terça-feira, 15 de junho de 2010
LUZ DE ALMEIDA (PARTE III)
Dizia ainda Rocha Martins sobre Luz de Almeida, assinalando a sua morte em 1939 [“Morte de um Personagem Histórico”, Arquivo Nacional, Lisboa, 15-03-1939, ano VIII, nº 375, p. 166-167]:
Aquele homem, sempre vestido de negro [...] lia Paul Féval, muito compenetrado dos misteriosos agrupamentos que transmudam a história das nações. Aquilo nele era uma tendência romântica, e no próprio traje, no negro que jamais largava, havia como o desejo fixo de se meter na sombra, da qual operaria, dirigindo as massas. Ninguém o via nas pândegas, que os homens vulgares mais ou menos amam, de longe em longe: nem hortas, nem tipóias, bordéis ou tavolagens. Frequentava os cafés, de preferência o Gelo, e, no canto preferido, aquele onde o Buíça e o Costa se juntariam, mais tarde, ele, pensativo diante da chávena, quebrando a cinza do cigarro no pires, lobrigava os que iam entrando e arraialavam, a mocidade inquieta das escolas, sobretudo os alunos militares, que eram precisos para a sua organização. Aliciava sempre; falava-se de literatura, caía no Paul Féval e na História das Sociedades Secretas, e, com ideia fixa, sem revelar coisa alguma, analisava o documento humano, e, depois da sondagem, abandonava-o ou adquiria-o.
Há quem faça colecção de selos, de caixas, de jornais velhos; há bibliófilos maníacos desconfiados de que todos lhes disputam os livros e lhes querem mal; ele coleccionava rebeldias.
Entretinha-os, porem, de forma que não o inventariavam a ele; cobria-se com altos personagens, longe da sua agremiação, mas que podiam pertencer-lhe, e assim ia conduzindo os prosélitos, sempre sombrio, grave, tristonho, como quem não veria maneira de coleccionar todos os revolucionários que podiam existir mas que desconhecia.
A Carbonária Portuguesa, da qual foi grão-mestre, não nasceu espontaneamente para o ataque à ditadura de João Franco; foi o fruto de muitos ensaios de Luz de Almeida que jamais desanimava. Mesmo quando existia a paz podre e toda a gente se divertia, ele aliciava. Comprazia-se no trabalho secreto e fugia, naturalmente, de exibicionistas.
[…]
Concluíra o Curso Superior de Letras, conhecia muitos estudantes, mas a sua leitura era a História da Carbonária Italiana. Conhecia de cor não só a organização, mas os nomes dos membros da Carbonária romântica portuguesa, Oliveira Marreca, José Estêvão e Rodrigues Sampaio. Queria continuá-la, e o seu lugar-tenente foi um antigo condiscípulo, Ferreira Manso, que morreu louco pela miséria.
Criaram lojas particulares, a Futuro, a Justiça, a Independência, a Pátria, na qual arregimentavam académicos, que, no fim de certo tempo, as abandonavam sorridentes.
Numa casa na Rua de Santo António da Glória reuniam, sob o aspecto clubesco, alguns estudantes; lá dentro faziam-se iniciações. Era em 1894. […]
Fundara a Alta Venda, cópia, a papel químico, da Carbonária Italiana, não mudando sequer os nomes dos grupos e das categorias. Agora é que ele vivia em pleno Paul Féval. Eram os pensamentos formais, as máscaras, os balandraus, as ruas cavernosas, as reuniões junto dos cemitérios e em alfurjas, outras vezes em quartos e casas particulares, em grande recato.
Um interessante artigo sobre uma personalidade fundamental na História da Implantação da República que recomendamos uma leitura na íntegra.
[Luz de Almeida acompanhando os combates provocados pelas invasões monárquicas de Paiva Couceiro em 1911, na região de Trás-os-Montes, próximo de Vinhais. A imagem foi retirada da revista Ilustração Portuguesa, conforme se pode ver na legenda da própria fotografia.
Clique para aumentar.]
A.A.B.M.
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