sábado, 11 de novembro de 2006

GUERRA JUNQUEIRO E OS HUMILDES



"Junqueiro estava estendido no caixão, com o fatinho preto coçado. Silêncio, sombras ... A fisionomia do poeta afilara e adquirira uma grande expressão de serenidade. Até as mãos se lhe tinham espiritualizado, brancas e esguias, quase diáfanas. A seu lado uma sombra maior que as outras conservava-se de pé imóvel junto do ataúde. Era a Ana de Freixo de Espada-à-Cinta, a criada que nos últimos tempos o vestia e despia, e que com uma manta negra pela cabeça, caindo em pregas rígidas, parecia uma velha figura de retábulo...

Reparei mais atentamente: aquela sombra empedernida chorava ... E lembrei-me logo dos humildes que o Poeta criou, dos cavadores, dos pastores, das mulheres de Barca de Alva parindo filhos para a desgraça e para a dor, das pobres criaturas em que falava tantas vezes, da gente simples que o não lia, da legião formidável da terra que, por uma intuição cheia de grandeza, lhe chamava sempre o Senhor Poeta"

[Raul Brandão, jornal O Mundo de 14 Julho de 1923, aliás in Seara Nova, nº 1457, Março 1967]

J.M.M.

1 comentário:

Anónimo disse...

Este Junqueiro não é o mesmo a que Afonso Lopes Vieira chamou "o Camões dos lojistas e das costureiras"?