“ (A)mostra de um percurso
Guiar o visitante desta pequena exposição para que adquira uma
visão clara e estimulante sobre José
Liberato Freire de Carvalho -cujas comemorações dos 250 anos estamos a
encerrar - requer um roteiro sintético e cuidado, tão longa, rica e variada foi
a sua existência e tão longo, rico e variado foi o seu contributo para o
pensamento político oitocentista português. De facto, o percurso de noviço
Crúzio (em que adoptou o nome de José do
Loreto aos 15 anos) até à aceitação do convite para entrar numa loja
maçónica denominada A Fortaleza (com o nome simbólico Spartacus) é simultâneo à viragem do século XVIII para o século
XIX, um tempo de grandes mudanças e convulsões em Portugal e na Europa.
José
Freire de Carvalho nasceu no reinado de D. José e faleceu no de D. Pedro V,
vivendo de 1772 a 1855, da reforma pombalina da Universidade de Coimbra até à
Regeneração. Atravessou o pombalismo e a viradeira, conviveu com os conflitos
religiosos e as novas correntes de pensamento dentro e fora dos conventos, viu
nascer a Academia das Ciências e a Maçonaria. Foram os seus anos de formação,
de estudo e observação, de procura e mutação. O exemplo e convívio com homens
bons como o seu irmão António da
Visitação ou Frei Caetano Brandão,
as leituras dos jornais revolucionários, a reflexão sobre obras maiores do
pensamento da época tiveram uma influência decisiva na construção e
transformação do jovem conimbricense.
Iniciou-se como tradutor para ler os iluministas franceses,
tendo feito imprimir Condillac e a
sua Arte
de Pensar tinha ainda 22 anos; outras traduções ficaram apenas como
manuscritos, para seu proveito pessoal. Seguiu-se Cornélio Tácito, cujos Anais traduziu durante a prisão, e
que constituíram uma inspiração definitiva para a análise e compreensão do
exercício do poder e aumentar o seu ódio à tirania. Nos anos finais da sua
vida, para subsistir, recorreu de novo aos autores estrangeiros, traduzindo
agora romances da moda. Com a morte precoce do seu irmão António, foi convidado a substitui-lo como académico, sendo autor
da apresentação de várias memórias e tendo presidido a várias sessões da Academia Real das Ciências de Lisboa,
de que se viria a desligar voluntariamente por discordância com o seu novo
estatuto. A primeira tradução dos Anais de Tácito foi lida na Academia
em 1813, cujo manuscrito se apresenta. Mais tarde, outras sociedades e
academias, em Portugal e em França, o viriam a consagrar como sócio honorário e
como sócio correspondente.
Cansado de perseguições, clausuras e prisões, aceitou a ajuda de
José Ferreira Pinto Basto,
exilando-se em Londres em 1813, juntando Liberato
ao seu nome e abraçando a atividade de jornalista, primeiro em O
Investigador Português em Inglaterra e mais tarde fundando O
Campeão Português em Londres, poderosas armas de combate ao
absolutismo. Já se tinha iniciado em As Variedades, ainda em Lisboa com
seu irmão António, em 1802 e, tal
foi a importância da escrita na sua vida, refundou O Campeão Português em Lisboa
quando regressou, em 1822. A pedido de Saldanha
aceitou redigir a Gazeta de Lisboa em 1827 e, no seu segundo exílio londrino,
colaborou no Paquete de Portugal em 1829.
Percebendo a importância das suas reflexões e das suas
vivências, deixou um legado de ensaio e memória que viria a ser,
talvez, o seu maior contributo para a história do liberalismo português, pois a
sua interpretação e os relatos fiéis e pormenorizados são imprescindíveis ao
conhecimento e compreensão daquele tempo.
A causa da liberdade e do constitucionalismo viriam a empurrá-lo para uma vida política que nunca desejou na sua forma pública. Foi eleito deputado em quatro ocasiões, aceitando alguns cargos menores de nomeação política, como oficial na secretaria do ministério, administrador na Imprensa Nacional, arquivista e tesoureiro na Câmara dos Pares. Relevante foi a sua participação corno presidente da Comissão de Redacção da Constituição de 1838.
Nos locais onde viveu, José
Liberato frequentou e integrou vários espaços e sociabilidades, fosse o Clube dos Portugueses em Londres
(reunidos na City of London Tavern), os salões
da embaixada portuguesa em Whitechapel ou as sociedades patrióticas que ele próprio fundou e dinamizou em
Lisboa. Mas foram as suas fortes e fiéis amizades que lhe permitiram ter ajudas
fundamentais, quer na sua fuga de Portugal para os exílios, quer na obtenção de
verbas para o jornal O Campeão Português ou mesmo para a
expedição de Saldanha e das tropas
liberais para o Porto, durante as guerras liberais.
Talvez a sua qualidade de
maçon seja a que melhor define e resume a importância e o carácter de José Liberato - o Spartacus da Loja A Fortaleza, que José Agostinho de Macedo referia como a
Loja-mãe, «o pedreiral mosteiro». Além dos importantes convívios com Gomes Freire de Andrade, Bocage, Ferreira de Moura, Araújo e
Castro ou José Falcão Van Zeller,
Liberato foi o primeiro Grande Orador do Grande Oriente Lusitano
e, eventualmente, o redator da Constituição
Maçónica de 1806. Esteve presente quando foi negada a Junot a pretensão da dignidade de Grão-Mestre, cargo que, ainda que
interinamente, ocupou trinta anos mais tarde.
José
Liberato está sepultado no cemitério dos Prazeres no jazigo 886 e a
leitura das suas Memórias da Vida é a recomendação que deixamos aos nossos
visitantes".
[in prospecto da Mostra De Loreto a Spartacus – 250 Anos do nascimento
de José Liberato Freire de Carvalho - BNP]
J.M.M.
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