quinta-feira, 17 de junho de 2021

A MAÇONARIA AO VAL. DE ÂNCORA E A LOJA VEDETA DO NORTE (1903-1929)

 


LIVRO: A Maçonaria ao Val. de Âncora e a Loja Vedeta do Norte (1903-1929);
AUTOR: Paulo Torres Bento (pref. de António Ventura)      
EDIÇÃO: Centro Social e Cultural de Vila Praia de Âncora | Câmara Municipal de Caminha, Junho de 2021

«O estudo da História da Maçonaria enfrenta algumas dificuldades, a principal das quais é a carência de documentos, que pode ser minimizada com recurso a outro tipo de fontes artísticas, iconográficas e até, para épocas mais próximas, de depoimentos orais, mau grado o seu subjectivismo. Os documentos são um ponto de partida fundamental, embora careçam da necessária análise crítica. No que concerne à Maçonaria em Portugal, as fontes são escassas para o século XVIII, praticamente limitadas aos processos do Santo Ofício, isto é, aos textos produzidos por urna instituição persecutória, mas que preservou, para fins processuais, depoimentos, testemunhos e a até a transcrição de documentos incriminatórios. No século XIX, embora com maior abundância documental, ela está condicionada pelo carácter efémero de Lojas e Obediências, que surgiam e desapareciam com uma frequência inusitada, ostentando por vezes o mesmo título distintivo, o que alimenta a confusão. Essa volatilidade prejudicou a preservação dos seus arquivos, sujeitos a destruições voluntárias, por razões de segurança, em momentos de perseguição, por simples eliminação de papéis considerados inúteis, ou resultantes de actos vandálicos, como o assalto ao Palácio Maçónico ocorrido em Dezembro de 1918. Nesta incursão, verdadeiramente catastrófica, pereceu documentação preciosa pertencente a Obediências maçónicas portuguesas do século XIX, livros de actas, de tomadas de posse de dignitários e correspondência da Confederação Maçónica Portuguesa, do Grande Oriente Português, do Grande Oriente Lusitano, Grande Oriente Lusitano Unido, e também de Lojas cujos arquivos eram guardados no edifício. Foi uma perda irreparável, dado o carácter único dessas fontes. Na sua maior parte, tratava-se de documentação central, isto é, produzida pelos órgãos dirigentes da Maçonaria – livros de actas, decretos, circulares, cópias de correspondência para as Lojas e para Obediências estrangeiras e também toda a correspondência recebida das Oficinas. Paralelamente, cada Loja tinha o seu próprio arquivo, com as actas das sessões dos diferentes graus, contas, correspondência recebida, copiadores da expedida, legislação e processos de iniciação. Para um estudo mais completo, o ideal seria cruzar os materiais existentes no arquivo central com os do arquivo da Loja, o que permitiria um estudo mais detalhado e eficaz da História da Maçonaria, nomeadamente a nível local, mas também, como sucede no presente trabalho de Paulo Torres Bento, recorrer aos arquivos públicos e privados, familiares, de instituições como câmaras municipais, misericórdias, associações sindicais, religiosas, políticas, desportivas, mutualistas, de bombeiros, de beneficência, recreativas e culturais, sem esquecer a imprensa periódica.

Não posso deixar de sublinhar a importância dos estudos regionais e locais no âmbito da historiografia em geral. Incidindo sobre um objecto circunscrito, geográfica e cronologicamente, permitem um aprofundamento muito profícuo […]



O presente trabalho de Paulo Torres Bento insere-se, assim, no quadro de outros que têm surgido sobre a Maçonaria numa determinada localidade ou região, com a vantagem de se basear num fundo documental precioso, o arquivo da Loja Vedeta do Norte nº 384 - número de ordem das Oficinas do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa – de Âncora, que felizmente foi preservado e chegou aos nossos dias. O autor completa a sua investigação com a recolha de informações complementares, nomeadamente dados biográficos que permitem traçar um quadro mais preciso dos membros da Maçonaria local, sua caracterização social […]

[António Ventura, in Prefácio, pp. 7-8 – sublinhados nossos]

► “Pesquisando desde há quase duas décadas a história contemporânea do concelho de Caminha, nomeadamente o período da Primeira República, foi-nos dada a certa altura a oportunidade de conhecer o espólio da Loja Vedeta do Norte, uma Oficina maçónica que esteve ativa ao Val. de Âncora entre 1915 e 1929, evolução de um Triângulo formado no ano anterior e, como entretanto apurámos, sucessora distante de outro Triângulo que esteve ativo na Praia de Âncora entre 1903-1905.

Devemos este raro privilégio — mais valioso por se tratar de uma sociedade conhecida por saber preservar o segredo — à generosidade e confiança do nosso amigo João Morais Cabral, rigoroso arquivista da documentação herdada de seu pai, João de Barros Morais Cabral, último dos Obreiros da Loja ancorense e seu fiel guardião quando as trevas do fascismo caíram sobre a Maçonaria portuguesa.

Com um estudo ainda incompleto, apresentámos publicamente os primeiros resultados da nossa pesquisa numa conferência subordinada ao título A Maçonaria e a Loja ancorense Vedeta do Norte, que se realizou no dia 16 de novembro de 2018, no Salão Nobre do Cineteatro da Associação Humanitária dos Bombeiros de Vila Praia de Âncora, no âmbito do evento Do Armistício da Grande Guerra ao Assassinato de Sidónio Pais, organizado pela Câmara Municipal de Caminha, o Agrupamento de Escolas Sidónio Pais e a União de Freguesias de Caminha e Vilarelho. Posteriormente, desta vez limitados pelo âmbito cronológico, inserimos parte da história da Vedeta no nosso livro República em Tumulto. O concelho de Caminha nos anos da Grande Guerra, de Sidónio Monarquia do Norte e da Pneumónica (1914-1919), editado em 2019 pelo Jornal Digital Caminh@2000. Desde então, tivemos acesso a novos documentos do espólio entretanto aparecidos, que vieram preencher alguns hiatos documentais que subsistiam, e, graças à cooperação do Professor Doutor António Ventura, historiador da Maçonaria portuguesa — cuja obra seguimos muito de perto para contextualizar o nosso estudo de caso — e, com a ajuda da Helena Coelho Serpa, responsável pelo Arquivo do Grémio Lusitano, foi-nos dado o ensejo de consultar os registos da Loja ancorense aí existentes, escassos mas preciosos.


Chegou agora o tempo de devolver a Vila Praia de Âncora e ao concelho de Caminha, aos ancorenses e caminhenses do presente, todo o conhecimento acumulado e interpretado com o necessário rigor histórico sobre uma parte tão importante e menos conhecida do seu passado recente. Em simultâneo, desvendando uma documentação assaz completa de uma Loja maçónica e da presença da sociedade iniciática no Alto Minho, procurar contribuir para a mais ampla história da Maçonaria portuguesa e da nossa contemporaneidade […]   

[Paulo Torres Bento, maio de 2021, in Prefácio, pp. 11-12 - – sublinhados nossos]

J.M.M.

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