sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

AS [NOSSAS] TRÊS ESCOLHAS DE 2007



* A História da PIDE, de Irene Flunser Pimentel, é indubitavelmente uma obra imprescindível para todos os que estudam o período salazarista. A acção opressora e repressora deste organismo, fulcral para sustentar a ditadura em Portugal durante quase meio século, foi finalmente analisado como um todo entre 1945 e 1974.

O estudo elaborado por Irene Pimentel, ao longo de mais de meio milhar de páginas, adaptada para publicação, "versão resumida e corrigida da dissertação de doutoramento em História Contemporânea Institucional e Política" defendida em Janeiro de 2007, na FCSH, da Universidade Nova de Lisboa, estrutura-se da seguinte forma:

1ª Parte – A Instituição Policial. Funções e Relações com o Estado.
2ª Parte – A PIDE/DGS e os seus principais adversários
3ª Parte – Outros adversários vítimas da PIDE/DGS
4ª Parte – Os Métodos da PIDE/DGS
5ª Parte – Da Prisão ao Julgamento
Epílogo: A PIDE/DGS, as Forças Armadas e o MFA

A autora, durante seis anos, teve que ultrapassar obstáculos complicados para poder desenvolver o seu trabalho. Destacam-se entre outros o perigo de estudar a história recente, os arquivos truncados, o melindre em abordar situações que envolvem pessoas ainda vivas, que têm uma determinada memória dos factos, que “filtraram” ou omitiram deliberadamente acontecimentos. Estes problemas acabam por ser ultrapassados, mas logo outros surgem, porque o questionar o nosso passado colectivo exige sempre um aprofundamento e uma complexidade crescentes para encontrar respostas que, por vezes são inesperadas, ou mesmo contrárias a algumas ideias que vão fazendo carreira, negando factos ou tentando branquear situações.

Irene Pimentel analisa situações como as técnicas de vigilância, de captura das pessoas, os interrogatórios, a investigação e instrução de processos, os julgamentos, a vida nas prisões e, em especial, a perseguição ao Partido Comunista Português ao longo deste tempo, com base na vastíssima rede de informadores que esta instituição dispunha por todo o País. Daí o clima de medo que existia em Portugal durante o salazarismo e mesmo com as alterações “cosméticas” introduzidas pelo consulado marcelista, a PIDE continuou a ser o organismo mais temido do Estado Novo.

Em nossa opinião, devem salientar-se também aspectos gráficos muito importantes nesta obra, a importância das imagens em extra-texto, dos apêndices com mapas, gráficos, fichas biográficas de alguns presos políticos e o muitas vezes esquecido índice onomástico, que facilita tanto o trabalho a quem tem de consultar uma obra desta dimensão.

Torna-se um trabalho de consulta obrigatória para quem estuda o período em questão. Apresenta também um instrumento de trabalho fundamental: as fontes e arquivos, bem como a imensa bibliografia consultada, inclusive a publicada no estrangeiro.

Em segundo lugar, optamos por um estudo da época que nos ocupa mais, neste nosso inglório esforço para acompanhar a produção historiográfica portuguesa no domínio da história contemporânea. Neste caso, um trabalho realizado por Maria Alice Samara, Operárias e Burguesas. As Mulheres no Tempo da República, que se dedica “a dar a conhecer mulheres dos alvores do século XX”. O conjunto das 12 biografias, com leituras actualizadas e novas interpretações sobre o papel de algumas mulheres de destaque na sociedade portuguesa no início do século XX como: Guiomar Torrezão, Alice Pestana, Domitila de Carvalho, Regina Quintanilha, Angelina Vidal, Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, Maria Veleda, Emília de Sousa Costa e Maria Alves complementado por dois ensaios: A mulher vista pela mulher e o olhar masculino sobre a mulher.

Uma obra de divulgação da transformação da condição feminina em Portugal, partindo de exemplos concretos de mulheres que foram “pioneiras” no seu tempo, porque lutaram de variadas formas para alcançar uma maior visibilidade, respeitabilidade e importância numa sociedade dominada por homens. Encontramos feministas, socialistas, republicanas, operárias que “tinham dificuldades em fazer ouvir a sua voz”, por isso, muitas vezes acabam por ficar no ostracismo. Devido a esta circunstância, também o Almanaque Republicano tem dedicado pouco espaço às mulheres republicanas. Muitas continuam pouco conhecidas, apesar de trabalhos recentes desenvolvidos por várias investigadoras sobre a questão feminina, pois circunscrevem-se a meios universitários e pouco divulgados para o exterior.

Por fim, o trabalho de António Ventura, sobre A Maçonaria no Distrito de Portalegre a que fizemos referência aqui. As cerca de 300 biografias elaboradas, os diversos triângulos e lojas dispersos pelo distrito mostram a importância que a Maçonaria teve na região, em particular com as informações recolhidas de carácter social que mostram a influência da mesma nas primeiras décadas do século XX. Como era importante surgirem trabalhos semelhantes para outros distritos do País!!!

O carácter enciclopédico deste trabalho, como assinala Salvato Telles de Menezes, na apresentação do livro torna-o um “marco singular nos estudos maçónicos”, pois permite acompanhar com grande detalhe entre 1903 e 1935, as lojas e triângulos existentes no distrito de Portalegre subordinadas ao Grande Oriente Lusitano Unido, ao Grémio Luso-Francês, ao Direito Humano e ao Soberano Grande Conselho Geral Ibérico, com os respectivos quadros. As informações foram recolhidas nos Livros Gerais do Arquivo do Grémio Lusitano, foram completadas com outra documentação existente no Arquivo Distrital de Portalegre, em primeiro lugar, mas também de Arquivos Distritais do país – em particular, Aveiro, Évora, Setúbal, Leiria, Santarém, Viana do Castelo, Lisboa, Coimbra, Évora -, no Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, Arquivo Histórico Militar, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo da Marinha, Arquivo Geral do Exército, Arquivo Geral da Universidade de Coimbra, Arquivo da Universidade de Lisboa, entre muitos outros arquivos. Tornou-se também imprescindível a consulta da imprensa local e nacional. Sem esquecer as informações dadas por familiares dos biografados.

Este conjunto de três livros, publicados em 2007, e que, na nossa humilde opinião, se tornaram imprescindíveis para qualquer investigador ou pessoa interessada nos assuntos relacionados com a história contemporânea de Portugal. Serão sempre escolhas subjectivas, algumas mais discutíveis outras facilmente compreensíveis devido à temática que abordam. Ficamos à espera de mais e melhores livros em 2008 e cá estaremos para os divulgar, sempre que tenhamos conhecimento do facto, ou para os analisar sempre que isso seja possível e exista disponibilidade para tal.

A.A.B.M.

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