terça-feira, 7 de abril de 2009



JOÃO PAIS PINTO
(conhecido Abade de S. Nicolau – Porto) - PARTE II

Pais Pinto era conhecido pelos seus colegas de curso como o “Casal Juzão”, já que era a sua terra natal, alcunha que era normal nesta época entre os estudantes da Lusa Atenas. Apesar de ser uma “alcunha extravagante” ele sempre a aceitou como boa pessoa que era, “sempre com o mesmo e inalterável sorriso, correcto, mas franco e sincero” [ Luíz Osório, “O Abbade de S. Nicolau João Paes Pinto”, O Abbade de S. Nicolau e o Bispo de Coimbra (Um Incidente da Sublevação do Porto), Porto, Typographia da Empreza Litterária e Typográphica, 1891, p. 10], convivia naturalmente com os seus colegas e procurando ser amigo de todos, por isso “não se podia dizer mal de ninguém”. Segundo, a análise deste colega de Pais Pinto, em termos religiosos ele era visto como “excessivamente religioso, talvez um místico; mas um místico sereno, que se não exaltava nunca” [Idem, Ibidem, p.11].

Vivia numa modesta habitação, para os lados de Santa Clara, onde usufruía de um ambiente calmo e sereno para se dedicar a contemplação. Aí viveu até terminar a sua licenciatura e ninguém podia prever que ele se viesse a tornar tão conhecido nas lides da vida política. Segundo os livros de matrículas consegue o grau de bacharel em 15 de Junho de 1882 e a 3 de Julho de 1883 termina a sua formatura em Direito [ AUC- Livro de Matrículas da Universidade de Coimbra, Livro 101 (1878-1879), fl. 35, nº 39].

Nomeado pelo arcebispo de Évora para professor e director espiritual do seu seminário, vai para esta cidade onde se instala até 1887. Deste período só foi possível encontrar um testemunho deixado pelo também padre M. Martins Capela no jornal A Ordem, de Coimbra, que terá convivido com João Pais Pinto no Colégio da Formiga onde terá trabalhado como professor durante dois anos [M. Martins Capela, “Abbade João Paes Pinto” in O Abbade de S. Nicolau e o Bispo de Coimbra (Um Incidente da Sublevação do Porto), Porto, Typographia da Empreza Litterária e Typográphica, 1891, p. 25] .Aí foi convidado pelo arcebispo para ensinar no seminário de Évora. Finalmente segue-se o Porto como abade de S. Nicolau.

Quando Pais Pinto chega ao Porto envolve-se mais activamente na sua actividade de auxílio aos seus paroquianos e logo no primeiro semestre desse ano participa activamente na organização e preparação do Congresso Católico da Província Eclesiástica Metropolitana de Braga.

Este congresso realizou-se nos dias 26, 27 e 28 de Abril e debateram os seguintes temas: “1º Meios de combater a propaganda protestante; 2º Modo de manifestar a mais completa adesão ao Pontificado Romano e às justíssimas reclamações da Santa Sé para se garantir a liberdade e independência do Chefe supremo visível da Igreja; 3º Maneira de alargar os socorros domiciliários aos indigentes por meio das Conferências de S. Vicente de Paulo; 4º Estabelecimento de asilos para homens e mulheres no derradeiro quartel da vida e na extrema pobreza, sob a direcção caridosa das Irmãnzinhas dos Pobres”. Da comissão organizadora surgia logo em primeiro lugar o “Dr. Pe. João Paes Pinto - Conde de Samodães - José Joaquim Guimarães Pestana da Silva - Monsenhor António Joaquim d’Azevedo e Couto - Monsenhor António José de Mesquita - Monsenhor António José Rodrigues Pereira - Dr. Manuel Carvalho d’Araújo Lima - Padre Sebastião Leite de Vasconcelos - Duarte Huet de Bacelar - Vasco de Macedo - Manuel Frutuoso da Fonseca - João Francisco de Morais” [Anónimo, “Congresso Católico do Porto - Convite”, Instituições Christãs, Coimbra, nº 8, Ano VII, 20-04-1889, 1ª Série, p. 250]

Assim, em Abril de 1889, o seu nome surge como primeiro signatário do convite para participar no congresso que se realizou na cidade do Porto. Neste Congresso, os participantes foram muito inspirados pela doutrina social da Igreja e “produziram relatos e conclusões sobre a promoção da catequese, a difusão das associações de Jesus, Maria, José, a criação de uma editora, o apoio às S. V. P. e às Irmãzinhas dos Pobres, a construção de casas para famílias sem recursos, e a lealdade ao Papa”


Com a eclosão do Ultimato Inglês, em 11 de Janeiro de 1890, padre Pais Pinto também se envolveu na questão ao falar perante a população neste mesmo comício. Segundo Nuno Severiano Teixeira teria sido “das que mais seriamente contribuíram para o movimento patriótico” [Cf. ainda António Álvaro Dória, “Movimentos Políticos do Porto no século XIX”, Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. XXVI, Porto, Mar./Jun. 1963, p. 150 a 312], pois surge nas suas fileiras com personalidades como Antero de Quental, Basílio Teles, Sampaio Bruno, D. Américo (Bispo do Porto), Conde de Samodães, José Joaquim Rodrigues de Freitas, Adriano Antero de Sousa Pinto, Alexandre Braga, Ricardo d’ Almeida Jorge, Augusto Manuel Alves da Veiga e também o abade de S. Nicolau, João Pais Pinto.

Porque razão decide ele intervir publicamente e dar a conhecer a aproximação aos ideais republicanos? Esta será uma resposta que ele próprio dará anos mais tarde ao afirmar num artigo “faz hoje 17-01-1909 precisamente 19 anos que eu, (...) me apresentei numa assembleia pública para aderir aos protestos veementes da alma nacional contra o ultimatum de 11 de Janeiro de 1890, que lancinava o coração dos filhos da pátria” [João Paes Pinto, “Carta ao padre Manuel Ribeiro da Silva”, O Futuro, Olhão, 07-02-1909, Ano XVII, nº 833, p. 1, col. 2.], sendo a partir daqui que ele gradualmente se começará a aproximar dos ideais republicanos, pois este período foi bastante favorável ao desenvolvimento destes ideais. Até porque, por detrás de alguns deste movimentos cívicos, estão algumas grandes figuras do partido republicano que conseguem ganhar bastante notoriedade.

O comício onde vamos encontrar a figura do padre Pais Pinto tinha sido promovido pelos académicos, e, segundo os relatos, estava muito concorrido. A presidir à sessão estava o dr. Oliveira Monteiro e nela discursaram o presidente, o dr. Luís de Magalhães, o padre João Pais Pinto, Vítor Verdial entre outros. Daquilo que João Pais Pinto terá falado não temos muitos elementos, mas um aspecto marcou o seu discurso quando ele referiu que estava pronto a ir derramar o seu sangue como missionário português. São palavras fortes, mas vivia-se um período de fortes emoções nacionalistas, e possivelmente, essa emoção fazia-se sentir de forma mais ou menos marcada por toda a gente.

A escolha de Antero de Quental para dirigir a Liga foi tomada a 1 de Fevereiro, no Porto, facto que suscitou grande entusiasmo entre os seus elementos. Uma semana mais tarde, Antero toma o seu lugar na presidência da Liga e durante as várias reuniões feitas ao longo do mês de Fevereiro de 1890 encontramos quase sempre referência à presença do abade Pais Pinto. Será aquando da apresentação do discurso feito por Antero em 7 de Março desse ano, em que apresenta um quadro da situação e procura estabelecer uma linha orientadora para aquela instituição que começam a levantar-se grandes polémicas. Assim, Antero defendia nesse documento a remodelação da vida nacional, porque era necessário corrigir “os erros profundos e numerosos, acumulados durante muitos anos de imprevidência, de egoísmo, de maus governos e de corrompidos costumes públicos”. Para agravar ainda mais esta situação o autor notava “um verdadeiro divórcio” que se tinha estabelecido entre os governantes e a nação, mas isso não seria resolvido com com uma revolução, mas a função da Liga seria procurar “restabelecer a natural harmonia entre o pensamento nacional e o seu órgão, o Estado”, para tal era necessário proceder à “moralização dos poderes públicos”.

Devido a estas ideias a Liga foi compartimentada por comissões que se encarregariam de estudar os diversos problemas e de tentar encontrar soluções. Havia então a comissão Executiva, de Propaganda, de Fomento Económico, Colonial, de Ensino, de Subscrição Nacional e de Defesa Militar. Vamos encontrar a figura do abade de S. Nicolau entre os vogais da comissão organizadora e instaladora da Liga Patriótica do Norte e posteriormente foi eleito para secretário do directório juntamente com Bento Carqueja. Porém a Liga acabou por não ser mais do que um sonho de alguns bem intencionados que não conseguiram envolver o apoio popular, não tinham suporte económico, tornando-se “apenas uma reacção apaixonada, febril à questão do Ultimatum” [José Luís Vaz e Gala, “A Liga Patriótica do Norte e a sua repercussão em Lisboa (Propósitos e fontes de um trabalho), separata do Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos, nº 32, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 1988, p. 8], que vai terminar de forma triste logo a 29 de Abril de 1890. Especialmente após “as providências draconianas tomadas pelo Governo no dia 7” levando Antero a retirar-se da vida pública bastante desiludido e amargurado, o que terá também contribuído para o seu suicídio pouco tempo depois.
Quanto a Pais Pinto, como a Liga se foi desfazendo, e como as ideias republicanas pareciam ser as melhores, iam ganhando adeptos, ele acaba meses mais tarde por aderir também ao Partido Republicano.

Terá sido após a assinatura em segredo do Tratado de 20 de Agosto de 1890, em Londres, entre Barjona de Freitas e Lord Salisbury que provoca novamente uma onde de manifestações antibritânicas, que Pais Pinto decide aderir ao movimento republicano. Este começa a editar no Porto mais um jornal, A República Portuguesa, logo no inicio do mês de Setembro, onde Pais Pinto também terá escrito alguns artigos só que não deviam estar assinados, já que ele confessou esse facto durante o julgamento a que foi submetido após o seu envolvimento na revolta de 31 de Janeiro.

[Nota: A imagem foi recolhida no Almanak do Mundo para 1908, Tip. do Jornal O Mundo, Lisboa, 1907, p. 226. Clique na imagem para aumentar]

[Em continuação]

A.A.B.M.

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