domingo, 24 de abril de 2011

CRUZADA NUN’ÁLVARES – PARTE I


O Estado Novo terá, na sua origem identitária primitiva, a confluência do “catolicismo social” ("corporativismo associativo") autoritário e anti-liberal com o autoritarismo conservador/fascista do Integralismo Lusitano e do Nacional-sindicalismo [cf. Ernesto Castro Leal, A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira e as origens do Estado Novo (1918-1938), obra de leitura obrigatória], indo beber em parte a sua “matriz ideológica” nesse imaginário nacionalista de credos, doutrinas patrióticas e messiânicas que a Cruzada Nun’Álvares representou, patrocinou e ritualizou. Esse messianismo português que se manifesta (como era o caso ingente de 1918) "particularmente nos momentos nacionais de desregulação do sistema político e de crise económico-financeira" [ibidem], teve então a apologia de figuras de diferentes quadrantes e tão antagónicas entre si como o republicano António José de Almeida ou João de Barros (sinal que mesmo a mitologia laicista pelos "grandes homens", dos heróis, tem sempre um alto preço a pagar) e o católico parlamentar António Lino Neto [dirigente do Centro Católico].

A Cruzada Nun’Álvares (ou Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira) transforma-se, na verdade, numa plataforma de convergência reaccionária de várias individualidades do campo sidonista aos monárquicos integralistas e dos católicos (em especial do Centro Católico, 1913) aos principais interesses económicos então instalados [agrupados à volta de Moses Amzalak – cf. Raul Rego, História da Republica, vol. IV, p. 192-3 – ou de Henrique Trindade Coelho, a partir de 1924], passando por personalidades do campo cultural e literário [o caso de Guerra Junqueiro é bem curioso, bem como o do próprio João de Barros], sendo o seu programa uma "declarada ruptura com a legalidade republicana, cuja concretização era insusceptível de ser posta em prática senão fora do quadro constitucional então vigente" [cf. Luís Bigotte Chorão, "A Crise da República e a Ditadura Militar", p.284-286].

A 23 de Janeiro de 1918, D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, é beatificado [pelo Papa Bento XV]. O culto religioso e a figura nacional do Beato Nuno de Santa Maria, o Condestável, tornado patrono de várias instituições [como o Corpo Nacional de Escutas ou a Infantaria Portuguesa] e referencial simbólico de instituições [como, mais tarde, o foi na Legião Portuguesa], foram apoiados por associações de carácter religioso (como a Ala do Santo Condestável ou a Associação Nun’Álvares), bem como organizações de natureza patriótica e teve, inclusive, especial apoio por parte do Estado republicano [juntamente com a Igreja e as Forças Armadas, todos em surpreendente união], se tivermos atenção ao patrocínio das suas celebrações oficiais.

A Cruzada Nun’Álvares, depois de uma reunião preparatória realizada a 11 de Julho de 1918 [curiosamente, ou não por acaso, realizada na Liga Naval] pelo capitão-tenente João Afonso de Miranda [fervoroso sidonista], é oficialmente fundada a 18 de Julho desse ano, pouco tempo depois das “aparições” de Fátima. Na altura foram convocados representantes de diversos partidos conservadores e individualidades de relevo, sob invocação da necessidade de criar um organismo que fosse defensor das “virtudes tradicionais do Santo Condestável” e das “características que fizeram a grandeza da raça" [cf. António José Telo, Decadência e Queda da I República Portuguesa].

FOTO: reprodução da nº1 da revista "Cruzada Nacional Nun'Alvares" [que mais adiante falaremos], retirada, com a devida vénia, do livro de Luís Bigotte Chorão, já citado.

[a continuar]

J.M.M.

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