sexta-feira, 27 de março de 2015

ATÉ SEMPRE DR. AMÉRICO CASEIRO [1947-2015]


Até Sempre Américo Caseiro [n. 27 Maio 1947 - m. 26 Março de 2015]

Só morremos de nós mesmos” [Herberto Helder]

Américo Caseiro partiu, ainda o sol não mostrava o brilho dos raios. Deixou-nos o tesouro da palavra, os nomes e rostos da claríssima luz, a ternura do tempo e da noite sem fim, o prazer e a rebelião da viagem, a lealdade fraternal, a requintada oferenda do “discurso do acordar e do adormecer” [A.C.]. Ele, que amou e viveu a vida, com radiante paixão, partiu (avançou) no seu próprio jogo. Pôs-se a caminho para urdir a sua própria sombra. E deixou-nos no nosso trivial remanso. 

À sua esposa, Mariana Alface, à sua estimada família e a todos os amigos, o nosso pesar. 

Ao Américo a eterna Saudade … e até Sempre!

Nota: o seu funeral segue hoje de Coimbra para o Crematório da Figueira da Foz, onde deverá chegar antes das 18 horas, desta sexta-feira.

Américo José Lopes Caseiro nasceu a 27 de Maio de 1947, na cidade de Coimbra, lugar que amava como poucos. Era filho de Adriano Maria Caseiro, escrivão e solicitador em Ansião e de Fernanda Godinho Lopes Caseiro

Cresci, único homem (o meu pai so chegava à noite), no seio de seis mulheres, a minha irmã muito conta como tal, e este facto traz as mais agradáveis consequências - a maior relevância para o meu pai, homem belo de 120 quilos, de humor afável e irritável, terno, dócil, violento, brutal incontestável - o meu ideal de beleza era ter 120 quilos e sentir-me belo e sedutor como em muitos dias reparei que se via” [cf. Américo J. L. Caseiro, Curriculum Vitae, 1982].

Fez a escola primária em Avelar, depois estudou no colégio de Ansião (onde frequentou brilhantemente a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian e ali conheceu o Maia Alcoforado, “poeta, revolucionário civil”, republicano de têmpera, combatente contra a ditadura), passando depois para Coimbra para fazer o “complementar dos liceus” 

Em Coimbra, moço arribado ao liceu D. João III, conhece o “velho Gomes Jacobino” que lhe revela o caminho da biblioteca (vício nunca abandonado), encontra e percorre Freud e Nietzsche, deslumbra-se com Marx & Engels, invoca Camus, aparece-lhe Sartre. O coração alumia-se. Entra em 1964 para a Faculdade de Medicina da U.C. Três anos depois tem o seu primeiro casamento, de que resulta um filho encantador. Na candura de uma vida de estudo, de tentações de espelho e outros rendez-vous, foi “incapaz de passar os Arcos do Jardim” e “subir acima da Almedina”: quatro anos de “dedicação exclusiva do prazer doutras matérias” (o “sítio do pica-pau amarelo”). Licencia-se aos 27 anos. De permeio esteve “em todas as lutas de estudantes e nas outras”, ali, vertical, com o Alfredo Misarela, o Joaquim Namorado, o Orlando de Carvalho, Lousã Henriques, outros mais.    



O acordar da noite ensinou-o a gostar de Resnais, Fellini, Bergman & tantos outros (o dr. Orlando adornava o alvoroço), enfaixa-se em Lacan em seminários no café Tropical e na Brasileira, Levi-straussa na baixinha em passeatas peripatéticas. A vontade de saber escorre-lhe interminavelmente. Foucault ilumina-o, tal como o vinho e o tabaco com que teorizava e vigiava. Althusser identifica-lhe os “órfãos teóricos” (os do sem pai teórico). Deuleuze & Guattari, empresta-lhe o inevitável. A psiquiatria – que pratica, usa e abusa - é para ele como a escrita de Leonardo, “para ser lida ao espelho” [A.C.]. Esteve no serviço médico à periferia (Soure, Manteigas), transita para a Clínica Psiquiátrica dos HUC (1979), faz-se exímio na profissão, (re)constrói o (im)possível. Com inquietação, mas solidamente.

O dr. Américo Caseiro, “o passáro sarapintado”, era um eterno apaixonado. Da literatura (Joyce, Thomas Mann, Dostoievski, os clássicos sempre presentes, com pontualidade e zelo), da música (que não aprendeu com “grande arrependimento e mágoa"), do cinema e teatro, tudo o movia, sempre numa respiração insubordinada, que a outros transmitia. Das suas últimas paixões deve-se referir o seu aprofundado estudo & os seus apontamentos sobre o “Cão de Parar”, espaço de “conversação e do elogio do cão”, por nós (re)escrito a partir da narrativa assombrosa e encantadora do Mestre Caseiro.      
      
O “pássaro sarapintado” morreu porque muito amou. 

Na madrugada de 26 de Março de 2015, com toda a serenidade. 

Até sempre, dr. Américo Caseiro.

[José Manuel Martins - publicado também no Almocreve das Petas e no O Cão de Parar]

1 comentário:

mariana teles alface disse...

Olá Américo
Estes dias tem sido...
Escrevi ontem para ti. Beijinhos

"Nestes primeiros dias de Março, relembro com muita saudade, os últimos 15 dias que vivemos na nossa casa... e está quase a fazer um ano... Américo. Quando vejo cá na nossa casa, a Inês, o Zé Tó e a Susana... relembro-me de ti, sentado no teu sofá com as lágrimas a cair pela cara... E a dizer: "Que pena não ver a minha neta a crescer"!!! Sabes? À muito tempo que já escreve "avô" e na última vez que cá esteve também escreveu MARIANA. De facto, também aqui se parece contigo... Aos 5 anos já escreve muitas palavras. Muitas Saudades de todos nós."