domingo, 30 de agosto de 2015

ANTÓNIO LOBO DE ABOIM INGLÊS (1869-1941)


Nasceu em Aljustrel a 20 de Junho de 1869. Formou-se em Engenharia de Minas no então Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que depois se transformou no Instituto Superior Técnico. Convidado pela empresa exploradora das Minas de S. Miguel de Huelva (Espanha) entre 1897 e 1912, onde chegou a atingir as funções de sub-director das mesmas. Regressa a Portugal logo após a implantação da República. Começou depois a leccionar no Instituto Superior Técnico onde foi responsável pelas disciplinas de Metalurgia e Jazigos Mineiros a partir de 1912.

Desenvolveu também actividade como empresário mineiro. Devido a essa condição foi dirigente da Associação Industrial Portuguesa, presidindo aos destinos dessa associação representante do patronato em dois mandatos entre 1915 e 1921. Fez parte da sociedade constituída para tomar conta do jornal A Lucta, em 30 de Setembro de 1920.

Acompanhou inicialmente o seu comprovinciano Manuel de Brito Camacho na União Republicana, chegando, em 1918 a fazer parte da direcção do partido. Mais tarde assinala-se a sua passagem pelo Partido Liberal e Partido Nacionalista. Foi eleito deputado por Silves (1919), tendo desencadeado e apoiado o processo de criação da Escola Comercial e Industrial João de Deus, em Silves. Mais tarde foi novamente eleito por Aljustrel (1921 e 1925).

Desempenhou as funções de Ministro da Agricultura entre 3 de Setembro e 19 de Outubro de 1921, no governo chefiado por António Granjo que terminou na Noite Sangrenta. Foi ainda depois candidato às eleições municipais de Lisboa, em 1922.

Colaborou com alguma regularidade no jornal republicano dirigido por Brito Camacho, A Lucta, depois encontramo-lo a colaborar na revista da Associação Industrial Portuguesa, Industria Portuguesa, com artigos mais técnicos [“O Rádio em Portugal”, nº22 e 23, 1930] . Desenvolveu também alguma actividade como publicista tendo proferido várias conferências pelo País. Destaca-se a conferência proferida durante o I Congresso Regional Algarvio, de 1915, intitulada As Escolas Industriais, que deu à estampa nesse ano. Realiza também, em 9 de Fevereiro de 1928, nas instalações da Liga Naval, em Lisboa, feita a convite da Associação Industrial Portuguesa, outra conferência que se intitulava As Indústrias Extractivas em Portugal. Nessa ocasião esteve presente o Presidente da República e do Ministro do Comércio e das Comunicações. 


Foi representante do Governo Português à Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Londres.

Foi casado com Maria Luísa Morais Lopes Aboim Inglês e pai de Carlos Lopes de Aboim Inglês (1899-1942) que frequentou o Instituto Superior Técnico entre 1917 e 1923 e veio a ser futuro dirigente do Partido Comunista Português. Desse casamento resultou também o nascimento de uma filha: Maria Benedita Lopes Aboim Inglês que foi casada com Ernesto Fernandes Paneiro.


Faleceu a 18 de Outubro de 1941, em Aljustrel.

[NOTA: Revisto e actualizado  3 de Setembro de 2015

A.A.B.M.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

JOSÉ PARREIRA (1865-1942)


No âmbito deste conjunto de artigos sobre o Centenário do Congresso Regional Algarvio, relembramos um dos vogais da Comissão Organizadora do Congresso: José Parreira, jornalista e político ligado ao Partido Progressista.

Nasceu em Loulé em 9 de Abril de 1865. Filho de Feliciana Parreira (falecida em 16 de Maio de 1890) e de José Maria Parreira (falecido em 16 de Dezembro de 1904, e que desempenhou as funções de escrivão da fazenda em Tavira, onde vivia[1]).
Realiza os seus estudos iniciais em Braga, depois em Lisboa onde mostra interesse nas letras iniciando colaboração em jornais da capital. Em Lisboa começa a colaborar com o Correio da Noite, depois entrou no quadro do Diário de Notícias.

Em termos profissionais foi amanuense da secretaria da fiscalização dos Caminhos de Ferro de Leste e Norte[2] em 1889.
Desempenhou também as funções de redactor na antiga Câmara dos Deputados. Como membro do Partido Progressista acompanhou José Bento Ferreira de Almeida nas suas actividades políticas e de quem era bastante próximo.

Participa numa reunião de jornalistas em 6 de Abril de 1895, onde se procurou alcançar um acordo entre os vários jornais[3]. Esta reunião teve lugar na redação do jornal Correio da Manhã por forma a não noticiar de forma circunstanciada os suicídios. Na reunião estiveram presentes entre outros: Brito Aranha (Diário de Notícias), Jaime Victor (Correio da Noite); Alves Correia e França Borges (Vanguarda), Magalhães Lima (Século), Fraga Pery Linde ( Folha do Povo), Mendonça e Costa, (Gazeta dos Caminhos de Ferro), C. Rangel de Sampaio, (Tempo), Alfredo Serrano (Nação), Armando e Silva e Machado Correia (Novidades), Segurado e Mendonça (Diário Illustrado), Mello Barreto (Correio Nacional), José Parreira (Popular), Feio Terenas (Batalha), Alberto Camara (Tarde), F. Gomes da Silva, ( O Dia), Décio Carneiro (Repórter), Mariano Pina (Universal). Apesar da visão moralizadora, este acordo acaba por não ser cumprido e alguns acontecimentos trágicos foram acompanhados e relatados com todo o detalhe pela imprensa. No jornal O Tempo, cujo representante defendia a eliminação desse tipo de notícias, referia-se mesmo que Rangel de Sampaio exigiu, para assinar a acta da reunião que houvesse uma declaração de princípio sobre o assunto e lamentava que o resultado da reunião fosse nulo.

Em 1905 o seu nome chegou a ser referido como possível candidato a deputado pelo círculo de Tavira pelo Partido Progressista[4].
Colaborou n’O Século, n’ O Teatro (1918), na Ilustração e no Diário de Lisboa. Chefiou a delegação em Lisboa do Jornal de Notícias e fundou os jornais O Combate (1929) e O Rumor, onde estudou a organização e funcionamento das sociedades anónimas. Foi também durante largo período também um conhecido crítico teatral, tendo assumido essa função em vários periódicos.

Como secretário da Antiga Associação de Jornalistas foi com Alfredo Mesquita e Leonildo Mendonça e Costa ao 8º Congresso Internacional de Imprensa, realizado em Berna, em 1902, sobre o qual publicaram um relatório.
Enquanto jornalista, sobretudo no final do século XIX, realizou alguns trabalhos de reportagem no estrangeiro sendo considerado um dos precursores do jornalismo internacional[5].

Manteve ao longo de vários anos uma secção no Diário de Lisboa onde analisava o pensamento de alguns pensadores, sobretudo Gustave le Bon, mas também outros escritores do tempo. Apesar da mudança frequente de nome da rubrica ela manteve-se com periodicidade regular.
Era considerado um elemento activo nas assembleias-gerais onde participava como accionista, com intervenções que demonstravam conhecimento das disposições estatutárias. Em algumas assembleias a sua combatividade provocava altercações que chegaram a suspender as referidas sessões. Foi secretário da mesa da assembleia-geral dos Caminhos-de-Ferro Portugueses e da Companhia dos Tabacos.

Tinha algumas condecorações como a comenda de Santiago e da ordem de Danneborg, da Noruega.

No âmbito da Comissão Organizadora do Congresso Regional Algarvio, José Parreira desempenhou as funções de vogal da comissão, tendo também sido acompanhado por seu irmão Jacinto Parreira que era secretário da mesma comissão. Neste congresso apresentou a tese cuja capa se apresenta mais acima intitulada Cantos, Músicas e Danças.

Bibliografia activa:
Além de centenas de artigos impossíveis de contabilizar na totalidade no Correio da Noite e no Diário de Notícias, bem como noutros órgãos da imprensa escrita, localizaram-se os seguintes trabalhos:
- Berne, 1902: 8 Congresso Internacional da Imprensa. Relatório, co-autores José Parreira, Leonildo Mendonça e Costa e Alfredo Mesquita, Typ. Universal, Lisboa, 1903, 14 p.;
- Cantos, Músicas e Danças. Tese, Congresso Regional Algarvio, s.n., Lisboa, 1915, 16 p.
Chamamos a atenção para um curioso trabalho assinado por este autor na revista Ilustração:
- “Breve História do Antigo Cemitério dos Israelitas Portugueses na cidade de Bordéus”, Ilustração, Lisboa, 01-05-1933, nº 9 (177), 8º ano, p. 18-19 [Consultar AQUI].

Faleceu em Lisboa, com 77 anos, em 14 de Março de 1942[6], já viúvo e deixando dois filhos: Raúl Ermida Parreira e Alice Celestina Ermida Parreira.







[1] Districto de Faro, Faro, 22-12-1904, Ano 29, nº 1496, p. 2, col. 3.
[2] Novidades, Lisboa, 31-05-1889, Ano V, nº 1531, p. 2, col. 2.
[3] “Reunião de Imprensa”, O Tempo, Lisboa, 07-04-1895, Ano VII, nº 1961, p. 2, col. 2.
[4] Novidades, Lisboa, 23-01-1905, Ano XXI, nº 6357, p. 3, col. 2.
[5] “Da Vida que Passa: Faleceu hoje o antigo jornalista José Parreira”, Diário de Lisboa, Lisboa, 14-03-1942, Ano 21, nº 6934, p. 5, col. 2. Disponível AQUI.
[6] Correio do Sul, Faro, 22-03-1942, Ano XXIII, nº 1303, p. 2, col. 3.

Bibliografia consultada:
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 20, Lisboa/Rio de Janeiro, s.d., p. 460.

A.A.B.M.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

[TEXTO] NA HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS - FIGUEIRA DA FOZ


DISCURSO PROFERIDO NA HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS NO DIA 24 DE AGOSTO DE 2015, NA FIGUEIRA DA FOZ, pela Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto

Celebra-se hoje mais uma data comemorativa da luminosa jornada que raiou no dia 24 de Agosto de 1820 na cidade do Porto, esse grito memorável da regeneração e engrandecimento da Pátria, levado a cabo por homens generosos e de boa vontade, que o destino abraçou.

Em preito e homenagem a esses varões ilustres, cumpre-me - em nome da Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto – a honra de os evocar neste lugar e laurear a saudosa memória de um dos seus primeiros heróis, o insigne figueirense, o venerando Manuel Fernandes Tomás.

Agradeço, por uma vez mais, à Câmara Municipal da Figueira da Foz - na pessoa do senhor Presidente – este tributo de respeito e gratidão ao Patriarca da Liberdade, e que cada ano a edilidade promove, seguramente contra a inclemência destes nossos tempos; cumprimento, na pessoa do seu Presidente, a Associação Manuel Fernandes Tomás que tem sabido levantar bem alto a figura benemérita de Fernandes Tomás, a alma e rosto da primeira revolução liberal, a grande obra de 1820; e saúdo todos quantos quiseram estar aqui presentes. A todos e a cada um, o nosso agradecimento fraterno.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Os grandes Homens, pelo reconhecimento que todos lhes devem dos seus largos ideais e das suas boas obras, também e por vezes, perpetuam a sua memória em monumentos escultórios públicos, mantendo assim vivo a sua identidade individual e cultural, para ilustração e edificação aos vindouros.

Essa secularização da morte remete-nos para uma iconografia onde a estatuária e a própria arquitectura fixam determinada memória histórica e biográfica. Esta cultura simbólica torna-se assim um sinal de presença e de rememoração ou nós não soubéssemos que “uma imagem vale mais que mil palavras”.

O Monumento a Manuel Fernandes Tomás – que aqui vemos neste espaço da polis figueirense –, este lugar luminoso da nossa memória, pela sua estatuária e construção tumular (caso único entre nós, pois se encontra em pleno passeio público) não só é o símbolo imortalizante da virtude, da audácia e da raça do tribuno e jurisconsulto Manuel Fernandes Tomás – e uma digna glorificação do Patriarca da Liberdade - mas também faz alusão para uma necessária reflexão sobre a nossa memória colectiva ou da história pátria.

Morre Fernandes Tomás no dia 19 de Novembro de 1822, já com a Constituição jurada, não assistindo porém ao “colapso” do movimento que tinha fundado. Mas legou-nos um exemplo grandioso de serviço à causa pública e à Liberdade, pela sua obra jurídico-constitucional, na defesa da liberdade civil e da soberania da nação, pela defesa do império da lei.

Logo na Sessão das Cortes, a 2 de Dezembro desse ano, Borges Carneiro propõe que a Nação tome a seu cuidado, como testemunho de gratidão pública, as exéquias funerárias do “primeiro dos regeneradores”, o que foi aprovado.

Na Sessão de 6 de Dezembro foi decretado, como sendo um dever de honrar a sua memória, incumbir o Governo de erigir um monumento sepulcral “simples e modesto”, com inscrição “a Manuel Fernandes Tomás as Cortes Ordinárias de 1822”, bem como patrocinar “meios de subsistência à sua família”. 

Porém, com a “Vilafrancada”, no mês de Junho de 1923, com o absolutismo de novo triunfante, tudo se torna inviável - pela animosidade e agressividade que tinham ao seu elevado pensamento, constantes dos soezes ataques proferidos ao seu carácter e integridade cívica. A corrente anti-liberal não perdoava ao cidadão Manuel Fernandes Tomás o seu sentimento de patriotismo, a sua actividade parlamentar de constituinte, a sua figura de rectidão e virtude cívica. Jamais lhe perdoou.

A 24 de Agosto de 1884 os republicanos de Lisboa patrocinam um grandioso cortejo cívico em honra de Fernandes Tomás, junto ao seu túmulo no cemitério dos Prazeres. A comissão da homenagem patriótica, acompanhada por delegados da província e correligionários, saiu do Clube Henriques Nogueira (rua Nova de Almada), com diversas oferendas, enquanto partia da sede da Associação Escolar Fernandes Tomás (rua do Poço dos Negros), diversas agremiações escolares e populares. Usaram da palavra no cemitério dos Prazeres, Sebastião Magalhães Lima, Elias Garcia, Manuel da Arriaga, Alves da Veiga, entre outros. O cortejo, que tinha sido proibido pelas autoridades, representou uma forte manifestação da força do povo republicano, mas terminou com incidentes lamentáveis, manifestações anticlericais violentas e prisões arbitrárias, que o conflito com a guarda desmandada causou.

O republicanismo então emergente – não por acaso o embrião do que seria o futuro Partido Republicano nasce nesse ano a 17 de Maio – tomava assim como sua herança os princípios de cidadania da gloriosa revolução de 1820 - esse grito de liberdade - abraçando o direito à sua memória futura e entre ela a exaltação da alma heróica e generosa de Manuel Fernandes Tomás.
 


Alguns anos mais tarde (Abril de 1906), a ideia de perpetuar em monumento a memória de Fernandes Tomás, “o mais ilustre espírito dos filhos da Figueira”, é abraçada fervorosamente por quatro operários figueirenses, de seus nomes: José Augusto Fernandes Talhadas, Frutuoso Abel Santos, João Maria Cardoso Pereira e João da Silva Cascão e que se constituíram em Comissão Promotora do Monumento. A angariação dos fundos necessários, através de uma lista de subscrição pública, foi bem correspondida, inclusive por contribuição dada pelo rei D. Carlos e pelo então governo.   

A primeira pedra foi colocada no monumento a 22 de Setembro de 1907, na então denominada Praça Nova. A cerimónia, que revestiu grande solenidade - perante duas mil pessoas - contou com discursos dos reputados republicanos António José de Almeida, João Pinto dos Santos, Carlos Borges, António Fontes e Mário Monteiro. Foi uma manifestação imponente ao egrégio cidadão e uma prova que o nome de Fernandes Tomás era já uma “frondosa árvore da liberdade”.

A inauguração do monumento a Manuel Fernandes Tomás só teve lugar no inolvidável e glorioso dia de 24 de Agosto de 1911. O monumento em pedra e bronze foi de autoria do escultor Fernandes de Sá. A estátua em bronze de Fernandes Tomás (de pé) assenta sobre um pedestal com uma palma em baixo-relevo esculpida na parte frontal, encimada por um friso de louros e algumas inscrições (em bronze), onde sobressai um excerto da oração fúnebre de Fernandes Tomás, de autoria de Almeida Garrett. A fundição da estátua, bem como os ornamentos para o pedestal, esteve a cargo de M. J. Pereira Caldas e contou com os préstimos do tenente-coronel José Maria Luiz de Almeida, que por ela se interessou.

A Comissão Promotora do Monumento a Manuel Fernandes Tomás trabalhou sempre generosa e esforçadamente na arrojada iniciativa, tendo organizado um programa dos festejos imponente, com apoio e acolhimento governamental, da edilidade, organizações comerciais e agremiações profissionais, sociais e culturais locais.      

O imponente cortejo cívico revestiu muito brilho e solenidade. Partindo do Salão Nobre dos Paços do Concelho, seguia à frente a Filarmónica Figueirense, o neto do homenageado, Manuel Fernandes Tomás e seus filhos, elementos do Regimento 28 de Artilharia, elementos civis e depois inúmeras associações, com os respectivos estandartes: as associações Artísticas, o Ginásio Clube, Bombeiros, Associação dos Pedreiros, Caixeiros, Carpinteiros, o Monte Pio, sócios do Centro José Falcão, fechando o cortejo a Filarmónica 10 de Agosto.

Frente à Estatua, formava, “com todo o garbo”, o Batalhão dos Voluntários com a banda dos 23, chefiado pelo capitão Girão; a Praça estava engalanada com as janelas das suas casas com colchas.

Marcaram presença na memorável cerimónia várias colectividades, como a Associação Comercial, a Cooperativa Fernandes Tomás, a Associação de Instrução Popular, o Centro Cândido dos Reis, o Grupo da Juventude Republicana Bernardino Machado, o Grémio Fernandes Tomás e o Grémio Evolução.

Usaram da palavra na patriótica homenagem, Francisco Martins Cardoso, Manuel Fernandes Tomás (neto do ilustre homenageado), Lino Pinto, Carlos Borges e Gustavo Bergstrom. À noite continuaram os festejos populares, tendo havido lugar a vários concertos e saraus associativos. O filho mais querido, ilustre e venerado da Figueira da Foz ergueu bem alto o seu nome, foi consagrado pelo povo e jamais poderá ser esquecido.

A 24 de Agosto de 1988, por iniciativa da Associação Manuel Fernandes Tomás (fundada a 12 de Janeiro de 1988) e da Câmara Municipal da Figueira, os restos mortais do insigne figueirense regressam á sua terra natal. Perante enorme multidão, a cerimónia de trasladação decorreu magnifica. A inauguração do mausoléu (que foi obra do arquitecto Nuno Oliveira) teve na presidência a figura do Presidente da República Mário Soares (tornado de imediato sócio Honorário da Associação Manuel Fernandes Tomás), tendo usado da palavra o dr. Henrique Tomás Veiga (presidente da A.M.F.T.), o Presidente da CMFF, Aguiar de Carvalho e o dr. Mário Soares. Terminou, à noite, a Homenagem a Fernandes Tomás com um Cortejo Histórico e um espectáculo de luz e som, evocando a sua vida e obra.   

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

A cinco anos da comemoração do bicentenário da revolução de 1820 e a sete do passamento do nosso insigne patrício Manuel Fernandes Tomás - a que devemos todos associarmos - cabe-nos honrar o seu exemplo de cidadania, as virtudes morais e cívicas que o adornam, prestando nessas datas todo o nosso desvelado amor para com o “zeloso defensor dos direitos e liberdades da pátria”. Assim o saibamos merecer!

Termino com as sábias palavras de Almeida Garrett: “voltai os olhos sobre os poucos Portugueses; fitai-os nestes ainda mais poucos, que o amor da pátria e das letras reuniu neste lugar

Deixo à vossa ilustrada meditação as memoráveis palavras de Garrett e digamos todos bem alto:

Honra a Manuel Fernandes Tomás!

Viva a Liberdade!

[Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto, 24 de Agosto de 2015]

FOTO de Mauro Correia, com a devida vénia | sublinhados nossos
 
J.M.M

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DO I CONGRESSO REGIONAL ALGARVIO


Foi, no agora centenário, ano de 1915, um dos mais agitados e instáveis de toda a I República, que se preparou, organizou e realizou o I Congresso Regional Algarvio, que decorreu entre os dias 3 e 7 de Setembro de 1915 na Praia da Rocha.

A realização de um Congresso era uma oportunidade de chamar a atenção dos poderes públicos e políticos sobre o Algarve, uma região, sistemática e injustamente esquecida pelo poder central. A justiça reclamada pelos algarvios prendia-se com o facto de o Algarve apresentar um saldo positivo entre receitas e despesas, contribuindo para os cofres centrais com montantes superiores aos que recebia.

O Congresso assumiu-se como uma verdadeira comissão técnica de aconselhamento dos poderes instituídos, sendo porventura uma iniciativa pioneira em Portugal, quer na forma como estruturou a sua intervenção, quer nos conteúdos abordados. Na verdade, pela primeira vez, um conjunto de personalidades afectas à elite do saber e de reconhecida competência técnica sobre as matérias essenciais ao desenvolvimento reuniu-se para reflectir sobre uma região do país e apresentar soluções de curto, médio e longo prazo para os problemas e entraves ao desenvolvimento sectorial e global do Algarve, em conformidade com um verdadeiro plano estratégico de desenvolvimento para a região. 


Deste modo, o CRA projectou uma nova era para o Algarve, subordinando as suas teses à concepção de uma região internacionalizada pelo Turismo, que ocuparia “o lugar de topo, no conjunto de actividades económicas da região”, sendo simultaneamente a actividade estruturante, agregadora e promotora das restantes actividades. O clima, a paisagem, a riqueza dos solos agrícolas e a abundância dos recursos marítimos asseguravam ao Algarve as “condições para alimentar uma indústria turística próspera contribuindo para a riqueza nacional de forma auto-sustentada.
O Congresso Regional Algarvio não teve, porém, os resultados desejados. A gravidade das várias convulsões políticas após 1915 não permitiu a implementação das ideias e das coordenadas de acção propostas pelo CRA.


No entanto, um dos principais objectivos do Congresso foi conseguido. O Algarve fora estudado por reputados especialistas das mais diversas áreas que analisaram, a agricultura, a pesca, a indústria, a rede viária e portuária, os transportes, a educação, o turismo, a fiscalidade, a exportação, o clima, o turismo, a cultura, a assistência, o analfabetismo, a saúde, a arte e demais recursos da região.

Os congressistas, para além da minuciosa caracterização da província, imprescindível para qualquer mudança estratégica, indicaram os novos rumos a seguir para um Algarve bem sucedido, com um desenvolvimento verdadeiramente sustentado e sustentável. As suas teses são fontes imprescindíveis para o conhecimento e compreensão da I República no Algarve e da sua relação com o país, pelo que o seu estudo abre novas pistas de análise para múltiplas investigações sobre o nosso destino colectivo enquanto região.

Que a celebração do Centenário do CRA, seja efectivamente útil no esclarecimento do nosso devir histórico e colectivo. 

Como seria o Algarve, se estas teses não tivessem caído no esquecimento?

Como seria o Algarve, se estas teses tivessem sido lidas e aproveitadas pelas gerações vindouras?

MJRD [Maria João Raminhos Duarte]

Com o nosso agradecimento pela autorização de publicação do texto que pode ser encontrado AQUI.
A selecção da imagem e os destaques do texto são da nossa autoria.

A.A.B.M.

AGOSTINHO LÚCIO DA SILVA (PARTE II)

Em 1887 solicitou um esclarecimento à Sociedade de Geografia para indicar a longitude de Lisboa pelos observatórios de Paris e Greenwich.
Participou de forma activa no 1º Congresso Agrícola, realizado em Lisboa, em Fevereiro de 1888[1].

Desempenhou as funções de subchefe dos serviços de saúde dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste desde 1890, tendo mais tarde ascendido a chefe, e, foi também subdelegado de saúde em Lisboa desde 1885.
Integrou os órgãos sociais do Banco do Povo, em 1889 e 1890, como elemento do Conselho Fiscal do referido banco.

Participou no Congresso Internacional de Medicina que se realizou em Lisboa entre 19 e 26 de Abril de 1906, na VII secção de Psiquiatria, Neurologia e Antropologia Criminal[2].
Participou no 2º Congresso Internacional de Higiene Escolar, realizado em 1908. Em Fevereiro de 1910 acompanhou Teixeira de Sousa na sua visita política ao Algarve, tendo sido um dos elementos convidados a participar num restrito jantar de homenagem ao chefe do Partido Regenerador, que se realizou em casa do Conde do Cabo de Santa Maria AQUI .

 Com a mudança de regime, em 1910 afastou-se da vida política e profissionalmente sentiu alguns dissabores, pois em 26 de Janeiro de 1911, durante o ministério de José Relvas, foi demitido das funções de médico da Inspecção-geral dos Impostos.
Apresentou, durante o Congresso Regional Algarvio, a teste Estradas que também foi publicada nessa época. [Curiosamente, a Gazeta dos Caminhos de Ferro, 50 anos mais tarde recordava o congresso AQUI].

Foi também um dos presidentes da mesa de honra da Comissão do Centenário da Escola Médico-Cirúrgica, porque nessa época era o decano dos médicos formados nessa escola.
Foi um colaborador regular do Diário de Notícias sobre assuntos ligados à sua actividade como médico. Colaborou também no Jornal da Sociedade de Ciências Médicas, Correio Médico e em outros periódicos sobre assuntos da sua área profissional. Desde 1884 até 1919 foi médico-adjunto da Penitenciária de Lisboa, mas segundo afirmava a imprensa da época, reformou-se como médico da Penitenciária de Lisboa, devido a problemas políticos.

Os seus filhos eram a sra. D. Luísa Félix e Silva Fialho e o engenheiro agrónomo Filipe Félix e Silva que viveu durante muitos anos em África.

Bibliografia activa:
Introdução ao estudo da química elementar, 1868.
Ovariotomia, sua importância cirúrgica (Tese apresentada à Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa), 1871.
Resultados sobre a Epidemia de Tifo do Cadaval, 1873.
A Tuberculose na Penitenciária Central, 1888.
Estradas, Lisboa, 1915 [Tese apresentada ao Congresso Regional Algarvio].

Faleceu em Lisboa em 19 de Abril de 1926, com 84 anos.

Esta é sem dúvida uma das personalidades ainda por descobrir nas suas várias vertentes e que merece um estudo mais aprofundado. não só como político e deputado ao longo de muitos anos pelo Partido Regenerador, como também pela sua actividade clínica em Lisboa, o combate contra a tuberculose e outras doenças. Encontram-se alguns trabalhos científicos com referência ao seu papel mas de forma esporádica AQUI e AQUI, mas muito haverá certamente a descobrir e a dar a conhecer. Foi também um dos homens que esteve presente no Congresso Regional Algarvio de 1915, onde apresentou tese, como se referiu acima, mas pertenceu ao núcleo dos organizadores do evento. Permitam-me também referir que no verbete que lhe é dedicado no Dicionário Biográfico Parlamentar. 1834-1910. Vol. III (N-Z), coord. Maria Filomena Mónica, col. Parlamento, Imprensa de Ciências Sociais/Assembleia da República, Lisboa, 2006, elaborado por Filipa Ribeiro da Silva e por Paula Cristina Costa, p. 643-645, se apresenta omisso em relação a muitos destes elementos biográficos que aqui reunimos e apresentamos a todos os interessados, embora bastante detalhado naquilo que era o cerne da sua pesquisa, a actividade parlamentar de Agostinho Lúcio da Silva.




[1] Actas das Sessões do Primeiro Congresso Agrícola celebrado em Lisboa em Fevereiro de 1888, Lisboa, Imprensa Nacional, 1888, p. 70.
[2]  La Gazette Medicale do Centre, Tours,  01-07-1904, p.264-266.

A.A.B.M.

CENTENÁRIO DO CONGRESSO REGIONAL ALGARVIO (1915-2015)




Através da revista Ilustração Portuguesa, podemos encontrar algumas imagens da época AQUI que ilustram os acontecimentos que tiveram lugar em Portimão, no início do mês de Setembro de 1915. 

Pena que a fotografia não fosse um processo tão fácil como hoje, para haver muito mais testemunhos dos acontecimentos. Eles certamente existem mas guardados algures onde não se consegue chegar com facilidade. Ficam alguns registos para a posteridade assinalando o centenário do acontecimento.

A.A.B.M.

domingo, 23 de agosto de 2015

CENTENÁRIO DO CONGRESSO REGIONAL ALGARVIO (1915-2015)

Uma imagem, com fotografia da Praia dos Três Ursos, assinalando o 1º Congresso Regional Algarvio e a data do evento, 3, 4 e 5 de Setembro de 1915.

Desconhece-se a autoria.

A.A.B.M.

FIGUEIRA DA FOZ - DIA 24 DE AGOSTO – HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS

 

FIGUEIRA DA FOZ  - HOMENAGEM a Manuel Fernandes Tomás e à Revolução Liberal de 1820

DIA: 24 de Agosto (18 horas);
LOCAL: Praça 8 de Maio;


PROGRAMA GERAL:

18,00 Horas – Cerimónia Oficial de Homenagem a Manuel Fernandes Tomás, junto à sua estatua, na Praça 8 de Maio [Figueira da Foz]:

- Deposição de uma Coroa de Flores junto ao túmulo, em homenagem a Manuel Fernandes Tomás


INTERVENÇÕES:

  • Presidente da Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto;
  • Presidente da Associação Manuel Fernandes Tomás;
  • Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Dr. João Ataíde. 

ORGANIZAÇÃO – Câmara Municipal da Figueira da Foz, Associação Manuel Fernandes Tomás e Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto

J.M.M.

DINIZ DA LUZ, RETRATO INCOMPLETO DE UM MICAELENSE COMPLETO


Diniz da Luz, Retrato Incompleto de um Micaelense Completo” – por António Valdemar, in Correio dos Açores

“Torrentes da memória a propósito do jornalista, do poeta, do colega e do amigo, a um mês do centenário do nascimento, onde voltará a ser homenageado. Pelo menos, na sua ilha e na sua terra

Conheci imensas pessoas mas dificilmente encontrei alguém como Diniz da Luz. Fumava, vorazmente, quatro ou cinco maços de cigarros. Julgo que excedia o Cardeal António Ribeiro ou o arquitecto Siza Vieira. Bebia cerca de trinta cafés, por dia. Também suplantava o escritor Ferreira de Castro. Os que assistiam, a seu lado, a um desafio de futebol, e se o Benfica tivesse algum azar, ouviam-no proferir os maiores palavrões contra o adversário. Ultrapassavam o recenseamento e as notas de Carolina Michaelis dos Autos de Gil Vicente e das Cantigas de Escárnio e Maldizer. Assemelhava-se ao pior e melhor da irrupção sarcástica e satírica de outro padre, José Agostinho de Macedo, miguelista ferrenho contra os liberais, autor dos Burros, da Besta Esfolada e da Tripa Virada.

Conheci, pessoalmente, em São Miguel, Diniz da Luz, cujo centenário do nascimento, decorrerá, a 8 de Setembro e voltará a ser homenageado. Pelo menos na sua terra e na sua ilha. Apresentou-nos Silva Júnior, no antigo Bureau de Turismo, um dos locais históricos de Ponta Delgada, onde chegavam jornais e revistas portugueses e estrangeiros, que nos traziam os sinais do mundo. Foi ainda num tempo em que tudo permanecia muito mais longe.

Radicava-me, pouco depois, em Lisboa (com a ilha dentro de mim) e víamo-nos, todos os dias e até várias vezes por dia. Na mesma rua, uma das fonteiras do Chiado e do Bairro Alto, berço e túmulo de tantos jornais. Ele trabalhava n’A Voz e eu no República. Todavia, as diferenças políticas e religiosas não representavam qualquer obstáculo a um convívio aberto e assíduo. Diniz da Luz entrara para A Voz, diário católico e monárquico, ainda dirigido por Fernando de Sousa o mais feroz e sistemático adversário da Maçonaria, e continuado por Pedro Correia Marques, também católico e monárquico, e ainda mais; apoiante do 28 de Maio, da ditadura militar de Gomes da Costa e da ditadura de Salazar. Requisitado à diocese de Angra, esteve no quadro d’A Voz de Janeiro de 1940 até fins de 1970. Não estava sujeito a trabalhos de agenda, nem lhe pediam textos de opinião política. Limitava-se à informação religiosa, mas com os condicionalismos de um jornal ligado ao que havia de mais conservador e comprometido com o salazarismo.

As posições frontais de Diniz da Luz causaram-lhe dissabores profissionais. Durante a Guerra apoiou a causa dos aliados. Terminada a guerra, o rei Jorge VI, da Inglaterra, atribuiu a Diniz da Luz uma condecoração. O rei Leopoldo II da Bélgica também o agraciou. Foi um ativo militante contra Hitler, o nazismo e o fascismo.

Logo que foi anunciado o Vaticano II, Diniz da Luz, embora se mantivesse como redator d’A Voz, passou a escrever artigos de opinião no Diário Popular, acerca das mudanças operadas pelo Concilio na estrutura tridentina da igreja. No seu jornal teriam de ser «amputados em questões fundamentais». «Bastam – disse-me várias vezes – as picardias habituais da Censura».

Encontrávamos-nos na Bertrand e, ao fim da tarde, na mesma leitaria. Recusava a Brasileira. Outras vezes, no Rossio, na Mónaco, à procura de jornais estrangeiros. Tínhamos amigos comuns. Dizíamos mal do Salazar e do salazarismo. Eramos controlados pela PIDE, na própria redação. Ele n’A Voz e eu, pouco depois, no Diário de Noticias e n’A Capital. (Fui notificado, com outros colegas, pela Comissão de Extinção da PIDE e interrogado pelo capitão António Pardal, por causa das denuncias de informadores que eram jornalistas, seguiam os nossos passos e escutavam as nossas conversas. Um dos denunciantes espiou Diniz da Luz, desde o primeiro até ao último dia em que trabalhou n’A Voz e exerceu altos cargos no Sindicato dos jornalistas).

Para todos nós, Diniz da Luz constituía uma das referências emblemáticas dos Açores, onde se destacava a figura tutelar de Vitorino Nemésio. Se bem me lembro – há mais de 50 anos – existiam outros açorianos em jornais e revistas: Rebelo de Bettencourt, amigo próximo de Fernando Pessoa, de Almada Negreiros e de Aquilino Ribeiro, na Gazeta dos Caminhos de Ferro, na revista Viagem e correspondente do Diário dos Açores; Jaime Brasil, a chefiar a redação do Primeiro de Janeiro em Lisboa, após a aposentação de Pinto Quartim (tive a honra de lhes suceder durante 12 anos). Num dos jornais mais antigos, o Portugal Madeira e Açores, trabalhava Breno de Vasconcelos, genealogista empenhado, que principiara no Correio dos Açores – suponho que depois de José Bruno – com Manuel Ferreira, Salomão Adrahy, Dias Júnior e Cícero de Medeiros.

Estavam ligados ao Diário da Manhã, A Voz, ao SNI e à agência ANI, Dutra Faria e Ramiro Valadão. Vinham do jornal e do partido de Rolão Preto. Foram sustentáculos indefetíveis do salazarismo e do marcelismo. Foram fundadores do Diário Popular, dirigido por António Tinoco, neto de Charles Lepierre e com raízes açorianas. No entanto, Tinoco e António Pedro derivaram para a oposição como, aliás, o próprio Rolão Preto.

O Século, entre os seus fundadores, na década de 80, do século XIX, além de Magalhães Lima e outros pilares do regime republicano, teve a participação de António Furtado, irmão do cientista Francisco Arruda Furtado, o único português que se relacionou com Darwin. Contou, muitos anos, com o profissionalismo de Raposo de Oliveira, que havia sido, na transição da monarquia para a Republica, um dos redatores parlamentares da época áurea d’A Lucta de Brito Camacho, historiada no mesmo livro por Ferreira de Mira e Aquilino Ribeiro.

Nos meus verdes anos de Lisboa, recordo-me n’O Seculo de Geraldo Soares, natural do Pico, colecionador de livros, apaixonado de Natália Correia, até ao delírio. Remédios de Bettencourt, chefiava a seção internacional. Agostinho Vieira de Areia Remédios de Bettencourt, de seu nome completo – como se escrevia em algumas necrologias de luxo – natural da Terceira, também era tradutor dos Livros do Brasil onde assinava Vieira d’Areia.

Entre todos, Diniz da Luz distinguia-se por várias singularidades. Era jornalista e padre, mais jornalista do que padre e, fundamentalmente, pelo seu açorianismo irredutível. Ele próprio se definia: «Em Lisboa sou dos Açores, nos Açores sou de S. Miguel; em São Miguel sou do Nordeste; no Nordeste sou do Nordestino. E no Nordestino sou do Burguete». Na reta final, ao sentir-se sem amigos mesmo à porta de casa, acrescentava: «no Burguete – ai de mim! – sou … de Lisboa que me não sai do pensamento, nem nos sonhos de cada noite. Em Lisboa vivi a minha vida, quase trinta e um anos, pelo que me apetece voltar ao princípio. No Burguete sou de Lisboa».

Observava ainda: «Podia escrever: Porque me orgulho de ser Açoriano. Porém, o que tenho passado por doença e sem família, fez estremecer essa ideia, embora as terras não tenham culpa dos males dos seus filhos. Mas tinha tempo para respirar e ver o Benfica. O cargo anedótico de Cônsul Geral dos Açores tirava-me o sono e o melhor das folgas de tempo útil. Orgulho-me – concluía – de uma coisa: nunca deixei de receber um açoriano ou o fiz esperar. Nunca fui dos açorianos encobertos em Lisboa».

Mas Diniz da Luz era também arisco e refratário às receções e conveniências mundanas. Habituara-se a uma modéstia excessiva. Morava no Rossio, num quarto alugado, de uma velha pensão, onde chovia de Inverno. Almoçava e jantava na cantina da Guarda Republicana, no quartel do Carmo. Tomava o pequeno-almoço no café Gelo quando ainda não estavam os surrealistas. Exatamente o contrario do Padre Moreira das Neves, chefe de redação do jornal as Novidades, órgão do episcopado, outro amigo excelente de muitos anos, de convívio também quase diário, ao almoço, no mesmo restaurante, próximo da redação do Novidades e do Hospital de Santa Marta. Homem de confiança absoluta do Patriarca e dos sucessivos Núncios Apostólicos, Moreira das Neves era autor de muitos textos que saíram com a assinatura do Cardeal Cerejeira. Precursor de Tolentino da Nóbrega, Moreira das Neves, celebrava batizados, casamentos funerais de pessoas importantes. Também era capelão do Visconde do Botelho.
 
 

Por seu turno, Diniz da Luz era capelão de António Medeiros de Almeida que residia muito perto da minha antiga casa, na rua Barata Salgueiro. De manhã, muitas vezes com o ar mais desconsolado do mundo, surpreendia o vulto esguio e trepidante de Diniz da Luz:

«Você não pode calcular» – gritava-me a esbracejar - «o que é dizer missa, todos os dias, com a capela vazia. Não dá tusa nenhuma. O motorista ajuda a missa. Peço-lhe para trazer ao menos a mulher. Responde-me. Só pode ser ao domingo…». «E não há vizinhos para virem à missa? Perguntei-lhe: «Ao domingo vão a outras missas. Até para casa do Visconde Botelho. Ficam deliciados com o Moreira das Neves» …

Foi numa destas manhãs de Lisboa, enquanto eu avançava para o Diário de Noticias, na esquina da rua Barata Salgueiro para o a Avenida da Liberdade (seria, anos depois, a sede do Banco Espírito Santo) que vi Diniz da Luz, depois de celebrar missa, eufórico com o volume da Antologia da Poesia Erótica e Satírica de Natália Correia, já apreendido pela Pide e pela Censura.

«Então que tal? Com um riso luciferino exclamou: – Está aqui tudo. Ofereceu-me com esta dedicatória que você não tem. Sou amigo e admirador da Natália desde que vim para Lisboa. Estou com a Antologia a atualizar o vocabulário para quando as coisas correrem mal ao Benfica…»

Riu. Riu muito. Rimos os dois. Muitíssimo.

Agora, lembro-me, de súbito, da última visita que lhe fiz em São Miguel. Mantinha a palavra rebelde e solta. Como sempre. Mas as frases, de vez em quando, não tinham sentido. Nenhum de nós se riu. Como era costume.

Estava outro. Irreconhecível. Quase um fantasma. Quase como as hortenses na antiga estrada para o Nordeste, na voragem galopante do Outono para o Inverno. Tristemente desbotadas, envelhecidas, exaustas da cor, da explosão de cor que derramaram. Esgotara-se a exuberância, a energia, o viço que Diniz da Luz exaltara na Ponta da Madrugada: «pingos de céu e mar que a terra/ troca em onda de azul que não se perde/nem ao bater de encontro às serranias».

Ao aproximar-se o centenário do nascimento, não consigo afastar a imagem de Diniz da Luz, tal qual o conheci, anos e anos seguidos, igual a si próprio como jornalista, como poeta, como amigo, 25 horas por dia açoriano, voz irreprimível de São Miguel, do Nordeste, do Nordestino e do Burguete, dividido entre a rotina e as solicitações de Lisboa e a presença dominadora do Pico da Vara e, sobretudo, do horizonte vivido e sentido no alto das rochas abertas para o mistério e fascínio do mar absoluto.

[NOTA: nasceu Diniz da Luz a 8 de Setembro de 1915 em S. Pedro Nordestino (S. Miguel), frequentou o seminário em Angra, foi ordenado sacerdote em 1938, trabalhou como prefeito num colégio de Ponta Delgada; foi jornalista, poeta, cronista, ensaísta … e morre a 20 de Dezembro de 1988]







Diniz da Luz, Retrato Incompleto de um Micaelense Completo – por António Valdemar [Jornalista, carteira profissional nº24], jornal Correio dos Açores, 19 de Agosto de 2015, p.16 – com sublinhados nossos.
 
J.M.M.