar, vamos esperar para o dia amanhecer sem ódio, sem tiros, vamos esperar a tempestade passar.

Apesar de você, Dom Quixote lutará contra moinhos de vento, Riobaldo, contra o amor por outro jagunço, Canudos, contra as tropas da insensatez, Zumbi, contra a escravidão. A dívida social não será paga. A história dos negros não será reescrita nem recontada. Uma ditadura continuará a ser assassina, e a tortura, nunca mais! Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Hoje é dia 20 de outubro. Hoje é celebrado o dia do poeta. Hoje é dia de Manuel Bandeira. Apesar de você, podemos ir embora pra Pasárgada, onde somos amigos do rei, termos o amor que quisermos, na cama que escolhermos e, se aqui não somos felizes, lá a existência será uma aventura, lá faremos ginástica, andaremos de bicicleta, montaremos em burros brabos e, cansados, nos deitaremos na beira do rio, porque em Pasárgada tem tudo, é outra civilização, nos sentiremos seguros, e no dia mais triste, o mais triste de todos, amaremos quem quiser, porque lá somos amigos do rei.

Apesar de você, toda a cultura será acessível, Brecht proporá a revolução, a angústia estará na solidão, a dor da alma não terá cura, até o dia em que decidirmos não sofrer mais e agir. Sofreremos por causa de você, superaremos apesar de você. Nossos ancestrais não sairão do lugar, seus ensinamentos irão nos guiar, apesar de você. Os mortos continuarão vivos entre nós. Continuarão a nos inspirar. Luther King continuará mito. Jesus a nos defender. Simone de Beauvoir nos fez pensar. Gandhi é o mito da paz.
O índio guerreiro vai lutar, vai se esconder e sobreviver, vai defender a sua mata, unir-se aos animais, defender sua família, até o último guerreiro, e mais uma vez o mal não vencerá. Os rios terão o poder de se regenerar, os mares, de se recompor, a fumaça vai se dissipar, as bombas vão se calar. A floresta vai renascer das cinzas. A destruição não nos acometerá.

Cometas vão passar. O Universo continuará a se expandir e ser enigmático. As descobertas nos surpreenderão. O conhecimento será sempre o caminho, não o ponto final. O desconhecido será conhecido, para voltar a ser desconhecido, que será conhecido, e desconhecido. Teorias podem ser reescritas, nunca extintas ou ignoradas.
Michelangelo será eternamente belo. Leonardo, genial. Van Gogh pintará as cores do vento. Pollock, a representar nossa loucura. Picasso, a incongruência. Miró será eternamente arrebatador. Rimbaud será nosso poeta que faz da vida, versos, da sua andança, sentido: “Que venha a manhã, com brasas de satã, o dever é ardor. Ela foi encontrada. Quem? A eternidade é mar misturado ao sol”.

Shakespeare nunca deixará de mostrar o horror de reinos, a loucura de reis. Campos de Carvalho narrarei de cor. Continuará píncaro do espetacular. Lobos uivarão para a lua. Cachorros latirão uns para os outros. Gatos se esconderão na escuridão. Sabiás cantarão antes do amanhecer, nos despertando com a beleza da sua inconveniência. À noite, será sempre noite, por vezes desesperadora, por vezes longa demais, dolorida e saudosa. Enfim, o sol aparecerá. O ciclo das estações não se alternará. O minuto de daqui a pouco será depois o minuto que se foi. O amanhã será ontem.
A Justiça não será parcial, a defender os que mais têm. A verdade poderá nunca prevalecer. Mas nenhum doutor irá nos convencer do contrário. A polícia continuará a reprimir, a defender o bem de quem os têm. Mas nunca será eliminado o fato de sermos tão desiguais, de que quem não tem luta para dividir. Os grilhões se romperam. As amarras se romperão. Apesar de você.

Hoje é dia de poesia e samba. Todo dia é dia de samba. Apesar de você, o sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor será eterno novamente. Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer. Amanhã será um novo dia. Apesar de você."
Apesar de Você – por Marcelo Rubens Paiva, [Escritor, dramaturgo, cronista], jornal Estado de S. Paulo [Estadão], 20 de Outubro de 2018 – com imagem e sublinhados nossos

J.M.M.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O PERIODISMO POLÍTICO DA PÓS-VILAFRANCADA AO SETEMBRISMO (1826-1836)




AUTOR: José Augusto dos Santos Alves;
EDIÇÃO: Mediaxxi, Outubro 2018

LANÇAMENTO:

DIA: 23 de Outubro 2018 (18,30 horas);
LOCAL: El Corte Inglês [Sala de Âmbito Cultural – piso 6], Av. António Augusto de Aguiar, 31, Lisboa;
ORADORES: Inês Cordeiro [diretora da BNP] | João Pedro da Rosa Ferreira [FCSH UNL]

ORGANIZAÇÃO: Editora Mediaxxi | El Corte Inglês

“À luz da concepção, segundo a qual toda a época fala, antes de mais, dela própria, pode dizer-se que os historiadores escrevem um passado à luz do seu presente. Como diz W. Benjamin, nenhuma realidade é antecipadamente um facto histórico. Ela torna-se assim, a título póstumo, graças a acontecimentos separados dela por milénios, séculos, décadas.

Qualquer obra, antiga ou moderna, é matéria de reflexões, subentendidos múltiplos, reminiscências ressuscitadas, aproximações, genealogias, recorrências, reaparições, entrecruzamentos. As imagens só possuem um sentido se o historiador as considerar como espaços de energia e de cruzamento de experiências decisivas. Uma obra só adquire o seu verdadeiro sentido graças à força insurreccional que encerra; só assim é possível fugir ao laxismo ecléctico generalizado. Assim sendo, tendo presente esta concepção operatória, também posso acrescentar que cruzar periódicos é cruzar saberes, certamente um dos actos mais ricos deste tipo de investigação.

Para teorizar o cruzamento de saberes labirínticos, liberais, conservadores, ultramontanos e republicanos dos periódicos desta época, é necessário estar atento ao descriptar do texto, noticioso ou editorializado, ao discurso opaco ou transparente, embalsamado de verdades, infiltradas pela mentira ou mentiras embalsamadas como verdades, à escrituralidade substantivada da imaginação criadora dos fomentadores da grande política e à prédica plena de aproximações, fanfarronadas e banalidades, em que, sob a miséria da incompetência e da intolerância, se veiculam formulários, desígnios e considerandos sem substância. As transformações acontecidas no modo de produção do periodismo, ainda que longe de superar todos os obstáculos e inércias, não impedem o periodista e o periodismo portugueses de atingir os padrões da Europa, o que desde logo tem repercussão nas questões do desenvolvimento na criação de periódicos e de interiorização das liberdades, sobretudo depois da deriva despótica miguelista.

Apesar das diferenças ideológicas entre periódicos, são, contudo, partilháveis, e da mesma natureza, os modos de escriturar encontrados a esse nível na imprensa da formação social portuguesa, nesta primeira metade do século XIX. Desde logo, o cruzamento de saberes periodísticos é um facto ocorrente sempre que “submergimos” na sua investigação, interpretação ou análise dos periódicos de referência, liberais ou conservadores.

Existe uma evidência na progressão da produção espiritual, intelectual e tecnológica dos periódicos, em clara aceleração na terceira e quarta décadas do século XIX, que vai produzindo crescente influência na própria configuração dos periódicos e da formação social portuguesa em todos os níveis – sociopolítico, económico e cultural –, como resultado da dialógica e da intercompreensão resultantes do cruzamento de saberes periodísticos. São distinções tão fortes que tendem a deixar na sombra a poderosa dinâmica de que estão imbricados e que só é inteligível a prazo e na articulação panorâmica dos periódicos envolvidos neste processo de encruzilhada de saberes, em muitos casos sem a consciência do que está a acontecer.

Tirar do esquecimento esta excelente fonte de informação, comunicação e memória, que explica a dramática das sociedades humanas e o seu futuro – a que se chama actualmente história –, a par desse efeito de criação e de atravessamento e destruição de saberes, leva a pensar que a formação social portuguesa se começa a pensar mais a si própria e aos seus problemas, ao mesmo tempo que alarga o círculo de leitura, estimulando-o a fazer uso da capacidade de utilizar a razão e a dinamizar a opinião pública, numa época em que o homem ou a mulher modernos tinham necessidade de aprender a argumentar para convencer o seu interlocutor ou o seu público.

O acto de convencer, distinto do de explicar ou do de informar, tem o poder de fazer evoluir a opinião e poder mudar as coisas, tendo sempre presente a retórica imbricada com duas preocupações indissociáveis, a da eficácia e a da ética. A retórica, ainda se mantinha, em grande parte, à distância das técnicas de manipulação, apesar da vacuidade retórica manipuladora começar a estar presente na esfera comunicacional. A eficácia podia perfeitamente caminhar a par com o respeito pelo Outro e por si mesmo, eficácia, naturalmente, potenciada pelo cruzamento de saberes periodísticos” [AQUI]

J.M.M.

sábado, 20 de outubro de 2018

O CAVALEIRO DE OLIVEIRA, ALIÁS, FRANCISCO XAVIER DE OLIVEIRA – NOTA BREVE



A 18 de Outubro de 1783 morre, em Hackey (Inglaterra) o Cavaleiro de Oliveira, aliás, Francisco Xavier de Oliveira.
O mundo é a pátria natural, universal de todos os homens” [Cavaleiro de Oliveira, in Carta à Condessa de Roccaberti]
O Cavaleiro de Oliveira nasceu em Lisboa a 21 de Maio de 1702. Era filho do “Contador de Contos do Reino e Casa”, José de Oliveira e Sousa, e de Isabel da Silva Neves [cf. Dicionário de Inocêncio, tomo III; ver, ainda, Portugal, Diccionario  Histórico, …, de Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, 1911, vol. V; Álvaro Manuel Machado, “Dicionário de Literatura Portuguesa"; Aquilino Ribeiro, “O Cavaleiro de Oliveira”; Gonçalves Rodrigues, “O Protestante Lusitano”, 1950], tendo por isso tido educação esmerada [sob os auspícios do padre Lourenço Pinto]. Apenas com 14 anos foi nomeado oficial do Tribunal dos Contos do Reino, cargo que manteve durante longo tempo, o que curiosamente lhe permitiu uma vasta informação acerca dos “homens, das cousas e dos costumes”, servindo-lhe para publicar, mais tarde, as suas memórias, com curiosas observações, quase sempre satirizantes.

Francisco Xavier de Oliveira era visto como um sujeito “pouco ortodoxo”, “um maldito de Deus”, um “protestante” ou mesmo um “ateu”, assunto que evitava de todo debater, mas que o colocava debaixo do exame atento da Inquisição, tendo escapado às suas mãos graças aos (poderosos) amigos que tinha [principalmente o embaixador D. Luís da Cunha, Sebastião José de Carvalho e Melo, Diogo Barbosa Machado, algumas importantes personalidades francesas e inglesas, ou até mesmo o livreiro português Francisco da Silva Sul, fora as inúmeras mulheres com quem “inscreveu a arte de amar”, como, entre elas, a princesa de Valáquia, Maria Elizabeta]. Tal espírito “irreligioso” era o traço de um libérrimo pensador (por mais maquiavélico que tenha sido), um cosmopolita irrequieto, a que se associava um varonil espirito de bon-vivant, um dom juan de “vida solta” (e em constantes “rixas”), “aristocrata libertino” de fina inteligência, graça e humor. Em 1729 é feito Cavaleiro da Ordem de Cristo, tendo por isso assinado muita da sua obra francesa com o nome de “Chevalier d’Oliveira”.

Na morte de seu pai (1733), na altura secretário do Conde de Tarouca, e ministro em Viena, tomou o seu lugar, tendo saído, com esse fim a 19 de Abril de 1734, em direção à Alemanha, nunca mais tendo regressado a Portugal. Teve seis anos a [tentar] exercer a função de secretário da embaixada portuguesa [nunca foi empossado do cargo, por razões nunca expostas, tendo por isso reclamado energicamente, como consta num curioso processo e que aqui não cumpre desenvolver], mas, entre outras mais razões, as desavenças pessoais com o Conde de Tarouca fê-lo abandonar o lugar em 1740, refugiando-se na Holanda. Sem recursos monetários, ali passou duras “privações”, tendo recorrido à escrita para o necessário sustento [embora as despesas de impressão dos seus escritos o tenha arruinado], auxiliado por “patrícios” e “judeus portugueses”. Publica, então:
 
Memórias das viagens de Francisco Xavier de Oliveira” (1741 – apenas o tomo I, nunca tendo saído a prelo os restantes volumes, no total de VI); “Cartas familiares históricas, politicas e criticas, discursos sérios e jocosos” (1741-1742, III tomos – foram reimpressas em Lisboa, em 1855; foi obra importante e da maior referência, passe o seu rebuscado mundanismo – ver sobre o assunto Jacinto de Prado Coelho); “Carta ao sr. Isaac de Sousa Brito, …” (1741); “Mille et une observations (ou reflexions) sur divers sujets de morale, de politique, d´histoire et de critique" (1741, II tomos); “Mémoires de Portugal avec la Biblioteque Lusitane” (1741, II tomos – os III e IV ficaram manuscritos); “Reponse à la lettre de mr. C.D.M.M." (1741; folheto que não se conhece qualquer exemplar); “Memoires historiques, politiques, concernat le Portugal” (1743); “Viagem à ilha do amor, escripta a Philandro” (1744; reed. em 1790, Lisboa; é comum aceitar que esta obra é uma tradução livre de uma outra saída anónima, em 1664, mas atribuída ao abade Paul Tallemant, dito o Jovem).
Em 1744, fixa residência em Inglaterra. Data de 1746 (?) a sua “abjuração” ao catolicismo e ligação ao protestantismo luterano, com o casamento (o terceiro) com a inglesa, de ascendência inglesa e huguenote, Françoise Hamon. Porém a vida de exilado não lhe corria de feição, os protectores que tinha abandonam-no, e as inúmeras dividas contraídas levam-no à prisão (21 meses e dez dias), tendo sido amnistiado pelo Acto de Insolvência, em 1748, e libertado.

Publica (1751), em Londres, o muito curioso “Amusement Périodique” (Recreação Periódica, título em português, publicado por Aquilino Ribeiro, em 1922, II vols), saído em fascículos mensais nas Oeuvres Mêlées, “publicação de circunstância" [Aquilino Ribeiro] um conjunto de traços anedóticos sobre a corte portuguesa de D. João V, “armazém de curiosidades e uma obra memorialista importante sobre a sociedade portuguesa e europeia do século XVIII. Não deixa de ser curioso que Francisco Xavier de Oliveira nos diga que tinha em Portugal quatro assinantes, sendo um deles o não menos célebre Jacome Ratton, sendo os outros o dr. Castro Sarmento, o sr. Rabelo de Mendonça e o sr. Abraham Vianna.
 
Esta invulgar e raríssima obra memorialista do Cavaleiro de Oliveira teve a atenção dos bibliófilos, com trabalhos avulsos de Cunha Rivaro [bibliotecário eborense], do dr. Joaquim de Carvalho, de António Francisco Barata (ver Arquivo Histórico Português, vol. I, nº11, Novembro de 1903 e vol. II, 1904], exerceu muito interesse em Camilo Castelo Branco [ver, p. expl. “O Judeu”, “Noites de Insónia”; “A Caveira da Mártir” ou “O perfil do Marquês de Pombal”; o próprio Camilo pretendia biografar o Cavaleiro de Oliveira, mas jamais veio a lume tal pretensão; sobre do que Camilo se “serviu” de Oliveira, consultar a Carta de Camilo a Joaquim de Araújo, 17 de Junho de 1884, in "Cartas de Camilo", por Cardoso Marta, 1918], como anos depois em Joaquim de Araújo [possuidor da raríssima Oeuvres Mêlées, adquirida no leilão da livraria que foi do bibliófilo figueirense Aníbal Fernandes Tomás; Araújo imprimiu numa raríssima edição de apenas 36 exemplares, o “Discours Pathétique do Cavaleiro de Oliveira”, em 1893: do mesmo modo publicou um opúsculo do pai do Cavaleiro de Oliveira, José de Oliveira e Sousa, “No casamento de D. João V”, 1902], Aquilino Ribeiro [veja-se “O Galante Século XVIII”, “Abóboras no Telhado”], observando-se mesmo uma curiosa polémica entre Aquilino Ribeiro e Gonçalves Rodrigues (autor de “O Protestante Lusitano", estudo biográfico e critico sobre o Cavaleiro de Oliveira”, 1950; à polémica suscitada por Aquilino Ribeiro, publicou Rodrigues, “O Cavaleiro de Oliveira, o senhor Aquilino Ribeiro e eu”, 1956).

Depois publica o famoso opúsculo “Discours pathétique au sujet des calamités présentes, arrivés en Portugal. Adressé a mes compatriotes et en particulier a Sa Magesté Três-Fidéle Joseph I. Roi de Portugal”, Londres, 1756 [saíram, posteriormente várias edições: uma em 1757, a que junta um "Extrait d'une lettre de Lisbonne", edição raríssima; a edição de Londres de 1762, também raríssima; outra, muito limitada (36 expls) e muito rara, saída em 1893, sob edição do bibliófilo Joaquim de Araújo, na tipografia Ocidental do Porto; e a rara reimpressão preparada por Joaquim de Carvalho, em 1922, pela Imprensa da Universidade]. Na mesma altura, o Cavaleiro de Oliveira faz sair uma edição em inglês (“A Pathetic Discourse on the present calamities of Portugal, …”) e uma impressão em português, com o título “Discursos patheticos a respeito das calamidades presentes sucedidas em Portugal, dirigidos aos seus compatriotas, e em particular a S.M.F.” (foi reeditado, em 2004, uma nova edição pela Frenesi, de Paulo da Costa Domingos, com 284 pags). A obra inicial teve imediata proibição de leitura e circulação pelo Santo Ofício [por denúncia do dr. Joaquim Pereira da Silva Leal, membro da Academia Real da História], abriu corpo de delito e o seu autor, dito herege, revel e relaxado, foi “condenado a ser queimado em estátua [queima da sua efígie], visto que a sua estada em Londres impedia os inquisidores de terem o gosto de o queimar em carne, como fizeram ao padre Gabriel Malagrida, que padeceu a horrível morte pela fogueira, no mesmo auto da fé de 20 de Setembro de 1761, em que saiu a publico a imagem do cavalheiro de Oliveira para ser devorado também pelas chamas” [ver Esteves Pereira, ibidem]. De imediato (1762), Francisco Xavier de Oliveira, além de reimprimir a obra na sua versão francesa, responde [em francês e português] com o opúsculo “O Cavalheiro de Oliveira, queimado em estatua por herege. Como e porque? Anedotas e reflexões sobre este assumpto, dadas ao publico por elle próprio”.
 
Refira-se que, mesmo considerado herege, relaxado e “ter sido queimado em estatua”, tal não impediu de ter sido encarregado (possivelmente !?) pelo Marquês de Pombal [diga-se que Pombal não o tinha em boa simpatia; porém veja-se o “Elogio historico do Marquês de Pombal”, sob a pena de Cavaleiro de Oliveira, na Revista Litterraia do Porto, nº 67] de escrever uma obra contra “os abusos da curia romana”, pelo que o Cavaleiro de Oliveira deu á estampa (1767) a luminosa [tomada aqui não no sentido iluminista, que, de facto, Cavaleiro de Oliveira  nunca foi, mas sim como cuidada reflexão e livre-exame em matéria de religião]  Reflexões de Felix Vieyra Corvina dos Arcos, …” (que é o anagrama dele próprio), obra publicada em Londres, na Oficina de Jacob Lister, em 1762. Nesta obra está presente uma forte critica à Inquisição e a práticas da Igreja [de notar que só em 1942 é publicado os “Opúsculos Contra o Santo Ofício”] e em defesa da liberdade de consciência. Como curiosidade, é registado (via Barbosa Machado, in Biblioteca Lusitana) ter existido um conjunto de obras manuscritas do Cavaleiro de Oliveira, sendo que algumas delas (bem como parte da sua livraria) ficaram na posse do liberal Duarte Lessa, exilado em Inglaterra nos tempos do infausto governo miguelista, e que pela sua morte se lhes perdeu o rasto. Dessa colecção manuscrita, é refrido o “Tratado do Princípio, Progresso, Duraçam, e Ruína do Reinado do Anti-Christo” e é aceite a obra com o título “Oliveyriana”, não citada por Barbosa Machado, mas que Inocêncio Francisco da Silva (ver Dicionário) diz possuir e dele dando breve anotação.    

Morre Francisco Xavier de Oliveira, o Cavaleiro de Oliveira, a 18 de Outubro de 1783, em Hackey (Inglaterra).

J.M.M.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A GRANDE GUERRA NO PARLAMENTO



LIVRO: A Grande Guerra no Parlamento;
AUTORAS
: Maria Fernanda Rollo e Ana Paula Pires;
EDIÇÃO: Coleção Parlamento, 2018.

“A República Portuguesa ainda não tinha completado quatro anos, quando o herdeiro do trono austro-húngaro, Francisco Fernando, e a sua mulher, a duquesa de Hohenberg, foram assassinados por Gravrilo Princip, em Sarajevo, a 28 Junho de 1914. A notícia da eclosão da guerra na Europa chegou ao Parlamento português, pela voz do Presidente do Ministério Bernardino Machado, a 7 de Agosto.

No verão de 1914, quando a guerra na Europa teve início, o exército português tinha apenas três períodos de treino, encontrando-se em plena reorganização e, como tal, mais orientado para a defesa interna do que para qualquer tipo de intervenção na Europa ou em África.  

O volume que agora se edita, analisa e interpreta os debates que ocorreram no Parlamento português, entre agosto de 1914, data da eclosão da Grande Guerra na Europa, e 1921, ano em que se realizou a cerimónia de transladação para o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, dos corpos de dois soldados desconhecidos portugueses, mortos em África e na Flandres. Ficam de fora desta análise dezenas de debates relativos à temática das reparações de guerra e à participação de Portugal na Conferência da Paz, discussões que pela sua importância, especificidade e recorte cronológico, necessitariam, por si só, de um único volume.

O livro mostra-nos um país dividido relativamente à sua posição na intervenção na guerra na Europa e descreve-nos, de forma detalhada, as dificuldades económicas e financeiras sentidas pela República, tanto a nível interno corno externo, durante os anos da conflagração. Analisa em detalhe o papel dos políticos e dos diplomatas, homens de cuja decisão dependeu a intervenção de Portugal na Guerra, criticando a respetiva capacidade de gerir, tanto os impactos da Guerra no país, como as tensões que caracterizaram, ao longo de toda a conjuntura bélica, as relações entre os diferentes agrupamentos políticos e o Estado republicano.

Foram cerca de 62 os parlamentares que, entre 1914 e 1918, combateram na Grande Guerra, na Europa, em África e no Atlântico. Entre estes deputados, alguns sofreram ferimentos graves, como Velhinho Correia ou José Afonso Pala, gravemente ferido em África e que viria a morrer, em 1915, na sequência desses ferimentos, e o primeiro-tenente José Botelho de Carvalho Araújo, eleito deputado em 1911 e grande defensor da intervenção de Portugal na Grande Guerra, morto em combate, no Atlântico, a 14 de outubro de 1918”
 
[in contracapa da obra - sublinhados nossos]
 
 

J.M.M.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

ALMADA NEGREIROS, IDENTIFICAÇÃO COM LISBOA


“Almada Negreiros, Identificação com Lisboa” – por António Valdemar, in Tempo Livre, Setembro-Outubro 2018

A relação com a cidade que lhe abriu o caminho para a arte, a literatura e outras formas de intervenção que que também lhe consagrou a memória.   
A diversidade de percursos de Almada Negreiros, o artista plástico, o poeta, o romancista, o novelista, o dramaturgo e o panfletário tem uma relação de diálogo com Lisboa. Foi tão íntima essa relação física e cultural que se poderia dizer que Lisboa era a sua casa. O tempo de Almada Negreiros em Paris foi rápido e disperso. Já o tempo de Madrid foi mais demorado e teve consequências decisivas na sua obra. Uma das mais relevantes terá sido o contato direto e profissional com a arquitetura permitindo–lhe, no regresso a Portugal, integrar–se nas equipas que realizaram grandes edifícios e incluíram trabalhos de Almada com dimensões assinaláveis.

O Chiado, com a sua vida cultural e social, ficou associado aos primeiros e mais incendiários anos da afirmação de Almada Negreiros. Apresentou–se, em 1912, no Iº Salão dos Humoristas, que decorreu no Grémio Literário. E quando não é no Chiado é nas suas fronteiras que o deparamos nos momentos mais exuberantes e mais provocatórios. Realizou, a primeira exposição individual, em 1913, na Escola Internacional, na rua da Emenda. A Ilustração Portuguesa referiu a exposição, reproduziu alguns desenhos, publicou a fotografia de Almada.
Entretanto, Fernando Pessoa escreveu sobre Almada: «Eu creio que ele tem talento. Basta reparar que ao sorriso do seu lápis, se liga o polimorfismo da sua arte para voltarmos as costas a conceder – lhe inteligência absoluta.» Começou a visibilidade pública de Almada. Mas começou, sobretudo, o convívio e cumplicidade com Pessoa. Abria – se o caminho para o Orpheu.


Almada viveu, escreveu, desenhou, pintou, na rua do Alecrim, uma das fronteiras do Chiado. Em 1915, o ano do Orpheu, tinha 22 anos. A colaboração no Orpheu, limitou-se a pequenos textos com o título genérico Frisos e que se podem inserir na área moderada do primeiro número daquela revista. As garras e as asas de Almada vão evidenciar-se no Manifesto Anti Dantas, na Cena do Ódio e na Engomadeira. O Manifesto Anti Dantas  tornou-se a ofensiva mais feroz contra Júlio Dantas figura do maior destaque na literatura, no teatro e na política, ao mesmo tempo que arrasou outras personalidades e atingiu as instituições mais conceituadas.

A renovação da língua portuguesa ocorreu com a Ode Triunfal e a Ode Marítima de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos e com a Cena do Ódio de Almada Negreiros que  está em paralelo com a desconstrução criativa e o furor épico de Álvaro de Campos e a Engomadeira, também  de Almada Negreiros.
Modelo da escrita e da inovação narrativa a Engomadeira assinala um outro ciclo perante a língua e o imaginário de Eça de Queiroz, que já se demarcara de Camilo e de Herculano. E o episódio da chave antecipou o surrealismo. Em França e em Portugal. A rutura com a escrita tradicional vai prosseguir no romance Nome de Guerra, a principal obra de ficção de Almada que também denuncia os comportamentos institucionalizados. «Temos sempre – adverte – de perder o nosso tempo em desfazer o bem que os outros fizeram por nós»


Em 14 de Abril de 1917, Almada apresentou no São Luís (antigo Teatro República) O Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, uma explosão de energia para romper a indiferença e sacudir a rotina. Também, em 1917, em Novembro participou na revista Portugal Futurista, outro marco fundamental que reúne a colaboração de Robert e Sónia Delaunay, de Marinetti, de Apollinaire, de Blaise Cendras e de outras personalidades do futurismo internacional. Publica os manifestos futuristas de Almada e Álvaro de Campos.

Um dos focos da polémica introduzida pelo Portugal Futurista é o texto de Almada Negreiros Saltimbancos - «contrastes simultâneos”, de cunho intersecionista, e que desencadeou escândalo ao pormenorizar: «soldados em exercício na parada do quartel, garanhões militares em ato de cobrição de éguas, paisagem rural e paisagem de circo». Portugal participava na guerra e esta alusão direta ao que se verificava com as atividades do Corpo Expedicionário português levou a polícia a apreender o primeiro e único número do Portugal Futurista.
Um mês depois, Diaguilev e companhia dos Bailados Russos ao chegarem a Lisboa são apanhados de surpresa com a revolução de Sidónio Pais. Apesar disso realizam dois memoráveis espetáculos, no Teatro de São Carlos e no Coliseu de Lisboa. Em Abril de 1918, Almada Negreiros fez a coreografia e desenhou os figurinos do bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro. Pisou o palco e dançou os papéis da Bruxa e do Diabo.

Vai ser ainda no Largo do Calhariz, outra fronteira do Chiado, que Almada proferiu na Liga Naval, em Maio de 1921, a conferência A Invenção do Dia Claro, um ano depois publicada em livro com a chancela da Olisipo, uma das aventuras editoriais de Fernando Pessoa. Estabeleceu o reencontro da poesia com o desenho e a pintura; aprofundou a reflexão sobre a linguagem e através dela sobre a condição humana.
Outra proclamação futurista de Almada Negreiros verificou – se no Chiado Terrasse, a 18 de Dezembro de 1921, no Comício dos Novos. Presidiu Gualdino Gomes e, entre a assistência perplexa, via–se a Preta Fernanda, dona da mais famosa casa de prostituição. Foi um dos escolhidos para decorar a Brasileira do Chiado que, juntamente com o Bristol Club, promoveu em espaços públicos a consagração da arte moderna.

Expôs, ao regressar de Espanha, nos anos 30, na UP, uma galeria na rua Serpa Pinto, dirigida por António Pedro, onde Vieira da Silva apresentou os primeiros trabalhos. A editorial Ática, fundada por Luís de Montalvor, um dos participantes do Orpheu – e autor do título da revista – teve a primeira sede na esquina da rua do Carmo, com a rua Garrett. Ao lançar, a partir de 1942, a obra ortónima e heterónima de Fernando Pessoa, Montalvor colocou na capa de cada volume um desenho de Almada, um Pégaso, símbolo mitológico e vivo da poesia em movimento. A amizade com Fernando Amado incorporou-o na história do Centro Nacional de Cultura ao debater, em 1946, a «posição do artista na sociedade».

O vínculo de Almada a Lisboa decorreu nos seus cafés, nos seus teatros, nos seus clubes, nas suas livrarias, nos seus museus, nas suas galerias e nas suas próprias esquinas. Sem procurar fazer um levantamento exaustivo acrescento que residiu mais de 30 anos no Rato. Morava na rua S. Filipe Nery e tinha atelier na rua Rodrigo da Fonseca.
Está representado nos mais diversos bairros e, em muitos deles, em contacto diário com a população e com todos os que chegam a Lisboa. Retratado por Júlio Pomar e por António, em duas estações do Metro. Pinturas e desenhos de Almada, transpostas para azulejo, revestem outra estação do Metro.

No Porto de Lisboa, as duas gares marítimas, a de Alcântara e a da Rocha de Conde de Óbitos, têm frescos de Almada, com alusões ao Tejo, á expansão marítima, á história de Lisboa, a motivos e figuras celebrados por Cesário Verde, o poeta da cidade e um dos mestres da geração de Orpheu, em especial Fernando Pessoa e Almada Negreiros
 
Na Avenida da Liberdade, na antiga sede do Diário de Notícias, o primeiro edifício construído de raiz, em Portugal, para a instalar um jornal e todos os seus departamentos ficou com a marca de Almada: na fachada e nos frescos do grande átrio e, ainda no rés-do-chão, no espaço de acesso á redação e administração. Próximo no Hotel Ritz, três grandes tapeçarias, com recriações co Centauro, ocupam parte do salão principal.
Nas Avenidas Novas, a igreja de Fátima, o primeiro edifício de arquitetura moderna na arte religiosa, ficou com vitrais de Almada Negreiros. Perto, a Fundação Gulbenkian tem logo no átrio o painel Começar, a síntese do encontro de Almada com a geometria. No Campo Grande, na cidade universitária preencheu, com a representação de figuras tutelares as fachadas da Reitoria, da Faculdade de Direito e da Faculdade de Letras. Nesta última destacam - se Fernando Pessoa e os heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Ainda não ganhara dimensão nacional e internacional Bernardo Soares. Apenas se conheciam fragmentos do Livro do Desassossego.


A memória de Almada Negreiros perdura nos Museus e em grandes edifícios públicos que marcaram a transformação e expansão da cidade, num diálogo com as vanguardas europeias. Deu o nome a uma rua, em Olivais Sul; e a uma escola, na Charneca do Lumiar, na Urbanização Alta de Lisboa. Está consagrado num monumento (na entrada ou saída do viaduto Duarte Pacheco) e noutro monumento, na avenida Ribeira das Naus, junto ao Tejo, uma estrutura de ferro que incorpora o autorretrato de 1949.

Para Almada, Lisboa constituiu a arena dos grandes combates, uma das linhas de intervenção do grupo e da geração de Orpheu, num momento histórico da cultura portuguesa. Lisboa foi a casa de Almada, onde cabia a ambição de atingir o mundo.
Almada Negreiros, Identificação com Lisboa – por António Valdemar, [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências], Tempo Livre, Setembro-Outubro 2018, p. 8 – com sublinhados nossos.
 
António Valdemar
J.M.M.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

JOÃO LÚCIO - CENTENÁRIO DO FALECIMENTO


Assinala-se, a partir de sexta-feira, 12 de Outubro, em Olhão, um conjunto de iniciativas promovidas até final deste mês, com destaque para uma exposição no Arquivo Municipal António Rosa Mendes que recorda os laços familiares do poeta pelo Alentejo e ao Algarve.

No dia seguinte, dia 13 de Outubro, realiza-se um recital no Chalé João Lúcio, onde se recordará a obra poética deste poeta olhanense, contando para o efeito com a presença dos músicos Eduardo Ramos e Jorge Soares.

A 15 de Outubro inaugura-se na Biblioteca Municipal José Mariano Gago a exposição bibliográfica "A Obra de João Lúcio" onde se apresentam algumas das suas obras poéticas, bem como publicações e estudos sobre a obra deste ilustre poeta algarvio. Neste evento, a ter início às 18 horas, conta-se com a presença dos escritores Paulo Moreira e Fernando Cabrita.

No dia 18 de Outubro, no Museu Municipal - Edifício do Compromisso Marítimo de Olhão, inaugura-se uma mostra que estará patente até Setembro de 2019, subordinada ao título "Ele, João Lúcio".

No âmbito do IV Encontro Internacional de Poesia a Sul, a realizar nas instalações da Associação Cultural Re-Creativa República 14, haverá, no próximo dia 21 de Outubro, uma sessão de leitura de poemas de João Lúcio Pousão Pereira, a partir das 15h 45min.

A Galeria Sul, Sol e Sal, no dia 27 de Outubro, acolhe a apresentação da obra de Vasco Prudêncio intitulada O Criador de Fantasmas, onde será publicado um estudo inédito sobre o poeta, advogado e político de Olhão.

Ainda neste dia 27 de Outubro, na Associação Cultural Re-Criativa República 14 haverá um colóquio de homenagem a João Lúcio Pousão Pereira.


Breve nota biográfica sobre João Lúcio:

João Lúcio Pousão Pereira (Olhão, 4 de Julho de 1880 - 26 de Outubro de 1918) é considerado o expoente maior da poesia olhanense.
Era filho de João Lúcio Pereira, dono da quinta de Marim e o mais abastado proprietário da época na então vila de Olhão e de Maria Helena de Araújo Pousão.

Começou com apenas 12 anos a publicar os seus primeiros versos. Acabados os estudos em Faro, foi para Coimbra estudar Direito [1897-1902], onde conheceu figuras como Teixeira de Pascoaes, Augusto de Castro, Alfredo Pimenta, Afonso Lopes Vieira, Fausto Guedes Teixeira e Augusto Gil.
Em 1901, publicou o seu primeiro livro, Descendo, aclamado com louvor pela crítica da época.
Regressado a Olhão em 1902, João Lúcio tornou-se um advogado famoso e é, ainda hoje, considerado um dos mais distinguidos advogados algarvios de sempre.
Em 1905, publicou O meu Algarve, obra que acabou por imortalizá-lo como um dos maiores vultos da poesia algarvia.

Dirigiu também entre 1903 e 1905 o semanário O Sul, juntamente com o também advogado e político olhanense Carlos Fuzeta. Tendo sido precisamente neste período que ambos aderiram ao Partido Regenerador Liberal, por influência do médico Virgílio Inglês, que chegou a ser deputado e governador civil do Algarve.

O seu prestígio como advogado e como poeta fizeram dele um influente político em Olhão, foi eleito deputado pelo Partido Regenerador Liberal, liderado por João Franco, nas eleições de 19 de Agosto de 1906 e, depois em 28 de Agosto de 1910, mas acabou por não prestar juramento porque entretanto eclodiu a revolução republicana em 5 de Outubro de 1910.

No Parlamento, aquando da sua eleição em 1906, foi integrar as comissões de agricultura, instrução pública superior e pescarias.
Inspirado pelas suas viagens, João Lúcio projetou um chalé, um dos raríssimos exemplos de arquitetura simbolista em Portugal, nos Pinheiros de Marim.

Durante o sidonismo, em plena I República, foi eleito deputado pelo círculo de Faro nas eleições de 1918, integrando então a minoria monárquica na Câmara dos Deputados.
Faleceu a 26 de outubro de 1918, aos 38 anos, vítima de gripe pneumónica.

A 5 de Junho de 1925 foi inaugurado um monumento em Olhão com o busto do ilustre advogado, da autoria de Francisco dos Santos, além disso o seu nome entrou na toponímia local constando numa das ruas.
Postumamente, em 1921, foi publicado o livro de poemas Espalhando phantasmas.

Um conjunto de iniciativas que se saúda e que divulgamos junto de todos os interessados tanto na personalidade como na obra poética que publicou.

[Os apontamentos a azul constam na nota de divulgação do evento, acrescentou-se alguns apontamentos biográficos a preto. Conforme se pode consultar AQUI.].

A.A.B.M.