quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

TRINDADE COELHO: CORRESPONDÊNCIA


Numa louvável atitude do Prof. Hirondino Fernandes, foi publicado, como noticiamos AQUI, um conjunto de epistolográfico de José Francisco Trindade Coelho. Serviu este intento para assinalar o centenário do falecimento do ilustre autor mogadourense. Hirondino Fernandes depois da copiosa e abundante biobibliografia de Trindade Coelho publicada no número anterior da Brigantia, também por nós divulgada, retirada da sua Bibliografia do Distrito de Bragança aventurou-se na pesquisa da correspondência do referido autor. Localizou, tratou e publicou 511 cartas, muitas das quais inéditas.

Pesquisou ao longo de mais de um ano nas bibliotecas de Coimbra, onde reside, na Biblioteca Nacional, e conseguiu, com a ajuda de alguns amigos, localizar cartas em diferentes instituições como: a Biblioteca Municipal de Leiria, o Museu de Camilo, o Museu João de Deus, o Arquivo Histórico Municipal de Elvas, entre outros.

Com uma nota a ressalvar tudo isto, não foi só compilar e ou transcrever as cartas, em alguns casos teve que desembolsar quantias significativas para instituições da cultura nacional lhe facultarem o acesso à informação que necessitava. Por outro lado, outras houve que, recebendo as suas solicitações, nunca se dignaram a dar resposta nem a ceder o material solicitado. Infelizmente, uma atitude lamentável mas recorrente de alguns dos nossos responsáveis pelas nossas instituições culturais. Facto este que também contribuiu para o atraso do presente número da revista e que o autor lamenta.

Para quem, como nós, conhece o Prof. Hirondino Fernandes, sabe da paixão que ele nutre pela investigação sobre os autores da sua região e para a particular afeição para a personalidade de Trindade Coelho. Foi esta paixão que o fez chegar ao fim, mesmo com as dificuldades e obstáculos inesperados com que se foi deparando.

Quanto ao trabalho agora publicado, só podemos felicitar o autor. O Prof. Hirondino da Paixão Fernandes começa com uma tábua cronológica que estabelece paralelos entre a vida de Trindade Coelho e a vida nacional, para melhor se compreender algumas das circunstâncias que rodearam o Homem do século XIX. A primeira carta reproduzida data de 5 de Novembro de 1873, contava Trindade Coelho doze anos, mostra as preocupações de um jovem que estudava afastado da família e da terra que conhecia. Uma entre várias cartas intimistas, onde o autor manifesta a sua ligação à família, reflecte os costumes e tradições dos jovens da burguesia rural enviados para as cidades do litoral, a cargo de outros familiares ou amigos, onde eram recebidos durante algum tempo para receberem a educação que se exigia na época. Com curiosas e interessantes referências à vida quotidiana da época (instrumentos/utensílios, hábitos, tradições), por outro lado a grande regularidade na troca de correspondência com o Pai e irmãos.

As primeiras trinta e oito cartas são todas dirigidas ao pai e correspondem ao período em que estuda no colégio de S. Carlos, no Porto. Depois, temos uma primeira carta dirigida a Silva Cordeiro, já em 1883, com várias referências a José Caldas. Seguem-se depois um outro núcleo de cartas trocadas com José Leite de Vasconcelos, com diversas referências à actividade literária e a personalidades da vida cultural do século XIX. Adiante encontra-se outro núcleo de cartas trocadas com Camilo Castelo Branco onde se dão conta de alguns aspectos da vida privada e profissional de Trindade Coelho.
Existe ainda um núcleo de cartas trocadas com António Torres de Carvalho, aquando da permanência de Trindade Coelho em Portalegre.
Encontram-se ainda múltiplas missivas trocadas com diferentes personalidades da época (Luís de Magalhães, Eugénio de Castro, Júlio de Lemos, Paulo Osório, António Correia de Oliveira, entre muitos outros). Através das cartas, relatam-se aspectos mais pessoais, situações particulares, problemas de carácter mais íntimo, como a relação que se estabeleceu entre Trindade Coelho e Louise Ey.
Vale a pena ler com atenção algumas das cartas trocadas entre Trindade Coelho e a feminista alemã, para se compreender como era uma relação de duas pessoas com personalidades diferentes, algo instáveis emocionalmente e que se refugiam na escrita entre si para manter mais ou menos ocultos sentimentos que, hoje, nos parecem tão óbvios. A delicadeza e subtileza destas cartas, as mensagens “afectuosamente intelectuais” (como dizia Trindade Coelho na carta nº 363) trocadas entre ambos, onde ele reconhece “eu vi através das suas cartas o seu coração, - e o meu foi para ele instintivamente” e conclui-se que a paixão entre ambos, foi cada vez mais um problema a atormentar o autor que se sentia crescentemente dividido.

Um trabalho de grande fôlego, resgatando a intimidade do escritor de Mogadouro, mas dando a conhecer facetas e aspectos fundamentais que permitem compreender um pouco melhor a decisão do suicídio em 1908. Como seria importante encontrar outros núcleos de cartas de outros escritores portugueses e conseguir publicá-las, como fez o Prof. Hirondino Fernandes. Com o seu rigor e esforço, para fazer o melhor que sabe e pode, embora cometendo, como qualquer simples mortal, pequenos lapsos que não retiram a importância da obra, antes pelo contrário só enaltecem e mostram a sua perseverança e capacidade de pesquisa. Mais um trabalho de referência sobre Trindade Coelho que se recomenda e se divulga junto de todos os interessados.

O nosso amigo Hirondino Fernandes conseguiu transpor para a via tradicional (suporte em papel) aquilo que hoje seria quase impensável, encontrar alguém que ainda escreva cartas e faça da escrita uma arte que pode ser sempre aperfeiçoada. Infelizmente, nos nossos dias, em especial, os nossos políticos, com a vulgarização da utilização do mail, que raramente é impresso, muita informação se vai perder neste mundo cada vez mais virtual.

Agora que se aproxima o centenário da República, era fundamental conhecer a correspondência trocada entre alguns dos seus principais vultos. Lembramos por exemplo Bernardino Machado, Afonso Costa, António José de Almeida, Manuel de Brito Camacho, Basílio Teles, Estêvão de Vasconcelos, José Relvas, Duarte Leite, Teófilo Braga, entre muitos outros, para se conhecer os meandros do poder, as relações que existiam, as lutas que se travavam, as personalidades, os gostos, a vida privada e a vida pública. Esperemos que alguns investigadores e instituições lancem mão a esta temática, por vezes algo esquecida, mas fundamental, e que nos parece em risco de desaparecer nos nossos dias.

A.A.B.M.

1 comentário:

Anónimo disse...

É uma obra fantástica de grende fôlego e dedecação. por
e a tradutora chama-se Luisa Ey e não Louise Ey.