sexta-feira, 6 de outubro de 2017

IN MEMORIAM DE ANTÓNIO DE MACEDO [1931-2017]


"Portugal é um país, por enquanto, oculto. Aliás Lima de Freitas chama a atenção para o facto de os mitos mais proeminentes da mitogenia portuguesa [os “mitolusismos”] não serem referidos nem pelo René Guénon nem pelo Mircea Eliade, que viveu em Lisboa e deu aulas cá, e ele cita outros; eles citam o mito do imperador que há-de regressar, citam o mito do Encoberto, citam o mito do Prestes João e nunca citam Portugal, além de não referirem o Sebastianismo quando se referem ao mito do Encoberto. Portugal é um um país que, por qualquer razão misteriosa, não existe e tem de se manter oculto” [António Macedo in revista Lusophia, nº44, Setembro 2003]


António de Macedo nasce em Lisboa a 5 de Julho de 1931, curiosamente na rua da Rosa (nº9), no mesmo prédio onde nasceu Camilo Castelo Branco [revista Lusophia, nº 44, ibidem]. Depois de fazer os seus estudos secundários ingressa na Faculdade de Letras da Universidade Clássica e, posteriormente, segue para a Escola Superior de Belas Artes, onde se formou (1958) em arquitectura.

Durante oito anos (1958-1964) exerce a profissão na Câmara Municipal de Lisboa. Funda, em 1958, com o escritor Manuel de Seabra e Carlos Gama, a curiosa editora “Clube Bibliográfico Editex” [sediada em Lisboa, na rua do Fala-Só], que persiste durante três anos. Nesse período, de jovem arquicteto, realiza os seus primeiros filmes [“Ode Triunfal”, “Verão Coincidente” (1962 – filme inspirado num poema de Maria Teresa Horta), “Nicotiana” (1963)]. Publica, ainda, os seus primeiros livros – “Evolução Estética do Cinema” (1959), “Da Essência da Libertação” (1961). Abandona em 1964 o seu lugar na Câmara Municipal para se dedicar a tempo inteiro à actividade de cineasta, escritor e professor.

Foi o primeiro a ir a Veneza, o primeiro a estar em Cannes, o primeiro a filmar um nu integral, a usar jazz e eletrónica; é o único cineasta com obra contínua no campo do fantástico e ninguém sabe, ninguém se lembra” [João MonteiroAQUI]

A sua extensa actividade de cineasta, com “cerca de uma dezena de longas-metragens e quase meia centena de curtas-metragens”, de forte pendor experimental, inclui longa-metragens e alguns dos nossos melhores documentários e filmes de intervenção sociopolítica. António de Macedo, injustamente esquecido, foi, de facto, um vanguardista, um esteta militante e integra, seguramente, a historiografia do “novo cinema português”.




Refira-se, de entre as suas obras: “Domingo à Tarde” (1965, versão do livro de Fernando Namora), “Sete Balas para Selma” (documentário de 1967, com poemas de Alexandre O´Neill e musica do saudoso Quinteto Académico), “Almada-Negreiros Vivo Hoje” (1969), “Nojo aos Cães” (1970 – filme que retrata manifestações académicas, em versão Maio de 1968, e rapidamente proibido pela censura fascista), “A Promessa” (1972, de Bernardo Santareno), “O Principio da Sabedoria” (1975 – longa-metragem que marca definitivamente o seu momento de viragem para o misticismo especulativo), “As Horas de Maria” (1976 – filme polémico que sofreu duras críticas da Igreja Católica), “O Príncipe com Orelhas de Burro” (1978- adaptação do romance de José Régio). “Os Abismo da Meia-Noite” (1983), “Fernando Lanhas. Os Sete Rostos” (1988), “A Maldição de Marialva” (1989), “Chá Forte com Limão” (1993). Foi homenageado pelo XXX Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz (2001), “pela relevância da sua carreira e pelo contributo prestado à cultura cinematográfica portuguesa”. A Cinemateca Nacional realizou uma restrospectiva da sua obra fílmica, em 2012, publicando um copioso e curioso catálogo. Nesse mesmo ano foi-lhe atribuído o prémio “Sophia”, atribuído pela Academia Portuguesa de Cinema. Em 2013, o Fantasporto prestou-lhe uma dedicada e justa homenagem.  

António de Macedo, a partir de 1971, leccionou em diversas instituições [IADE, Lusófona, Universidade Moderna e Universidade Nova de Lisboa (onde lecionou um curso livre de “Introdução ao Estudo do Esoterismo Bíblico”), foi investigador das tradições esotéricas e iniciáticas (em especial o gnosticismo cristão) e especialista em religiões comparadas, estudioso do hermetismo, da história da filosofia portuguesa, da literatura fantástica e da ficção cientifica, tendo sido membro da Fraternidade Rosacruz (a partir de 1980 – tendência Max Heindel) e “alquimístico” (como gostosamente se denominava).

Com participação em inúmeras conferencias e colóquios, publicou ensaios, ficção e peças de teatro, sendo de referir, entre a sua vasta bibliografia: “Instruções Iniciáticas” (1999), “Laboratório Mágico” (2002), “O Neoprofetismo e a Nova Gnose” (2003), “As Furtivas Pegadas da Serpente” (2004, ficção), “Esoterismo da Bíblia” (2006), “Textos Neo-Gnósticos” (2006), “Cristianismo Iniciático” (2011). Dirigiu a colecção “Bibliotheca Phantastica” (da Hugin), tendo sido um dos promotores dos “Encontros Internacionais de Ficção Científica & Fantástico de Cascais” (desde 1996).

Morre a 5 de Outubro de 2017.

J.M.M.

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