quinta-feira, 8 de março de 2007

OS ACONTECIMENTOS DE 1907, EM COIMBRA, VISTOS NO PARLAMENTO


A primeira referência aos acontecimentos,de Coimbra, no Parlamento, encontramo-la em Alfredo Vieira Coelho Peixoto Pinto de Vilas-Boas, ou seja o Conde de Paçô Vieira que logo no dia 1 de Março de 1907, confronta João Franco Pinto Castelo Branco com a questão da revolta dos estudantes em Coimbra, num texto que pode ser lido aqui, basta procurar a data (1907-03-01) e, na página 6, é possivel encontrar este texto que a seguir colocamos a parte inicial:

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - O assunto para que desejo chamar a attenção do Governo e da Camara é da mais alta importancia.
Consta-me que o Sr. Presidente do Conselho está nos corredores da camara e, como o assunto de que me vou occupar prende com a pasta de S. Exa., peço a V. Exa. o favor de lho fazer communicar para que S. Exa. venha á Camara.
Trata-se dos acontecimentos de Coimbra.
(Entra na sala o Sr. Presidente do Conselho).

Pela leitura dos jornaes de hoje tive conhecimento, como toda a gente, de que em Coimbra occorreram hontem acontecimentos muito graves, provocados pela reprovação de um candidato no seu acto de theses.
Esses conflictos que hontem começaram, parece que se aggravaram hoje, tendo-se dado em Coimbra factos da maior gravidade sobre os quaes eu desejava que o Governo fornecesse esclarecimentos á Camara, para socegar todos aquelles que teem em Coimbra parentes a estudar.
V. Exa., que frequentou a Universidade, como eu, conhece a anciedade em que se está quando longe da nossa vista temos filhos ou parentes aos quaes a generosa mocidade e a inexperiencia irreflectida podem levar mais longe do que convenha, e do que elles mesmos queiram.
Pelas noticias recebidas, sabe-se que foram apupados alguns professores e apedrejadas as suas janellas.
Ao mesmo tempo requisita-se força militar. E perante tudo isto, eu, que não sei de que lado está a razão, não conhecendo o assunto senão pelos telegrammas publicados nos jornaes, limito-me a pedir ao Sr. Ministro do Reino que me esclareça sobre o assunto.
Tenho dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: tenho a declarar ao illustre Deputado, Sr. Conde de Paçô-Vieira, que ácerca dos acontecimentos de Coimbra só recebi informações telegraphicas das quaes se não deprehende que tenha havido qualquer facto grave de caracter individual.
O que d'essas informações apenas consta é que numa defesa de theses, o individuo que as sustentou foi reprovado por unanimidade, resultando desse facto varias manifestações a favor do candidato que as tinha defendido e hostis para os lentes que intervieram nessas theses.
Essas manifestações não deram, comtudo, logar á intervenção da força publica, a não ser para dispersar grupos; mas, á noite, ellas fizeram-se por forma que a força publica teve de intervir.
Parece que tambem nessa noite, em alguns pontos onde a policia não podia acudir de pronto, foram apedrejadas as casas de dois lentes.
Isto passou-se hontem.
Quanto ao dia de hoje, sei que os estudantes de direito não entraram á primeira aula e parece que impediram tambem a entrada dos professores.
V. Exa. sabe que sendo a policia interna da Universidade feita pela sua guarda privativa,, evidentemente o que eu concluo d'aquellas informações é que da parte da Universidade não foi requisitada a intervenção da força publica com o fim de manter e assegurar o respeito devido aos lentes.
Posteriormente a estes factos reuniu-se o claustro pleno, tendo sido suspensas as aulas na faculdade de direito, conforme me communicou o Sr. Reitor.
Por outro lado o Sr. Governador Civil do districto requisitou uma força de cavallaria e outra de policia de Lisboa, que já foi mandada seguir para Coimbra.
As instrucções que mandei ao Sr. Governador Civil,, são no sentido de que elle proceda com a máxima moderação, com a maxima cordura, mas tambem com a firmeza necessaria, de maneira a manter a ordem e a fazer respeitar os professores. (Apoiados).

Mandei tambem dizer ao Sr. Governador Civil que procurasse o Sr. Reitor da Universidade para lhe offerecer todo o apoio de que carecesse durante os acontecimentos e para lhe communicar que eu desejaria que a suspenção fosse o menos dilatada possivel e que já amanhã as aulas pudessem funccionar, marcando-se falta aos que não comparecerem.
V. Exa. e a Camara comprehendem que eu não encaro-os assuntos relativos á ordem publica em Coimbra pela mesma forma por que os encararia em qualquer outro ponto do país. (Apoiados).
Fui tambem estudante e sei muito bem quanta ponderação e quanta cordura é necessario observar em conflictos d'esta natureza.
Alem d'isto basta dizer que tenho a estudar na Universidade um filho, que é maior alegria da minha vida. Desejo que o meu filho proceda por forma que, sendo um bom camarada, seja ao mesmo tempo um homem que respeite os seus professores. (Apoiados na esquerda e na direita). O procedimento que desejo que tenha meu filho é o procedimento que desejo que seja tomado por todos os estudantes da Universidade. (Apoiados).

E claro que o respeito á Universidade e a manutenção da ordem publica se impõem, como sendo cousa que é necessario realizar, mas entendo que para esse fim se deve proceder com a maxima tolerancia e ao mesmo tempo com absoluta firmeza. (Apoiados).
Espero que os acontecimentos não tenham consequencias desagradaveis. A disposição em que se acha b governador civil, era harmonia com as minhas instrucções, consiste em conseguir manter a ordem, sem quaesquer consequencias desagradaveis, e nesse sentido empregarei todos os esforços.


No dia 4 de Março de 1907, António José de Almeida, deputado republicano, e João Pinto dos Santos enviam uma nota solicitando que a questão dos estudantes de Coimbra seja discutida com urgência no Parlamento, mas a Câmara dos Deputados rejeita a proposta, não a considerando urgente. Porém, no dia seguinte, com o deterioramento da situação em Coimbra, os deputados vão mesmo debater o problema. As intervenções de António José de Almeida, com muitas referências à sua própria experiência nas lutas académicas pós-ultimato, são muito interessantes. Acompanham-no nestas discussões João Pinto dos Santos, Teixeira de Abreu e outros deputados que tomam posição contra ou a favor dos estudantes.
O debate prolonga-se durante várias sessões durante os meses de Março e de Abril sendo os estudantes condenados às penas a que já fizemos referência anteriormente.

A.A.B.M.

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