segunda-feira, 28 de maio de 2007

AS AMEAÇAS DO FASCISMO EM PORTUGAL


Pouco tempo antes da eclosão do 28 de Maio de 1926, a revolução era anunciada e antecipada em alguns órgãos de comunicação escrita do País.

Pelo conteúdo do texto que se segue, os boatos que circulavam em Portugal, nas vésperas da denominada "Revolução Nacional", faziam adivinhar uma revolta onde até já se sabia quem seriam os líderes, que modelo político iriam seguir e que exemplos procurariam para o nosso País. Muitos não quiseram acreditar, outros preferiram esperar e muitos ainda optaram por calar e, por isso, assim permanecemos durante meio século.

Estas convulsões do passado, estes sinais que iam passando para a opinião pública não foram suficientes para evitar a revolta que assinalamos nesta data, como se a memória do nosso passado não tivesse qualquer tipo de influência no futuro que vamos vivendo de forma desanimada e descrente.

Vejamos o que se dizia num jornal local em Março de 1926:

O Jornal de Portimão, Portimão, 28-03-1926, Ano I, Nº 34, p. 1, col. 2 a 4.

Fascismo?!

Como asa negra fatídica, paira sobre a terra portuguesa a ameaça de uma ditadura de carácter fascista.
Quem a prepara? A Cruzada Nun`Alvares, sob a chefia do Comandante Filomeno da Câmara e do Dr. Martinho Nobre de Melo.
Não sabemos com quem contam os apóstolos da “ideia nova”, mas cremos que o povo português, que sempre tem sabido mostrar a sua ânsia de liberdade, saberá conjurar o perigo que o ameaça naquilo que mais se deve prezar na vida - a liberdade de pensamento!
Inspirados no exemplo sublime de Mussolini e de Primo de Rivera, na sua obra sinistra de coacção e tirania, querem atirar para o país um movimento odioso de opressão, como se a ideia de liberdade dum povo retintamente democrata, pudesse assim algemar-se com irritantismos pedantes e desgraciosos!
Essa massa de povo conservador, que vai ser iludida na sua boa-fé, apoiando talvez esse movimento, supõe, porventura, que o fascismo é a maneira prática de cortar o avanço das ideias de democracia, quando é certo que o fascismo italiano não tem sido mais do que uma imitação, quiçá menos perfeita, do Bolchevismo russo, seu mestre e seu inspirador.
Isto mesmo o afirma Mussolini com as palavras pronunciadas na Câmara italiana:
-“Nós temos na Rússia excelentes professores. Não temos senão que imitar o que está sendo feito na Rússia. Eles - os homens dos soviets - são mestres excelentes; sigamos os seus exemplos.”
(...) A odiosa perseguição na Itália, com espancamentos, reptos, cacetadas, assassinatos, ordenados pelo fascismo, constitui a página mais vergonhosa e revoltante da história dos tempos modernos, a mais odiosa afronta feita aos princípios sagrados da Democracia e da Liberdade de pensamento!
Na Itália tudo tem de ser fascista! Quem o não for, quem não pactuar com a obra de opressão levada a cabo por um homem inteligente que a História registará como um dos maiores inimigos da Humanidade e da Ideia, não pode adormecer com a certeza de que no dia seguinte não terá o prédio destruído ou incendiado!
É esta obra deliciosa, de inefável doçura, que os dirigentes propagandistas da ideia nova nos querem oferecer! É esta infâmia que se quer levar a cabo na terra portuguesa de gente brava e indómita que não se curva a tiranias nem aceita escravidões!
Na Itália, confessemos, há um homem inteligente e forte que muito poderia ter feito de bom; porém, o pouco de bem que porventura tinha feito para o seu país, não pode ser considerado se o compararmos com o grande mal que tem feito à própria Itália e à Humanidade!
Mas em Portugal ainda há-de nascer o discípulo de Mussolini ... O movimento fascista em Portugal guiado por cérebros ocos e pulsos anémicos, será inevitavelmente a eclosão duma era anárquica, em que fascistas e não fascistas, irmanados na mesma febre de banditismo e torpeza, hão-de aniquilar totalmente tudo o que de democracia a política de gamela e compadrio tem deixado realizar!
Isto vai mau, vai péssimo! Mas não confiemos no messianismo fascista.
Dentro das bases da democracia procure-se a regeneração nacional! Prendam-se os criminosos, castiguem-se todas as infâmias e traição à República, à nação e à liberdade individual!
Avancemos! Para traz nem um passo!
“O fascismo é apenas um retorno ofensivo do passado”, escreveu há pouco Raul Proença, o maior e mais sincero jornalista republicano do presente!
Não pode ser perdido todo o esforço feito, todo o sangue derramado em prol da ideia sublime da Liberdade, o grande sol dos espíritos e grande triunfo da inteligência!
O povo português, conservador e não conservador, há-de saber erguer-se no momento do perigo e fazer a sua afirmação de fé inquebrantável nos destinos da Pátria pela acção da Democracia, sacudindo com bravura indómita toda e qualquer espécie de ditadura, quaisquer que sejam os ditadores! (...)


Passos Ponte"

[Para memória futura, como se diz actualmente]

A.A.B.M.

2 comentários:

Anónimo disse...

A meu ver, em rigor, do ponto de vista histórico, não devemos classificar o movimento do 28 de Maio que deu origem à ditadura militar como "fascismo" porquanto nem sequer um programa ideológico definido possuía. Aliás, devemos reconhecê-lo, teve a apoiá-lo amplos sectores políticos que estavam desencatados sobretudo com o estado a que as coisas chegaram e o domínio do partido democrático de Afonso Costa. E entre os que o apoiaram, temos desde anarquistas a republicanos como Cunha Leal. Humberto Delgado também participou e veio mais tarde a assumir a candidatura presidencial da oposição, com o apoio simultâneo de comunistas e nacional-sindicalistas de Rolão Preto, este sim, o movimento que poderemos classificar de fascista e em relação ao qual o próprio Salazar se opôs.
A Ditadura Militar cede gradualmente lugar ao novo regime que se constrói por obra de Salazar e surge completamente definido em 1933, denominado Estado Novo, despoletando de imediato a insurreição operária no ano seguinte, na Marinha Grande, a qual constituiu a sentença de morte do anarco-sindicalismo em Portugal. Isto porque esta revolta foi sobretudo influênciada pelo Anarco-Sindicalismo e não tanto, como por vezes se afirma, pelo Partido Comunista, ao tempo ainda um pequeno grupelho.
O próprio Estado Novo, embora inspirado nas ideias corporativistas italianas e das corporações medievais portuguesas, não se pode dizer que era ideologica ou esteticamente fascista.
O Nacional-Sindicalismo de Rolão Preto, ao que tudo indica parente afastado do Engº António Guterres, esse sim, à boa maneira da Falange espanhola.
Parece, sobretudo, uma questão de rigor histórico que em nada afecta as convicções.

José Gonçalves Cravinho disse...

Eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velhote (88anos),direi simplesmente que acho estranho que se compare o Bolchevismo com o Fascismo de Mussolini,pois o Fascismo teve o apoio do Capitalismo enquanto que o Bolchevismo era e foi sempre combatido pela Burguesia Capitalista e pela Religião biblico-judaico-cristã.