quinta-feira, 29 de julho de 2021

PORTUGAL NÃO FEZ O LUTO DOS CAPITÃES DE ABRIL

 


Portugal não fez o luto dos capitães de Abril – por Amilcar Correia, in Público

Otelo, Melo Antunes e Salgueiro Maia não foram tratados em vida nem na morte com a importância do papel que desempenharam

Otelo Saraiva de Carvalho, Ernesto Melo Antunes e Salgueiro Maia não tiveram as devidas homenagens do Estado na hora da morte. O cérebro, o ideólogo e o protagonista da Revolução dos Cravos não foram merecedores de luto nacional por diferentes razões. O primeiro não as teve porque os dois anteriores também não as tiveram. Salgueiro Maia morreu a 3 de Abril de 1992. 0 primeiro-ministro era Cavaco Silva e Mário Soares ocupava Belém. Melo Antunes morreu a 10 de Agosto de 1999. 0 primeiro-ministro chamava-se António Guterres e em Belém estava Sampaio.

Há 29 anos, Cavaco concedeu aos inspectores da PIDE/DGS António Augusto Bernardo e Óscar Cardoso uma pensão por "serviços excepcionais e relevantes", a mesma que recusara três anos antes a Salgueiro Maia. Há 22 anos, Guterres não fez melhor pelo legado de Melo Antunes, o mais moderado do Grupo dos Nove e um dos rostos do 25 de Novembro. A morte de Melo Antunes terá feito jurisprudência e servido de desculpa para a vergonha e distanciamento com que alguma da classe política foi lidando com a memória revolucionária do 25 de Abril.

António Costa seguiu os exemplos de Cavaco e de Guterres. Dizer que este é o momento de todo o país se reconciliar com o "coronel Otelo" não passa de um eufemismo esfarrapado para escapar por entre os pingos da chuva do debate que Manuel Alegre iniciou. Nesta fase do campeonato, o último desejo de António Costa era ser crucificado por dar honras de Estado a um homem cujo percurso paradoxal tinha no currículo o comando do golpe que acabou com 48 anos de ditadura.

Como quem decreta o luto nacional é o Governo e não o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa pôde titubear a seu bel-prazer: "Olhando para irás, é pena que [os três] não tenham merecido [o luto nacional]."

O primeiro-ministro fez o mesmo: "O Estado tem de ter critérios consistentes e coerentes." Olhando para trás, a lista de vultos homenageados com a declaração de luto nacional tem uma coerência sui generis, pois tanto inclui a irmã Lúcia ou a José Policarpo, como Hassan II de Marrocos ou o imperador Hirohito do Japão. Não vale a pena recuar à lista da velha senhora à procura de mais coerência.

Otelo, Melo Antunes e Salgueiro Maia não ganharam nada com o que fizeram. Não foram tratados em vida, nem na morte com a importância do papel que desempenharam. Nem dentro dos quartéis (onde teriam tido uma carreira mais medalhada, caso tivessem continuado a alimentar a guerra colonial, nem fora deles.) É ingrato.

Portugal não fez o luto dos capitães de Abril – por Amilcar Correia, in Público, 29 de Julho de 2021, p.4, com a devida vénia – sublinhados nossos.

J.M.M.

1 comentário:

António Ladrilhador disse...

"O primeiro não as teve porque os dois anteriores também não as tiveram": não acredito. Os outros dois não tiveram, não sei porquê, porque uma homenagem seria, sem dúvida, merecida. Quanto a Otelo Saraiva de Carvalho penso que havia boas razões objetivas para, sem desprimor pela obra feita, não o enaltecer - quanto mais não fosse, pelo custo político de tal iniciativa.
Convido-o a ler em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/otelo-o-espinho-que-nem-morte-arrancou.html o que sobre o assunto refleti.