quarta-feira, 1 de outubro de 2008

ANACRONISMOS (NOTAS BREVES PARA UMA POLÉMICA)




Nos últimos tempos, a propósito do Centenário da Proclamação da República, alguns monárquicos tentam recuperar a imagem do regime monárquico.

Quem nos conhece pessoalmente ou que nos acompanha em visitas mais ou menos regulares ao blog, certamente nota que temos evitado as apreciações ou depreciações mais ou menos conhecidas. Historicamente, tentamos basearmo-nos em factos e apoiarmo-nos na bibliografia existente que temos disponível. No entanto, não podemos deixar de notar que esses monárquicos para procurarem uma legitimação que actualmente já não possuem, omitem, interpretam e tentam recriar os acontecimentos da forma que os favorece mais.

Muitos dos problemas que o nosso País atravessa são, de facto, de qualidade dos seus dirigentes, mas essa qualidade não é um problema recente. Certamente que alguns dos políticos que nos têm governado, seja na Monarquia, na 1ª República, na 2ª República (Ditadura), ou mesmo na 3ª República cometeram erros que todos os cidadãos acabam por ter que assumir, porque vivemos num país em que muito facilmente se atiram as culpas para os outros e raramente se assume a responsabilidade pelos actos. Temos todos, começando por mim, grande dificuldade em assumir que fizemos uma má opção. No entanto, há uma coisa que não podemos esquecer, é que a liberdade política (Democracia) permite que possamos escolher outros que temos sempre a esperança que sejam melhores.

Na Monarquia já existiam eleições, mas também se sabe que elas de livres tinham só o nome. Mais, os monarcas tiveram o cuidado de votar leis que podiam impedir o progresso eleitoral dos republicanos criando círculos eleitorais mais amplos nas regiões urbanas de Lisboa e do Porto, onde tradicionalmente havia maior votação no Partido Republicano, para conseguirem realizar mais facilmente as famosas chapeladas (colocação de votos nas urnas). Também sabemos que era possível mudar de governo entre os dois grandes partidos monárquicos (Progressista e Regenerador) e, pelo menos a partir da década de 70 do século XIX, houve alguma alternancia de poder, mas os líderes pouco mudavam, a classe política era quase sempre a mesma. Com o aparecimento do Partido Regenerador Liberal, liderado por João Franco, cria-se uma terceira via de alternância, mas não se podia mudar o chefe de estado. Repare-se que não estou a por em causa as qualidades pessoais ou políticas da pessoa de D. Carlos ou de D. Manuel II, mas o certo é que eles não podiam ser eleitos e exerciam o poder pela vida inteira. Isto levanta de imediato o problema de que as pessoas mudavam por uma questão de manter as aparências, porque aquilo que era estrutural nunca mudaria. Para mais havia a questão da hereditariedade, o título era transmitido automáticamente, sem que ninguém fosse chamado a pronunciar-se se era esse o seu desejo ou não. E muitas vezes ficamos com a sensação que alguns monarcas desejavam realizar outras actividades, fossem elas culturais, científicas, de carácter social ou religioso. Esse é para mim um dos grandes defeitos da Monarquia.

Por outro lado, apontam-se também criticas à República que são verdadeiras, mas que fazem parte de todos os momentos revolucionários. Sempre houve e sempre haverá exageros e também os houve durante a República, não temos qualquer dúvida em relação a isso, no entanto também sabemos que quando se vivem momentos revolucionários, de conturbação política e social os acontecimentos ultrapassam as ideias daqueles que os imaginaram e realizaram. Isso aconteceu sempre ao longo da História, seja em Portugal ou no mundo. Houve exageros na Revolução Francesa, com avanços e recuos. Houve situações mal resolvidas durante a República ou mesmo na Revolução dos Cravos, mas as História não existe para de julgar ninguém, mas para analisar e interpretar os acontecimentos. Os protagonistas dos acontecimentos tomaram decisões que só à posteriori se verifica que foram correctas ou erradas.

Alude-se também à questão da liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa era ainda uma conquista a fazer nos finais do século XIX. Note-se que com a crise do Ultimatum e do 31 de Janeiro de 1891 foram encerrados variadíssimos jornais de forma compulsiva, simplesmente porque o poder político monárquico assim o entendeu fazer. Os jornalistas eram presos e julgados por emitirem opiniões contrárias ao poder estabelecido, não só os nomes mais conhecidos da propaganda republicana como João Chagas, Francisco Manuel Homem Cristo, António José de Almeida ou Heliodoro Salgado, outros pelo país sofreram estas perseguições e foram exilados ou obrigados a emigrar.

Finalmente, e porque o texto já vai longo, o problema da adesivagem ao novo regime, que é um fenómeno muito típico em Portugal, mas não só. Muitos dos Monárquicos de renome antes do 5 de Outubro, transformaram-se do dia para a noite nos grandes paladinos do novo regime. Tornaram-se os mais ferverosos dos republicanos, capazes de perseguir os antigos companheiros de política que não mudaram de posto só porque mudou a circunstância. Isso também aconteceu em 25 de Abri de 1974 e muitos ainda estão na política activa, no entanto, o povo tudo esquece e quase tudo perdoa. Daí que muitas vezes sejamos considerados um País de brandos costumes.

A.A.B.M.

9 comentários:

Anónimo disse...

Sim efectivamente o Povo esquece que Salazar era republicano e que de 1910 a 1974 Portugal viveu em ditadura, o constitucionalismo que nasceu com a republica morreu em 1910 e só renasceu em 1974.
Os Chefes de Estado antes de 1974 eram eleitos pelos deputados e não pelos cidadãos eleitores.

Antes de 1910 existiam 950 mil eleitores inscritos, em 1911 passaram a ser 400 mil e só o podiam fazer se fosse chefes de família civis e que soubessem ler e escrever. Grande democracia, realmente a história é feita pelos vencedores e não pelos vencidos.
Vergonha

O Povo também esquece que de 1910 a 1974 as mulheres no regime republicano não tinham direitos, não podiam votar, o dever delas era tomar conta da casa e dos filhos. Para culminar só faltava o símbolo do regime ser uma mulher de peito ao léu simbolizando nada mais de que a mulher era uma escrava ... parece mesmo pornográfico.

Rica republica, mas vivemos em democracia que não foi inventada em 1910. Falou-se em censura pois ... antes de 1910 havia censura depois de publicado o texto com Afonso Costa passou a haver censura prévia, curioso não ?

Curioso é também muitos
operacionais da PIDE terem sido da Formiga Branca de Afonso Costa. Curioso é tentarem colar o regime do Estado Novo à Monarquia ... mas Salazar não era monárquico. Afinal quem era o rei se para alguns o Estado Novo não era uma república ?

Anónimo disse...

Peço desculpa mas cometi um erro, o Constitucionalismo nasceu com a Monarquia, nada de equívocos.

João Mattos e Silva disse...

Se o autor e se os leitores deste blog se derem ao trabalho de ler o site "Centenário da República", verão que ao contrário do que diz não se está nem irá distorcer a história, mas antes fazer a história com factos descritos pelos próprios republicanos, depoimentos de republicanos, descrições dos jornais da época da I República, documentos autênticos, etc. O que não se vai é esconder ou escamotear o que foi esse período da nossa História colectiva que não começou, como alguns pensam, em 5 de Outubro de 1910, mas precisamente oito séculos antes.O que se pretende é alertar os incautos para o panegírico que se começa a adivinhar ao regime revolucionário, formalmente democrático, mas onde se restringiu o direito de voto, são conhecidas as "chapeladas" que atingiram o seu auge na II República, onde o Parido Democrático de Afonso Costa governou como partido único, onde a censura calou os monárquicos e os opositores incómodos, onde os calabouços se encheram de presos políticos monárquicos e republicanos.Onde a "formiga branca" perseguia e denunciava, egrégia antecessora da Pide, também ao serviço do Estado republicano.
Estes monárquicos que querem lembrar os cem anos da República não estão a fazer propaganda das suas ideias a reboque destas comemorações, nem precisam. O que não querem é que aos portugueses sirvam gato por lebre.

Luís Bonifácio disse...

Caro Artur

Não sei onde foi buscar essa coisa de que nós (colaboradores do Centenário), orgulhosamente "Thalassas" procuramos "legitimação", quanto à omissão se ocorrer agradeço que nos alerte, pois ambos os sites estão abertos ao, hoje em dia popular, "exercício do contraditório", devidamente fundamentado, claro está.
No que respeita à "recriação" garanto-lhe que não a faremos, pois nenhum de nós é romancista. No nosso dia-a-dia somos profissionais de vários campos, que lidamos com a dura realidade e devido a isso não temos muita paciência para escrever "romances de ficção".
Aliás, e agora apenas por mim falo, é este contacto com a realidade que me faz, ao contrário de si, aceitar que no passado e presente fizemos más opções. No 5 de Outubro foi uma má opção, Salazar foi uma directa consequência disso. As nacionalizações estúpidas de 1975 outra péssima opção como foi Guterres em 1995.
O primeiro passo para mudar para melhor consiste em aceitar-mos os nossos erros, não camuflá-los com uma "História da Carochinha".

Por isto tudo, caro Artur, este projecto foi erguido para acabar com a "história da Carochinha", não foi feito a pensar em derrubar a república.
Pode dormir descansado!

Cumprimentos

Luís Bonifácio

Anónimo disse...

Respondendo aos caros confrades que nos deixaram os seus comentários:

1º - Rui Monteiro: Lamento, mas não posso deixar de discordar de si em vários aspectos, onde o muito fervor pode conduzir a alguma irracionalidade. Vamos aos factos: Salazar foi um ditador e, por aquilo que se conhece do seu pensamento e acção antes da República andou sempre mais próximo da Monarquia do que da República. Conhece-se o seu envolvimento quando chega a Coimbra em 1910, na luta com os estudantes republicanos(parece que mesmo corporal). Portanto, e de acordo com muitos dos historiadores actuais, parece que durante bastante tempo houve algumas hesitações quanto ao rumo a seguir. No fundo, ele aproveitou a insatisfação dos monárquicos para conseguir o seu apoio, como o fez em relação aos fascistas de Rolão Preto, ou a outros grupos políticos desiludidos com a República como muitos republicanos.
Outro dos problemas levantados tem a ver com a questão do recenseamento eleitoral. Ora bem, o alargamento do recenseamento que tinha vindo a ser feito pelo regime monárquico foi interrompido, porque foi o mecanismo encontrado para tentar controlar uma situação que diversas vezes estava à beira da guerra civil (as incursões de Paiva Couceiro também não ajudaram a estabilizar a República não é verdade???).
Concordo consigo quando afirma: "a história é feita pelos vencedores e não pelos vencidos", é um facto que não discuto porque é verdadeiro. Porém, convém não esquecer que as leituras apaixonadas dos factos têm a sua época. Por isso mesmo, é que passar um atestado de quase "cegueira" a todos os historiadores que se têm debruçado sobre o tema tem muito que se lhe diga.
Quanto às mulheres, foi necessário uma mudança profunda das mentalidades, que não teve nada a ver com a mudança de regime. Era uma prática em muitos países e a mentalidade da época era marcada por um profundo machismo. Mudamos demasiado tarde, mas muitas mulheres republicanas bateram-se pelos seus direitos.

Quanto ao problema da liberdade de imprensa, vejam-se o trabalho de José Tengarrinha, "História da Imprensa Periódica Portuguesa", 2ªed.,1989, em particular entre as páginas 245-263. Onde se aborda o antes e depois do 5 de Outubro. Sem mais comentários.

Por seu lado, o problema da passagem dos elementos da Formiga Branca para a Pide, é um facto que não tenho elementos para poder responder. Podem e devem ter havido continuidades, mas penso que é muito arriscado fazer esta afirmação de forma tão categórica.

Quanto aos comentários de João Mattos e Silva e de Luís Bonifácio, respeito as vossas opiniões, mas como é óbvio não posso concordar com elas. Quanto ao primeiro caso, penso que o regime já possui uma estabilidade e uma maturidade que lhe garante que não lhe vendam gato por lebre durante muito tempo porque vivemos em democracia e com liberdade.

No caso do Luís Bonifácio, agradeço o contributo e penso que ambos temos algumas coisas em comum, mas de facto, não concordo quando estabelece um paralelismo directo entre o 5 de Outubro e o aparecimento de Salazar. Cá estamos nós nos anacronismos. Os regimes de ditadura em Portugal não começaram na República, começaram na Monarquia, quando em 1894 e anos seguintes surgem experiências autoritárias que vão conduzir à denominada ditadura de João Franco iniciada em 2 de Maio de 1907. Nestes governos autoritários, as liberdades eram restringidas e o Parlamento permanecia encerrado.

Nos próximos dias continuaremos neste diálogo com direito de resposta, desde que a linguagem permaneça num nível que consideremos aceitável. Pode ser interessante esgrimir argumentos que ajudem a esclarecer todos aqueles que nos visitam.

AABM

Luís Bonifácio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís Bonifácio disse...

Parece que temos polémica que dá pano para mangas,

Discordo profundamente de si. Salazar foi uma consequência do caos da 1ª republica, tal como Hitler e Franco o foram nos seus países.

O alargamento do recenseamento na 1ª republica foi sempre combatido energicamente pelo partido democrático e um pouco menos pelos Evolucionistas e Unionistas. A única tentativa, para além da de Sidónio foi a de Pimenta de Castro e terminou num banho de sangue, como você bem sabe.
Paiva Couceiro foi sempre uma falsa desculpa, era o que estava mais à mão.

Havemos de um dia discutir isto e muito mais â mesa de um bom repasto (Coisa que na 1ª republica era quase impossível de acontecer)

Saúde e Fraternidade (Monárquica claro está)

Anónimo disse...

"Os regimes de ditadura em Portugal não começaram na República, começaram na Monarquia, quando em 1894 e anos seguintes surgem experiências autoritárias que vão conduzir à denominada ditadura de João Franco iniciada em 2 de Maio de 1907"

Profundamente errado, não compare a "ditadura" de João Franco e as anteriores com o que veio depois com a República. Os partidos políticos antes de 1910 não foram proibidos e nem sequer deixou de existir Liberdade de Imprensa.

Todos nós sabemos o que veio depois de 1910 ...

Anónimo disse...

Bom, a mim quer-me parecer que o esforço e dedicação que os colaboradores deste site e igualmente do outro, tem feito, no sentido de divulgar, pesquisar, escrever, anotar, sejam factos, biografias, perspectivas, bibliografia, iconografia, sínteses etc. e parece-me com suficiente seriedade, só pode ser útil a todos.
Para melhor conhecimento.
O que desde já agradeço, a todos.