LIVRO:
Editor Contra – Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite;
AUTOR: Pedro Piedade Marques;
EDITORA: Montag, 2015, p. 360.
AUTOR: Pedro Piedade Marques;
EDITORA: Montag, 2015, p. 360.
► “Fernando Ribeiro de Mello (1941-1992) foi, com a sua Afrodite, o editor “maldito”
por excelência na última década do Estado Novo, combatendo a perseguição
policial e a censura com um arrojo contínuo que lhe valeu proibições e
condenações. Esteve contra, e esteve-o com uma coragem ímpar. Mas quando
atravessou o espelho para o “outro lado”, para um Portugal livre de censura,
descobriu que manter-se “contra” nas águas revoltas dos anos
pós-revolucionários era um objectivo demasiado complexo. Este é o primeiro
livro que lhe é dedicado.
Do salão em casa de Natália Correia aos cafés do momento e ao inevitável Botequim, das sessões "escandalosas" de poesia à mais famosa banheira da "primavera marcelista" e ao lugar de jurado mais odiado do mais bizarro concurso da história da RTP, da fortuna feita com livros notáveis, grande parte deles proibidos e vendidos a preços proibitivos, à falência e ao esquecimento.
Contém textos inéditos e depoimentos de Vitor Silva Tavares, Aníbal Fernandes, Eduardo Batarda e Nuno Amorim, três cartas inéditas de Luiz Pacheco e o texto do folheto polemista As Avelãs do Cesariny. Rigorosamente documentado e profusamente ilustrado”. [AQUI]
► “Se há alguém que conhece bem a censura, os seus mecanismos e perversidades,
é Fernando Ribeiro de Mello. Logo no primeiro ano de actividade da Afrodite,
entre 1965 e 1966, vê seis livros serem proibidos, perseguidos, levados a
tribunal. O regime não estava preparado para o desassombro de um editor que
começou por publicar um clássico do erotismo oriental (o Kama Sutra),
para logo depois se abalançar a uma notável Antologia de Poesia Portuguesa
Erótica e Satírica, organizada por Natália Correia, bem como a obras
malditas: de Sade (A Filosofia na Alcova) a Sacher Masoch (A Vénus de
Kazabaïka). Era, no fundo, a confirmação da aura de enfant terrible
que lhe fora colada logo em 1963, quando chegou do Porto, com apenas 22 anos, e
se deu a conhecer, com estrondo, no meio literário lisboeta.
Aspirante a declamador de poesia, Ribeiro de Mello organizou nessa altura um recital na Sociedade Nacional de Belas Artes com um pressuposto, digamos, peculiar.
Numa espécie de prova cega, a que chamou «O Teste», ele e a actriz Isabel de
Castro iam lendo poemas aos pares, sem revelar a autoria dos mesmos. No fim de
cada leitura, voluntários com cronómetros mediam a duração dos aplausos que a
plateia dispensava a cada texto. O objectivo era evidente: mostrar que, ao
dissociar-se os versos de quem os fez (e do peso correspondente ao prestígio do
autor), se obteria um julgamento estético mais livre. Para surpresa de muitos,
os poetas modernistas e surrealistas, considerados mais difíceis para o público
em geral, obtiveram uma aclamação bastante superior à que foi reservada aos
neo-realistas. Seguiram-se semanas de protestos, indignação e polémicas nos
jornais, incluindo um violento duelo verbal entre o novato Ribeiro de Mello e
Francisco Sousa Tavares, que levou a peito o facto de Sophia de Mello Breyner
Andresen, sua mulher, ter recebido menos aplausos do que Natércia Freire.
Estes dois momentos do percurso de Fernando Ribeiro de Mello são amplamente descritos e analisados em Editor Contra, o livro com que Pedro Piedade Marques decidiu resgatar do esquecimento um dos agentes culturais mais singulares da segunda metade do século XX português. Singular e atípico, em muitos sentidos. Se a Afrodite, na última década do Estado Novo, foi um exemplo de desafio subversivo à lógica do regime, depois do 25 de Abril continuou a funcionar em contra-corrente.
O editor que teve a coragem de publicar o que antes não era permitido, por
ser considerado atentatório da moral e dos bons costumes, viu-se num dilema
quando a liberdade fez desaparecer todas as limitações. Moveu-se então no
sentido contrário, dando à estampa, em pleno PREC e nos anos seguintes, obras
de teor anti-comunista, panfletos de direita e até uma edição de Mein Kampf.
Era o princípio do fim para um homem que se opôs sempre aos poderes
instituídos, que nunca deixou de ser intransigentemente «do contra». Ora a
intransigência, como é sabido, tem os seus custos. A partir dos anos 80, a
Afrodite entra em decadência, naufraga em dívidas, enquanto o editor acaba
falido, incompatibilizado com quase toda a gente e, depois da sua morte precoce
(aos 50 anos), esquecido”
J.M.M.
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