terça-feira, 25 de agosto de 2015

[TEXTO] NA HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS - FIGUEIRA DA FOZ


DISCURSO PROFERIDO NA HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS NO DIA 24 DE AGOSTO DE 2015, NA FIGUEIRA DA FOZ, pela Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto

Celebra-se hoje mais uma data comemorativa da luminosa jornada que raiou no dia 24 de Agosto de 1820 na cidade do Porto, esse grito memorável da regeneração e engrandecimento da Pátria, levado a cabo por homens generosos e de boa vontade, que o destino abraçou.

Em preito e homenagem a esses varões ilustres, cumpre-me - em nome da Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto – a honra de os evocar neste lugar e laurear a saudosa memória de um dos seus primeiros heróis, o insigne figueirense, o venerando Manuel Fernandes Tomás.

Agradeço, por uma vez mais, à Câmara Municipal da Figueira da Foz - na pessoa do senhor Presidente – este tributo de respeito e gratidão ao Patriarca da Liberdade, e que cada ano a edilidade promove, seguramente contra a inclemência destes nossos tempos; cumprimento, na pessoa do seu Presidente, a Associação Manuel Fernandes Tomás que tem sabido levantar bem alto a figura benemérita de Fernandes Tomás, a alma e rosto da primeira revolução liberal, a grande obra de 1820; e saúdo todos quantos quiseram estar aqui presentes. A todos e a cada um, o nosso agradecimento fraterno.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Os grandes Homens, pelo reconhecimento que todos lhes devem dos seus largos ideais e das suas boas obras, também e por vezes, perpetuam a sua memória em monumentos escultórios públicos, mantendo assim vivo a sua identidade individual e cultural, para ilustração e edificação aos vindouros.

Essa secularização da morte remete-nos para uma iconografia onde a estatuária e a própria arquitectura fixam determinada memória histórica e biográfica. Esta cultura simbólica torna-se assim um sinal de presença e de rememoração ou nós não soubéssemos que “uma imagem vale mais que mil palavras”.

O Monumento a Manuel Fernandes Tomás – que aqui vemos neste espaço da polis figueirense –, este lugar luminoso da nossa memória, pela sua estatuária e construção tumular (caso único entre nós, pois se encontra em pleno passeio público) não só é o símbolo imortalizante da virtude, da audácia e da raça do tribuno e jurisconsulto Manuel Fernandes Tomás – e uma digna glorificação do Patriarca da Liberdade - mas também faz alusão para uma necessária reflexão sobre a nossa memória colectiva ou da história pátria.

Morre Fernandes Tomás no dia 19 de Novembro de 1822, já com a Constituição jurada, não assistindo porém ao “colapso” do movimento que tinha fundado. Mas legou-nos um exemplo grandioso de serviço à causa pública e à Liberdade, pela sua obra jurídico-constitucional, na defesa da liberdade civil e da soberania da nação, pela defesa do império da lei.

Logo na Sessão das Cortes, a 2 de Dezembro desse ano, Borges Carneiro propõe que a Nação tome a seu cuidado, como testemunho de gratidão pública, as exéquias funerárias do “primeiro dos regeneradores”, o que foi aprovado.

Na Sessão de 6 de Dezembro foi decretado, como sendo um dever de honrar a sua memória, incumbir o Governo de erigir um monumento sepulcral “simples e modesto”, com inscrição “a Manuel Fernandes Tomás as Cortes Ordinárias de 1822”, bem como patrocinar “meios de subsistência à sua família”. 

Porém, com a “Vilafrancada”, no mês de Junho de 1923, com o absolutismo de novo triunfante, tudo se torna inviável - pela animosidade e agressividade que tinham ao seu elevado pensamento, constantes dos soezes ataques proferidos ao seu carácter e integridade cívica. A corrente anti-liberal não perdoava ao cidadão Manuel Fernandes Tomás o seu sentimento de patriotismo, a sua actividade parlamentar de constituinte, a sua figura de rectidão e virtude cívica. Jamais lhe perdoou.

A 24 de Agosto de 1884 os republicanos de Lisboa patrocinam um grandioso cortejo cívico em honra de Fernandes Tomás, junto ao seu túmulo no cemitério dos Prazeres. A comissão da homenagem patriótica, acompanhada por delegados da província e correligionários, saiu do Clube Henriques Nogueira (rua Nova de Almada), com diversas oferendas, enquanto partia da sede da Associação Escolar Fernandes Tomás (rua do Poço dos Negros), diversas agremiações escolares e populares. Usaram da palavra no cemitério dos Prazeres, Sebastião Magalhães Lima, Elias Garcia, Manuel da Arriaga, Alves da Veiga, entre outros. O cortejo, que tinha sido proibido pelas autoridades, representou uma forte manifestação da força do povo republicano, mas terminou com incidentes lamentáveis, manifestações anticlericais violentas e prisões arbitrárias, que o conflito com a guarda desmandada causou.

O republicanismo então emergente – não por acaso o embrião do que seria o futuro Partido Republicano nasce nesse ano a 17 de Maio – tomava assim como sua herança os princípios de cidadania da gloriosa revolução de 1820 - esse grito de liberdade - abraçando o direito à sua memória futura e entre ela a exaltação da alma heróica e generosa de Manuel Fernandes Tomás.
 


Alguns anos mais tarde (Abril de 1906), a ideia de perpetuar em monumento a memória de Fernandes Tomás, “o mais ilustre espírito dos filhos da Figueira”, é abraçada fervorosamente por quatro operários figueirenses, de seus nomes: José Augusto Fernandes Talhadas, Frutuoso Abel Santos, João Maria Cardoso Pereira e João da Silva Cascão e que se constituíram em Comissão Promotora do Monumento. A angariação dos fundos necessários, através de uma lista de subscrição pública, foi bem correspondida, inclusive por contribuição dada pelo rei D. Carlos e pelo então governo.   

A primeira pedra foi colocada no monumento a 22 de Setembro de 1907, na então denominada Praça Nova. A cerimónia, que revestiu grande solenidade - perante duas mil pessoas - contou com discursos dos reputados republicanos António José de Almeida, João Pinto dos Santos, Carlos Borges, António Fontes e Mário Monteiro. Foi uma manifestação imponente ao egrégio cidadão e uma prova que o nome de Fernandes Tomás era já uma “frondosa árvore da liberdade”.

A inauguração do monumento a Manuel Fernandes Tomás só teve lugar no inolvidável e glorioso dia de 24 de Agosto de 1911. O monumento em pedra e bronze foi de autoria do escultor Fernandes de Sá. A estátua em bronze de Fernandes Tomás (de pé) assenta sobre um pedestal com uma palma em baixo-relevo esculpida na parte frontal, encimada por um friso de louros e algumas inscrições (em bronze), onde sobressai um excerto da oração fúnebre de Fernandes Tomás, de autoria de Almeida Garrett. A fundição da estátua, bem como os ornamentos para o pedestal, esteve a cargo de M. J. Pereira Caldas e contou com os préstimos do tenente-coronel José Maria Luiz de Almeida, que por ela se interessou.

A Comissão Promotora do Monumento a Manuel Fernandes Tomás trabalhou sempre generosa e esforçadamente na arrojada iniciativa, tendo organizado um programa dos festejos imponente, com apoio e acolhimento governamental, da edilidade, organizações comerciais e agremiações profissionais, sociais e culturais locais.      

O imponente cortejo cívico revestiu muito brilho e solenidade. Partindo do Salão Nobre dos Paços do Concelho, seguia à frente a Filarmónica Figueirense, o neto do homenageado, Manuel Fernandes Tomás e seus filhos, elementos do Regimento 28 de Artilharia, elementos civis e depois inúmeras associações, com os respectivos estandartes: as associações Artísticas, o Ginásio Clube, Bombeiros, Associação dos Pedreiros, Caixeiros, Carpinteiros, o Monte Pio, sócios do Centro José Falcão, fechando o cortejo a Filarmónica 10 de Agosto.

Frente à Estatua, formava, “com todo o garbo”, o Batalhão dos Voluntários com a banda dos 23, chefiado pelo capitão Girão; a Praça estava engalanada com as janelas das suas casas com colchas.

Marcaram presença na memorável cerimónia várias colectividades, como a Associação Comercial, a Cooperativa Fernandes Tomás, a Associação de Instrução Popular, o Centro Cândido dos Reis, o Grupo da Juventude Republicana Bernardino Machado, o Grémio Fernandes Tomás e o Grémio Evolução.

Usaram da palavra na patriótica homenagem, Francisco Martins Cardoso, Manuel Fernandes Tomás (neto do ilustre homenageado), Lino Pinto, Carlos Borges e Gustavo Bergstrom. À noite continuaram os festejos populares, tendo havido lugar a vários concertos e saraus associativos. O filho mais querido, ilustre e venerado da Figueira da Foz ergueu bem alto o seu nome, foi consagrado pelo povo e jamais poderá ser esquecido.

A 24 de Agosto de 1988, por iniciativa da Associação Manuel Fernandes Tomás (fundada a 12 de Janeiro de 1988) e da Câmara Municipal da Figueira, os restos mortais do insigne figueirense regressam á sua terra natal. Perante enorme multidão, a cerimónia de trasladação decorreu magnifica. A inauguração do mausoléu (que foi obra do arquitecto Nuno Oliveira) teve na presidência a figura do Presidente da República Mário Soares (tornado de imediato sócio Honorário da Associação Manuel Fernandes Tomás), tendo usado da palavra o dr. Henrique Tomás Veiga (presidente da A.M.F.T.), o Presidente da CMFF, Aguiar de Carvalho e o dr. Mário Soares. Terminou, à noite, a Homenagem a Fernandes Tomás com um Cortejo Histórico e um espectáculo de luz e som, evocando a sua vida e obra.   

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

A cinco anos da comemoração do bicentenário da revolução de 1820 e a sete do passamento do nosso insigne patrício Manuel Fernandes Tomás - a que devemos todos associarmos - cabe-nos honrar o seu exemplo de cidadania, as virtudes morais e cívicas que o adornam, prestando nessas datas todo o nosso desvelado amor para com o “zeloso defensor dos direitos e liberdades da pátria”. Assim o saibamos merecer!

Termino com as sábias palavras de Almeida Garrett: “voltai os olhos sobre os poucos Portugueses; fitai-os nestes ainda mais poucos, que o amor da pátria e das letras reuniu neste lugar

Deixo à vossa ilustrada meditação as memoráveis palavras de Garrett e digamos todos bem alto:

Honra a Manuel Fernandes Tomás!

Viva a Liberdade!

[Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto, 24 de Agosto de 2015]

FOTO de Mauro Correia, com a devida vénia | sublinhados nossos
 
J.M.M

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