quinta-feira, 2 de outubro de 2008

ANACRONISMOS (NOTAS BREVES PARA UMA POLÉMICA) - PARTE II




A propósito desta nossa polémica com os monárquicos e respondendo ao nosso confrade Luís Bonifácio a propósito da correspondência que publicou, vejamos o que se dizia do lado monárquico, nos últimos anos da Monarquia Constitucional.

Na correspondência que existe publicada por Pedro Tavares de Almeida, recolhida no espólio de José Luciano de Castro, encontram-se várias cartas que comprovam as combinações que se estabeleciam entre os partidos monárquicos para obstaculizar o avanço do Partido Republicano. A que se transcreve de seguida é neste caso bastante elucidativa:

Presidência do Conselho de Ministros
Particular
Exmo. amigo e colega
Falei hoje com o Gov. Civ. de Viana, para me habilitar melhor a responder à carta de Vª. Exª.
Como é natural, porque sempre de um lado e de outro se avalia por melhor, não condizem as informações que ele me dá com as que o Espregueira dá a Vª. Exª., no tocante à força respectiva dos dois partidos nos diferentes concelhos.

Seria arriscada a maioria para o governo, ligando-se os progressistas, para a combater, com os elementos que o José de Abreu, amigo do João Franco, tem em Ponte de Lima. De outra forma, não o creio.

Mas, dada a boa vontade de Vª. Exª. e a minha em caminharmos de boa harmonia, não é nesse terreno restrito que temos de ver a questão.

Vª. Exª sabe que eu tracei as circunscrições eleitorais, de forma a garantir ao seu partido uma representação já bastante maior do que a que tinha na passada sessão legislativa, combinando particularmente com Vª. Exª.

Ponderou-me, depois, Vª. Exª que, para temperar as coisas em Viana, lhe convinha serem por ali eleitos dois progressistas; e o mesmo me ponderou com respeito a Beja. Concordei com uma e outra coisa, se bem que na fixação das maiorias pelos diferentes círculos se compensava já em uns o que em outros houvesse a menos.

Com respeito a Castelo Branco, para mais facilitar a sua acção, propus eu próprio que fossem eleitos dois progressistas, sendo a minoria de um. [...]

Mas, repito, ponho a resolução do assunto nas suas mãos; e se Vª. Exª. entender não poder prescindir de que, por Braga, ainda mesmo passando o Queiroz Ribeiro para Viana, seja eleitos dois progressistas, estarei pelo que Vª. Exª. resolver. Agora, outros assuntos. Tenho informações de que em diversos distritos se procura fazer propaganda e aliciar adesões, sobretudo entre os padres, para apresentação de candidatos católicos. Compreende bem Vª. Exª quanto isto é inconveniente e perigoso; não só para as próximas eleições, como para as que se seguiram, mas para a boa ordem social; fez-se a religião para o culto nos templos, e não para o voto nas urnas. Mas o certo é que o recrutamento se faz: em Braga, em Vila Real, no Funchal; e até em Castelo Branco pensa o Tavares Proença, disputando a maioria, em incluir na lista um candidato católico (não sei se para aliar o Jacinto Cândido).

A Vª. Exª peço que, por sua parte, atenda a isto, que é muito grave é. [...]

De vª Exª
Colega e Amigo obrigado
Hintze Ribeiro
25-8-901


Estes extractos de uma carta de Hintze Ribeiro a José Luciano de Castro, a propósito das eleições de 1901, é possível detectar algumas das estratégias políticas para manter o poder. A alternância de poder era cada vez mais uma farsa e os monárquicos foram os grandes responsáveis pelo seu falhanço. Os republicanos apenas lhe aplicaram o golpe final, porque depois dos resultados eleitorais de 1908, muitos começaram a convencer-se de que não conseguiriam chegar ao poder pela via democrática (eleições), então era necessário organizar uma revolução que abrisse caminho para esse intento. Esta situação, como bem se sabe provocou clivagens profundas dentro do Partido Republicano, porque outros sempre defenderam e acreditaram que o partido atingiria esse grande objectivo por uma forma que fosse inequívoca. Aproveitaram as circunstâncias e aceleraram o processo.

Nesta época (1901), os republicanos ainda estavam a tentar reorganizar-se, depois dos efeitos do 31 de Janeiro e das decisões do Directório em não ir a eleições durante vários anos, o que causou profundo sentimento de desilusão e abandono das fileiras.

Certamente que houve situações de chapeladas, votações combinadas, caciquismo que infelizmente ainda vai persistindo de forma mais ou menos notória em várias regiões do nosso País. Mas isto são sintomas do nosso atraso enquanto País, porque falta maior participação cívica; porque os Partido Políticos merecem tão pouca confiança aos portugueses, com esquemas de funcionamento que vêm do século XIX, e também por isso mesmo é que mantenho a minha independência.

Provavelmente, serei(emos) muitos a pensar desta forma, mas como português espero e desejo sempre o melhor para o meu País, porque isso será quase de certeza melhor para a população.

Nos próximos dias novas achegas irão surgindo.

[Fonte Bibliográfica: Pedro Tavares de Almeida, Nos Bastidores das Eleições de 1881 e 1901. Correspondência política de José Luciano de Castro, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 119-120 procedeu-se à actualização da grafia]
A.A.B.M.

1 comentário:

Luís Bonifácio disse...

Caro Artur

O nosso blogue não se dedica a analisar a sistema politico antes de 1910. Não pretendemos elaborar uma "História da carochinha" da Monarquia Portuguesa. Por isso o que afirma aconteceu mesmo e eu não o nego.

O que pretendemos contestar é a "História da carochinha" republicana, nesta conta-se uma história imaginária de liberdade, democracia, eleições livres e progresso, onde pontificava Afonso Ratão.
A única semelhança com a história de crianças, é que esta também não é real.

A realidade foi muito diferente. Afonso Ratão fartou-se de entrar no caldeirão e lambuzar-se com a feijoada e quando as coisas aqueceram e já não havia mais feijoada para comer, Afonso foi gozar a bela vida parisiense, longe da piolheira que criou, deixando por cá os seus bonzos.

Esta é uma história que se repete, mudando alguns protagonistas - O último foi o Ratão Barroso.