terça-feira, 27 de abril de 2010

JOÃO DE DEUS RAMOS


Assinalou-se ontem o aniversário do nascimento do pedagogo João de Deus Battaglia Ramos.

Filho do poeta João de Deus e de Guilhermina Battaglia Ramos, foi aluno interno num Colégio de Jesuítas, em Campolide, donde foi expulso aos 14 anos por suscitar questões em torno da obrigatoriedade de comungar diariamente: 'Se eu não estiver em estado de graça comungo para obedecer ou cometo sacrilégio?". Começou a levantar determinadas questões teológicas e a exigir as respectivas respostas, que não o satisfaziam e a incomodar o corpo docente do colégio com a sua perspicácia.

O seu pai morreu quando tinha 17 anos, em Março de 1896. Acabado o liceu, vai para a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra onde trava amizade com João de Barros.Vivem na mesma “república”, na Rua da Couraça, em Coimbra. [Manuel Henrique Figueira, Dicionário de Educadores Portugueses, coord. António Nóvoa, Asa, Lisboa, 2003, p. 1151-1154]

Entre 1896 a 1902, enquanto estudante na Universidade de Coimbra, João de Deus Ramos, que se destacou como guitarrista, deixou, ao sair de Coimbra, bacharel formado em Direito, um fado no tom “dó menor” que ainda hoje se ouve muitas vezes tocado pelos melhores artistas da especialidade. É certo que João de Deus Ramos, desde os primeiros anos da Universidade, começou a revelar o seu mérito em tal instrumento. O guitarrista João de Deus Ramos foi o autor da melodia do Fado João de Deus, também tocado a título de peça instrumental.

Após concluir o curso, publicou o livro Os Altos Princípios do Método João de Deus e iniciou uma série de conferências pedagógicas, bem como uma imensa propaganda das Escolas Móveis, dando, assim, continuidade e nova luz aos projectos do pai. Empreendeu ainda uma visita à Europa, com o intuito de compreender o funcionamento de novos métodos de ensino nos Jardins-de-infância, beneficiando, pois, do contacto com os grandes pedagogos europeus. Movido pelas observações que efectuou, criou, à chegada a Lisboa, os Jardins-Escola, com uma cuidada adaptação à realidade portuguesa.

Foi professor no Liceu Camões, em Lisboa, após concluir o curso de Direito em Coimbra.

Foi deputado às Constituintes de 1911, por Alcobaça, 1912 foi Governador-Civil da Guarda, em 1913, foi eleito por Lamego. Ainda nesse ano foi nomeado Governador Civil de Coimbra.
Entretanto, em Março de 1911, João de Barros e João de Deus Ramos elaboraram a 1ª Reforma do Ensino da 1ª República, chamada Reforma de 1911, que visava principalmente o Ensino Primário. O objectivo da Reforma era diminuir o analfabetismo e valorizar a formação do indivíduo a todos os níveis: físico, intelectual e moral.

Promulgou-se a instrução oficial e livre para todas as crianças nos níveis infantil e primário, passando o último a ser obrigatório e gratuito entre os sete e os dez anos de idade. Aumentou o número de escolas primárias, confiou-se aos municípios a organização e superintendência da instrução primária. A maior crítica a esta Reforma foi a descentralização do ensino, uma vez que os professores se queixavam que os seus salários, cujo pagamento pertencia às câmaras municipais, estavam sistematicamente em atraso. Por isso, em 1918, essas competências passaram novamente para o pelouro do Governo que procurou melhorar a qualidade do ensino com a criação de escolas que visavam a formação de professores e onde foram introduzidas novas metodologias e materiais didácticos actualizados. Os professores foram protegidos, dignificados e os seus vencimentos aumentados.
A preparação do professorado primário passaria a ser feita em escolas normais primárias; estas só começaram a funcionar 7 anos depois da promulgação da lei em 1922. O instrumento didáctico seguido foi o método de leitura da Cartilha Maternal (1876), vulgo Método de João de Deus.

Em 12 de Outubro de 1910, quando João de Barros é nomeado Director-Geral da Instrução Primária, João de Deus Ramos ocupa a posição de Chefe da Repartição Pedagógica, tendo ambos sido encarregues pelo ministro do Interior, António José de Almeida, de procederem ao estudo e à redacção da reforma do ensino primário. Tratava-se de, conforme escreve Rómulo de Carvalho, pôr em prática uma 'educação republicana, educação interessada na criação e consolidação de uma nova maneira de ser português, capaz de expurgar a Nação de quantos males a tinham mantido, e mantinham, arredada do progresso europeu, sem força, sem coragem, sem meios para sacudir de si a sonolência em que mergulhara.' A 13 de Março de 1911, João de Barros pede a demissão, justificando o abandono do cargo devido a 'modificações introduzidas no texto original da Reforma do Ensino Primário, que viria a ser publicada por decreto de 29 de Março de 1911'. Três dias depois, João de Deus Ramos acompanha-o.

Em 1911 inaugura o primeiro Jardim-Escola em Coimbra, projecto concebido e executado por Raul Lino. Em 1917 organiza o Museu João de Deus, a que João de Deus Ramos chamava de Biblioteca da Cultura Portuguesa, em que se iriam realizar importantes conferências e debates sobre temas da cultura nacional.

Envolveu-se em polémica com Tomás da Fonseca sobre o ensino religioso nas escolas.

Recusou desempenhar funções no governo de Sidónio Pais.

Foi Ministro da Instrução Pública de 21 de Janeiro a 8 de Março de 1920, no governo de Domingos Pereira sobraçando, mais tarde a pasta do Trabalho no governo de José Domingos dos Santos, de 22 de Novembro de 1924 a 15 de Fevereiro de 1925.

A 30 de Agosto de 1928 João de Deus Ramos foi ainda Sócio-Director do "Colégio Bairro Escolar do Estoril" no Monte Estoril em sociedade com o Dr. João Lopes Soares (pai de Mário Soares) e do Dr. Américo Limpo de Negrão Buisel (filho do conhecido professor de Portimão José Negrão Buisel). João Lopes Soares saiu deste projecto em 1935 e, no ano seguinte, também João de Deus Ramos o abandona, para criar o Colégio de João de Deus, na Vila Pomares, Monte Estoril.

A Escola Superior de Educação João de Deus nasceu da reconversão do Curso de Didáctica Pré-Primária pelo Método João de Deus, criado em 1920. Este foi o primeiro e, durante muitos anos, o único espaço a formar Educadores de Infância em Portugal, prestando um contributo decisivo no incremento da Educação Infantil.

Colaborou durante várias décadas com Joaquim Manso no Diário de Lisboa. Fez parte da tertúlia literária e política oposicionista a que pertenciam Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Augusto Casimiro, o padre Abel Varzim, Ramada Curto, Azevedo Gomes, Pulido Valente, Jaime Cortesão, Vieira de Almeida.


João de Deus Ramos é autor, entre outras, das seguintes obras sobre pedagogia:
Reforma da Instrução Primária, 1911;
A Reforma do Ensino Normal, 1912;
O Estado Mestre Escola e a Necessidade das Escolas Primárias Superiores, 1924;
A Criança em Portugal antes da Educação Infantil, 1940.

Colaborou em vários jornais de educação e ensino como:
O Académico Figueirense, 1933-1934; 1959;
Atlântida, Lisboa, 1915-1919 e 1920;
Escola Nova, Lisboa, 1911-1912;
A Higiene Popular, 1909-1910;
Ecos do Bairro, 1932 e Jornal do Bairro Escolar do Estoril (1935-1941) que pertenciam à Associação de Estudantes do Bairro Escolar do Estoril, tendo fundado em 1928 uma Escola Nova, no Bairro Escolar do Estoril, a denominada Ecole dês Roches que chegava a Portugal e conquistou uma identidade nacional.

Colaborou ainda nas seguintes publicações:
- A Águia, Porto, 1910-1932;
- Arte e Vida,Coimbra, 1904-1906;
- O Comércio do Lima, Ponte de Lima, 1906-1919;
- O Diabo, Lisboa, 1934-1940;
- Diário de Povo, Lisboa, 1925;
- Figueira, Figueira da Foz, 1911-1916;
- Folha de Saudação, Setúbal, 1902;
- Gente Lusa, Praia da Granja, 1916;
- Mocidade, Lisboa, 1899-1905;
- O Povo, Lisboa, 1911-1916;
- A Rajada, Coimbra, 1912;
- Revista Coimbrã, Coimbra, 1899-1900;
- Revista Nova, Lisboa, 1901-1902;


João de Barros afirma que João de Deus Ramos “lançou as bases da Escola Nacional Moderna, onde se praticam três grandes virtudes: a liberdade, civismo e solidariedade”.

Em 10 de Março de 1951 e nos anos seguintes, presidiu, na Casa do Algarve em Lisboa, à sessão solene comemorativa do 21º aniversário da Fundação da Casa do Algarve e do nascimento do poeta João de Deus.
Foi iniciado na Maçonaria em 1909, na loja Solidariedade, em Lisboa,com o nome simbólico de Antero. Em 1913, passa para a loja Redenção, regressando em 1922 à loja onde fora iniciado. Em 1924 atingiu o 7º grau do Rito Francês.[A.H. de Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. II, Editorial Delta, Lisboa, 1986, col. 1193-1194]

Morreu na sala do Museu João de Deus, vítima de trombose, a 15 de Novembro de 1953.

A.A.B.M.

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