sábado, 10 de março de 2007
OS ESTUDANTES - POR CAMPOS LIMA
"Os estudantes, segundo o regulamento da casa, sam obrigados a um trajo especial. A capa e batina, habito talar propriamente, ficou como reminiscencia d'aquela boa Universidade fradesca, toda humanista, sem preocupacões d'ordem scientífica, que fez as delicias d'algumas gerações de frades.
O trajo academico, á rigori e conforme a praxe universitaria estatue, seria uma coisa sem elegancia e cheia de gravidade. Esmancham os rapazes a disciplina do vestuario, terçando as capas ou descendo-as dos hombros. Em regra só os lentes observam a lei, usando a capa sobre as espaduas caindo lisa até aos pés.
Caso sem importancia, sem significação, dirám. Logico parece que isto não deva ser tomado em conta para o balanço da vida universitaria.
Pois engana-se quem assim cuida. Nada mais fundamental. A capa e batina e o modo de a usar, desde que se transpõe a Porta Ferrea ou a Porta Minerva, se entra ao Museu ou ao Jardim Botanico, é uma questão de vida e de morte para a Universidade. Ha archeiros zelosos encarregados da compostura da nossa toilette e que nos podem levar á reitoria, como renitentes no desleixo da vestimenta.
A questão das gravatas é um capitulo interessantissimo na historia interna do estabelecimento. A gravata deve ser preta; do contrario, como num colegio, o estudantinho que prevaricou pode ser impedido de entrar na aula e, quando haja reincidencia e ainda por cima se atreva a protestar, arrisca-se a passar um mau quarto d'hora na reitoria.
E não se diga que isto poderia ser uma questão de birra da parte de reitores irrasciveis. Não, senhores. Sabem bem o caso d'aquele bom reitor que comprava gravatas aos rapazes e a cada um que lhe levavam por pecha de mal engravatado presenteava com uma gravata convenientemente preta. Não era birra. Era, como não podia deixar de ser, o natural funcionamento da engrenagem universitaria.
Ha também quem faça questão por causa dos rasgões da batina. Os archeiros então mandam-nos cozer e não ha remedio senão dar os pontarecos. Muito estudante atribue reprovações e má disposição de certos lentes ao facto de não se escovar todos os dias, não usar botas de polimento, trazer a capa cossada, a batina rota e a barba por escanhoar.
Assim a Universidade tem o aspecto d'uma grande alfaiataria. Á viva força nós havemos de sahir de lá cuidadosos com o fato, preocupadíssimos com o laço da gravata, considerando a linha elegante do nosso perfil desenhado ao lado na sombra que vamos projectando sobre a calçada e de que nos enchemos de inveja.
Se ele é assim, ha uma lacuna importante nos Gerais. É urgente mandar colocar nas paredes uma fileira de espelhos"
[Campos Lima, no nº 3 de Verdade, 31/10/1903 (aliás, in A Questão da Universidade. Depoimento d'um estudante expulso, Livraria Clássica Editora, 1907)]
J.M.M.
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