Leão
Tolstoi, “Guerra e Paz” [trad. José Marinho; capa de Fred Kradolfer],
Lisboa, Editorial Inquérito, 1942-43, III vols
"[...] Não é um romance, e
ainda menos um poema, ou uma crónica histórica. “Guerra e Paz” é o que o autor
quis e pôde exprimir na forma que lhe deu. Uma tal declaração de indiferença
pelas formas convencionais da obra artística em prosa poderia parecer orgulho
se não fôsse intencional e se não houvesse muitos exemplos disso. A história da
literatura russa, desde Puskine, não só apresenta muitos casos de um tal
afastamento das formas europeias, mas até nos fornece um único exemplo do
contrário. Desde as “Almas Mortas” de Gogol, até à “Casa dos Mortos” de
Dostoiewsky, no novo período da literatura russa não há uma única obra
artística que se tenha ajustado inteiramente à forma do romance, do poema ou da
novela. [...]" [José Marinho]
FOTO via FRENESI
► “- A sabedoria, a verdade suprema é como um licor muito puro que
desejamos absorver. Como posso ajuizar da sua pureza, se o deito num copo sujo?
Só depois de purificar o mais íntimo do meu ser poderei beber desse líquido
precioso num grau de pureza relativa.
Sim, sim, é isso mesmo! - exclamou Pedro, reconfortado.
- A suprema sabedoria não se baseia nem na razão, nem nas
ciências profanas, como a física, a química, a história e outros ramos do
conhecimento humano. A sabedoria suprema só conhece uma ciência, a ciência do
Todo, a ciência que explica toda a criação e o lugar que o homem ocupa nela. Para
compreendermos esta ciência é indispensável purificar e renovar o nosso íntimo;
antes de conhecer, é preciso acreditar e aperfeiçoarmo-nos. É para conseguirmos
alcançar essas finalidades que foram depositadas na nossa alma essa luz divina
a que chamamos consciência.
- Sim, sim - aprovou Pedro.
- Contempla o teu ser interior com os olhos da tua alma e
interroga-te: sentes-te verdadeiramente contente contigo próprio? Até onde
chegaste com o simples auxílio da tua razão? … O senhor é jovem, rico,
inteligente, instruído. Que destino deu o senhor a todos esses bens que lhe
couberam em sorte? Está satisfeito consigo próprio e com a espécie de vida que
escolheu?”
Leão
Tolstoi, in “Guerra e Paz”, II Parte, Cap II
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