terça-feira, 7 de abril de 2009


JOÃO PAIS PINTO
(conhecido Abade de S. Nicolau – Porto) - PARTE III

No mês de Setembro, após a saída do jornal A República Portuguesa, que provocou grande tumulto e ainda como reacção à assinatura do referido tratado voltamos a encontrar o abade de S. Nicolau envolvido num comício realizado no teatro do Príncipe Real que se realizou no dia 7. Nele discursaram para além de Pais Pinto, José Ventura dos Santos Reis que também se tinha filiado no Partido Republicano após o Ultimato e Ernesto de Vasconcelos que foi impedido de falar pelo Comissário de Polícia presente no teatro. Por essa altura, reconhece Basílio Teles, “tinha-se já por facto averiguado as disposições revolucionárias dos regimentos” tendo a revolta estado quase eminente [Basílio Telles, Do Ultimatum ao 31 de Janeiro (Esboço de História Política), Porto, Basílio Telles Editor, 1905, 333]. Só não terá eclodido nessa altura porque o novo Directório do Partido Republicano enviou uma circular recomendando aos republicanos que se abstivessem de obedecer a homens que eram conhecidos como conspiradores, o que certamente dividiu os ânimos da população. Somente ao chegar a Janeiro de 1891 é que voltam a reunir-se as condições propícias para essa tentativa revolucionária.

Não nos demoraremos na análise dos acontecimentos que são por demais conhecidos, procuraremos sim acompanhar alguns dos passos do padre republicano durante os acontecimentos. Assim, nessa manhã de 31 de Janeiro, segundo uma testemunha dos acontecimentos que os relatava durante o julgamento dos envolvidos na tentativa revolucionária afirmava ter visto entre outras pessoas “Felizardo de Lima, o reverendo abade de S. Nicolau” junto à Câmara Municipal do Porto [João Chagas e ex-Tenente Coelho, História da Revolta do Porto de 31 de Janeiro de 1891 (Depoimentos de Dois Cúmplices), Lisboa, Empreza Democrática de Portugal, 1901, p. 334 quando fazia o seu depoimento o bombeiro municipal, Joaquim Carvalho da Costa]. Porém, segundo João Chagas, “o abade de S. Nicolau, João Pais Pinto (...) apareceu dentro da revolução do Porto nas mesmas circunstâncias em que tantos outros, todavia alheios a ela, se encontraram implicados nela” [João Chagas, Trabalhos Forçados, vol. I, Paris/Lisboa, Livraria Aillaud e Bertrand, 1926, p. 120-121]. Mas o padre é acusado “de ter até certa forma tomado parte nos actos de rebelião de 31 de Janeiro, e acrescenta: de ser um republicano mais ou menos agitador”. Portanto, a figura em que se centra este estudo foi simplesmente envolvido na revolta sem nada saber dos preparativos da revolta. Esta posição é também confirmada por outro dos envolvidos nos acontecimentos, como foi Francisco Manuel Homem Cristo que afirmava convictamente “o abade de S. Nicolau não pertencia à conspiração. Sabia daquilo como toda a gente. O único crime que cometeu foi entrar na Câmara Municipal, como entrou meio mundo (...) Não tomou parte activa nos trabalhos da revolta” [Francisco Manuel Homem Christo, Os Acontecimentos de 31 de Janeiro e a minha prisão, Lisboa, Empreza Editora J. J. Nunes & Cª, 1891, p. 204-205]. No entanto, devido às suas tomadas de posição públicas e ao seu envolvimento com alguns elementos do Partido Republicano acaba por ser preso, segundo se pensa, com base em denúncias feitas por alguém não identificado.

O próprio Pais Pinto, no seu depoimento, refere que “tinha por costume recolher a casa todos os dias, às 7 da tarde, sendo falso que conspirasse na sombra contra as instituições vigentes” [Jorge de Abreu, A Revolução Portuguesa - O 31 de Janeiro (Porto 1891), Lisboa, Casa Alfredo David, 1912, p. 154] . Além disso a sua entrevista ao jornal A Palavra, de 20 de Fevereiro de 1891, o próprio esclarece como se desenrolaram os acontecimentos em que esteve envolvido [ O Abbade de S. Nicolau e o Bispo de Coimbra (Um incidente da sublevação do Porto), Porto, Typ. da Empreza Litterária e Typográphica, 1891, p. 16 e 17]. Esta circunstância permite concluir que certamente o padre não terá tido nenhum envolvimento na preparação e desencadear dos acontecimentos do Porto. Reconhecia, no entanto, ter tido conhecimento na véspera de que se ia desencadear uma revolta no Porto, mas necessitava sair de casa para realizar os serviços religiosos. Ouviu falar na concentração de tropas e dirigiu-se para a “praça de D. Pedro”, aí foi aclamado pelos populares e entrou no edifício da Câmara, mas a desorganização era grande acabou por se afastar do local.

A sua prisão ocorreu a 1 de Fevereiro, juntamente com as de “Azevedo e Albuquerque, indigitado membro do governo provisório proclamado pelo dr. Alves da Veiga na casa da Câmara; o dr. Paes Pinto, abade de S. Nicolau; o dr. Aureliano Cirne, redactor da República; Miguel Verdial, actor da companhia Alves Rente; Dionízio Ferreira dos Santos Silva, industrial; Santos Cardoso, como aliciador e promotor de toda aquela empresa; e Felizardo de Lima” [Heliodoro Salgado, A Insurreição de Janeiro (História, Filiação, Causas e Justificação do Movimento Revolucionário do Porto), Porto, Typ. da Empreza Litterária e Typográphica, 1894, p. 131]. Todas estas prisões provocaram reacções emotivas entre os defensores do ideal republicano que os proclamam heróis, promovem manifestações de apoio.

Durante o período de prisão até ao julgamento, Pais Pinto, convive de perto com João Chagas, que o descreve em pormenor, não só em termos físicos, mas também psicológicos. Seguindo essas informações podemos notar como a população protestava pelo tratamento que era dado aos prisioneiros, que tudo indica era semelhante ao dos prisioneiros de guerra. Os desfiles públicos com os prisioneiros rodeados de soldados a pé e a cavalo com as suas baionetas revelam de certo o propósito de impedir novas tentativas idênticas aquela. Para João Chagas, o padre que ele descrevia assim: “era novo; não teria mais de trinta e dois anos ao tempo, muito alegre, muito expansivo e excepcionalmente inteligente. Vivia no entanto uma vida de uma grande pureza , sem instintos, sem apetites e sem vícios” [João Chagas, Trabalhos Forçados, vol. I, Paris/Lisboa, Livraria Aillaud e Bertrand, 1926, p. 121]. Também Homem Cristo que conviveu com Pais Pinto durante esse período descrevia o padre como “crente, e ingénuo algum tanto” e “um cavalheiro, um homem de bem, um carácter cheio de paciência pela injustiça com que o tratavam e anelando a toda a hora a felicidade da sua pátria” [Francisco Manuel Homem Christo, Os Acontecimentos de 31 de Janeiro e a minha prisão, Lisboa, Empreza Editora J. J. Nunes & Cª, 1891, p. 225]. A acreditarmos nestes dados, Pais Pinto era admirado entre os seus pares republicanos pelo seu espírito tranquilo, pela sua inteligência, pelo seu carácter bondoso, pelo desejo de bem para a pátria, pela cultura e discrição.

Esteve detido na cadeia do Aljube até final do mês de Fevereiro. Depois os prisioneiros foram instalados em barcos como o Moçambique, o Índia e o Bartolomeu Dias onde se mantiveram até ao inicio dos respectivos julgamentos. Porém, esta situação não os impediu de reclamar melhores condições para os da sua condição, pois conseguem produzir um protesto que foi publicado na imprensa republicana. Assim, aqueles que se encontravam prisioneiros a bordo do vapor Moçambique protestavam contra os vexames que os oficiais militares e os presos civis eram sujeitos ao serem “conduzidos como salteadores, em carros celulares desde a Relação até Massarelos, e a pé, no meio de uma escolta, desde a Foz até Matosinhos, depois de terem corrido graves riscos na barra do Porto a bordo do vapor chamado D. Luís”. Além disso, chamavam também a atenção para o facto de “nos exigirem a cada um uma quantia suficiente para um tratamento regular”. Era uma situação insustentável e penosa. E, seria ainda mais complicada, para quem a viveu sabendo que estava inocente das suspeitas de que o acusavam.

A sua principal preocupação, durante o tempo em que esteve preso, foi com a sua mãe e os irmãos. Porque ela tinha alguns problemas de saúde que se teriam agravado após a morte de um seu irmão, também padre, pouco tempo antes. Além do mais como ele próprio afirmava ao jornal A Palavra: “A minha consciência está tranquila. Parece-me desnecessário dizer-lhe que não tenho culpabilidade alguma nos factos do dia 31” o que revela algum sentimento de tranquilidade e inocência, confiando na justiça [O Abbade de S. Nicolau e o Bispo de Coimbra (Um incidente da sublevação do Porto), Porto, Typ. da Empreza Litterária e Typográphica, 1891, p. 16].

No final do julgamento, enquanto quase todos foram condenados a fortes penas de cadeia ou degredo, como já se esperava. Por seu lado, Pais Pinto, foi julgado no 1º conselho de guerra da 3ª divisão militar e foi absolvido “por unanimidade de votos em sentença proferida no dia 23 de Março”.

[Em continuação]

A.A.B.M.

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