sexta-feira, 24 de setembro de 2010

I REPÚBLICA - LIBERDADE RELIGIOSA



Bispo defende que I República deu mais liberdade à Igreja

"O bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo, defende que 'a I República deu à Igreja mais liberdade, mesmo cortando algumas liberdades'. Num debate inédito ontem à tarde, em Fátima, onde também participou o historiador Fernando Rosas, Carlos Azevedo recordou os 'muitos custos' que os privilégios da Igreja tinham durante a Monarquia constitucional: o governo controlava as dioceses, os dirigentes e os compêndios dos seminários ou os professores, entre outros factores.

Utilizando palavras mais duras em relação à posição da Igreja Católica na época, Fernando Rosas alinhou pela mesma avaliação positiva: 'A obra de laicização da República, com os seus desvios, com os seus exageros jacobinos, com as suas perversões, é uma das obras modernizadoras mais importantes do século XX português'

O dirigente do Bloco de Esquerda acrescentou que a Igreja da época 'estava transformada numa espécie de repartição pública' e que a separação do Estado e da Igreja é 'uma reforma fundamental da modernidade'.

Mas que Igreja Católica era esta? Aqui, notou-se mais divergência entre os dois intervenientes. Fernando Rosas, que fez questão de referir várias vezes a sua posição de ateu, descreveu o catolicismo do início do século XX português como muito diferente do actual: 'Apesar de variada e plural, a Igreja era em muitos aspectos, no seu discurso doutrinário e nas posições dos principais responsáveis, subsidiária da Sillabus', disse o historiador, numa referência ao documento do Papa Pio IX, do final do século XIX, em que se condenava a modernidade. Era uma Igreja 'ultramontana, desconfiada da democracia e da modernidade'.

Carlos Azevedo, também historiador - dirigiu a História Religiosa de Portugal -, olha para o catolicismo da época de forma menos negativa: a Igreja não atacou a República, antes se defendeu dos ataques; nem se moveu para 'restaurar a monarquia'; 'havia bispos amigos da família real, havia abades minhotos que aderiram à monarquia do Norte, a imprensa católica tinha um fundo monárquico, mas a realidade era muito mais vasta que isso', defendeu.

Carlos Azevedo citou a propósito uma intervenção do patriarca de Lisboa, António Mendes Belo, em Setembro de 1909, na Câmara dos Pares, em que lamentava a 'triste, tristíssima situação do episcopado português, cuja jurisdição' estava 'quase extinta'.

Perante cerca de duas centenas de participantes nas jornadas do Secretariado das Comunicações Sociais da Igreja Católica, Rosas defendeu que a Igreja de há 100 anos tinha um 'carácter subversivo' contra a República. E citou, entre outros exemplos, os 'muitos párocos envolvidos em manobras' contra o regime implantado em 5 de Outubro de 1910.

Rosas admitiu que havia muitos padres republicanos, mas acentuou: 'A Igreja, na voz de muitos dos seus principais dirigentes, era hostil ao republicanismo.' Mesmo se parte da Igreja 'não põe em causa' o 'regime republicano' e se nunca houve uma posição oficial contra a República, 'o espírito da coisa era muito anti-republicano: houve padres que pegaram em armas contra a República e a cultura anti-republicana e monárquica era largamente dominante na Igreja'.

Neste quadro, o historiador e dirigente do Bloco de Esquerda Fernando Rosas identifica um 'erro mortal' da I República: 'Permitir que a questão da laicidade do Estado, que era uma justa prioridade, se convertesse em questão religiosa. O governo republicano tratou não de criar um ambiente de separação, mas de restaurar muitos dos privilégios que existiam na Monarquia a favor da República.' Com isso, criou-se uma questão religiosa, apaziguada a partir de 1918"

[Bispo defende que I República deu mais liberdade à Igreja - Debate inédito junta Carlos Azevedo e Fernando Rosas em Fátima para falar da Igreja na I República, in jornal Público, 24 de Setembro de 2010, p. 16 - sublinhados nossos]

J.M.M.

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