quarta-feira, 1 de setembro de 2010

“MATARAM O SIDÓNIO!” – FRANCISCO MOITA FLORES NA FIGUEIRA DA FOZ


No dia 24 de Agosto [ver AQUI] foi apresentado no Casino da Figueira da Foz o livro de Francisco Moita Flores, "Mataram o Sidónio!". Organizado pela Associação 24 de Agosto e integrado no "Dia Fernandes Thomaz", a mostra pública do último romance do criminalista e ex-investigador policial Moita Flores foi um êxito, dada a ampla e interessada audiência presente, o que não será de todo alheio a fluência discursiva e a cativante figura pública do palestrante.

Moita Flores, no livro em apreço (com suporte na sua tese de doutoramento), apresenta um texto estimulante em torno da putativa reconstituição do homicídio de Sidónio Pais (na noite de 14 de Dezembro de 1918) - uma abordagem feita a partir de documentação da época (que Moita Flores usa e abusa na sua recriação) e com base em metodologias forenses, instrumentos e técnicas criminalistas curiosas, que não se desdenharia a um qualquer laboratório de política científica -, num romance histórico (por vezes equívoco e decerto polémico) em que nos convida a revisitar essa Lisboa republicana de antanho (através de personagens sedutoras e eloquentes) e onde a escrita denuncia um autor com apurado e estimulante engenho narrativo.

Na apresentação do seu livro, Moita Flores enquadrou historicamente o romance, considerou que era um trabalho onde circulava muito das suas "angústias", avançando para a questão do homicídio e do(s) seu(s) autores. Na ocasião forneceu algumas indicações sobre o estudo e evolução da Medicina Legal, apresentou Sidónio como fundador, via decreto, da Polícia de Investigação Criminal (1917) e que foi a base da actual PJ e salientou a importância de um dos pioneiros da investigação criminal moderna, Edmond Locard [1877-1966]. Respondeu, posteriormente, às questões que lhe foram colocadas.


Diga-se que Sidónio Pais, figura carismática e incontornável da história da Primeira República (o conjunto de obras publicadas, do mais diverso teor, é amplo) e uma autêntica lenda na mitologia portuguesa - pela sua figura irresistível de galanteador (que não depreciava), pela cuidada promoção pública da sua figura ao povo (as suas inaugurações eram meticulosamente encenadas e propagandeadas), pela idolatria pessoal e política que alguns sectores observavam (mesmo entre os irredutíveis monárquicos), pela sua vida aventurosa e trágica -, semeou paixões e ódios intermináveis. Bem compreensíveis. Moita Flores teve ocasião de a isso se referir.

É certo que não era mister de Moita Flores alongar-se, no seu romance, na problemática política (mesmo que polemizante) do regime Sidonismo ou República Nova (muitos o fizeram já): a ditadura e a questão do presidencialismo como o abrir de portas utilitário à futura ditadura militar e ao salazarismo (e aqui, diga-se, não é possível meter Egas Moniz, ou mesmo Machado Santos, no mesma matriz presidencial de Sidónio); a simpatia e apoio estratégico (verdadeira apostasia) de sectores monárquicos e alguns do escol integralista, depois quase todos salazaristas (o caso Alfredo Pimenta é paradigmático; mas também Martinho Nobre Melo, Azevedo Neves, Cunha e Costa, Homem Cristo Filho, Eduardo Fernandes de Oliveira, Canto e Castro, João de Almeida, etc.) à sua governação bonapartista, e do mesmo modo os católicos reaccionários e tradicionalistas (entre os quais o próprio Salazar, que nutria admiração pelo estadista; idem para Fernando de Sousa ou Nemo, Pacheco de Amorim); a repressão ao operariado (que curiosamente apoiou o golpe sidonista), ou o caso do odioso crime (não isolado) da "Leva da Morte" (onde morre o Visconde da Ribeira Brava e o maçon Clarimundo Herédia) ou, até, o manifesto "terror" exercido contra a maçonaria (e logo vindo de um maçon a coberto, com n.s. Carlyle), que perante as perseguições havidas (assalto e destruição no dia 8 de Dezembro do Grémio Lusitano, como antes dos templos da Loja Luz e Vida, Loja União, Loja Montanha) optou pela triangulação das Lojas e "não adormeceu por completo". Não era esse o intuito do autor. Porém, é conveniente para o leitor não ter qualquer tipo de amnésia histórica ou ideológica, até para que se possa valorar as sábias palavras dessa personagem de "Mataram o Sidónio!", de nome Moreira Júnior, quando diz: "... Odeio a presunção. Não suporto aqueles que têm o dever de saber e não sabem ...".

J.M.M.

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