sábado, 24 de janeiro de 2009

IN MEMORIAM MARIA STELLA PITEIRA SANTOS (PARTE II)


In Memoriam de Maria Stella Piteira Santos [1917-2009] - II

«Curiosamente nunca tive medo físico. Penso que naquela altura trabalhávamos com tal amor, púnhamos tanto de nós nas coisas que fazíamos, que o medo, se existia, não dávamos por ele.»

Os mais novos compreenderão mal o alcance destas palavras de quem aos 17 anos trocou o conforto de uma vida burguesa a que te destinava a sua origem e a sua condição de mulher, pela perigosa aventura do combate anti-fascista. Com uma alegria, uma coragem e um amor incondicionais: pelo teu povo, pelos teus companheiros e amigos, pelo teu marido, Fernando Piteira Santos, que acompanhaste durante 44 anos, incluindo os 13 de exílio em Argel. Disseste a dada altura: «fiz tudo para que ele pudesse fazer a sua vida politica. A minha fazia-a com ele». Não, Stella, não foste só a esposa dedicada e abnegada, com duplas e triplas tarefas familiares e profissionais, mais ou menos obscuras. A motorista, a secretária, a telefonista… Foste uma mulher singular à altura de um homem singular, porque é também singular e única a energia que fez de ti uma pioneira na luta pela emancipação das mulheres. À censura, ao medo e à banalidade da ditadura, respondias com gestos de arrojo, rebeldia e provocação. Como recordou a tua filha Maria Antónia, por ocasião dos teus 90 anos, trabalhavas fora de casa e sempre exerceste a tua profissão (excepto quando to impediu a policia politica), completaste o 7º ano já com dois filhos pequenos, tinhas carta de condução, fumavas, vestias calças compridas sempre que te apetecia. A par disto, participaste, apenas com 21 anos, na fuga histórica de Pavel, foste sócia fundadora da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, aderiste ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, presidido pela tua amiga Maria Lamas. E foste a alma e durante algum tempo a principal locutora da Rádio Voz da Liberdade. Apenas uma ínfima parte da tua acção de apoio, a todos os níveis e em todas as frentes, aos exilados portugueses em Argel. Mãe Stella! Lembras-te? Era assim que Manuel Alegre diz que te chamavam. A memória afectiva dos que te conheceram é assim que te recordará. A memória oficial dar-te-á, espero, um lugar de destaque na história da resistência e das mulheres no século XX deste país.

Hoje, se pudesse estar presente na tua despedida, gostaria de te levar um ramo de flores de amendoeira da tua terra, a quem deves esse sorriso radioso que te acompanhou até ao fim.

[Maria Manuela Cruzeiro, in Caminhos da Memória]

Locais a consultar:

- Stella Piteira Santos uma Vida de 90 Anos [Maria Antónia Fiadeiro]

- Fernando António Piteira Santos [Biografia]

J.M.M.

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