Após os acontecimentos dos últimos dias, que abalaram os concelhos de Lagoa e Silves, com imagens que impressionaram pela rapidez e destruição causada pelo tornado. Entre os estragos causados pelo tornado encontra-se o estádio Dr. Francisco Vieira, do Silves Futebol Clube.
Quem foi então o Dr. Francisco Vieira que dá o nome ao estádio do clube silvense e que o tornado deixou agora em grande parte destruído?
Francisco Vieira nasceu no Funchal (Madeira) a 15 de Outubro de 1863. Foi Presidente da Academia Republicana de Coimbra e companheiro das marcantes figuras da geração de 1890. Presidiu a algumas assembleias magnas realizadas pelos estudantes no período entre o Ultimato de 11 de Janeiro de 1890 e a revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891. João Chagas refere-se a ele na sua obra sobre a revolta republicana do Porto, de onde retiramos a imagem que ilustra esta nota biográfica. Era muito amigo de António José d’ Almeida. Foi para Silves como médico municipal em 1891, substituindo o velho médico Anselmo da Cruz Nogueira, o “pai dos pobres” da cidade.
Em termos políticos foi algo instável, começou por ser republicano e chegou a ser delegado ao Congresso do Partido Republicano como representante do Centro Republicano da Ribeira Brava. Oscilou ao longodo seu percurso político entre progressistas, regeneradores-liberais (franquistas) e republicanos.
A sua adesão à República só acontece de forma efectiva após o cinco de Outubro.
Foi sócio da Associação de Socorros Mútuos João de Deus e, em 1916, Provedor da Santa Casa da Misericórdia. Foi um dos fundadores da Caixa de Crédito Agrícola de Silves. No período da I Grande Guerra, foi Governador Civil do Algarve. Durante longos anos, exerceu o cargo de Director do Hospital e do Asilo dos Inválidos de Silves. Prestou à cidade um valioso serviço, aquando da pneumónica em 1918. Em 1925, foi Presidente da comissão política municipal do Partido Republicano Português. Ao longo da sua vida foi várias vezes homenageado pelo povo da cidade, nomeadamente em 1926 e em 1941, então em grandiosa homenagem pelos seus 50 anos ao serviço de Silves.
Médico ilustre, reconhecido muito para lá das fronteiras do Algarve, o Dr. Francisco Vieira contribuiu para o desenvolvimento da cidade de Silves. O seu nome surge ligado a instituições como o Lar de Idosos ou a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (foi um dos fundadores).
Republicano e democrata, o Dr. Francisco Vieira desempenhou as funções de Governador Civil do Algarve, entre 10 de Maio de 1917 e 13 de Dezembro de 1917, durante o período sidonista. Quando, em 1917, foi nomeado Governador Civil do Distrito de Faro, o jornal de Silves, Voz do Sul (semanário democrático) acusava a Luta (ligado ao partido unionista de Brito Camacho) de ter publicado um artigo insultuoso contra o Dr. Francisco Vieira:
A "Luta» de 8 do corrente (Maio) tentou agredir o nosso ilustre correlegionário Dr. Francisco Vieira, dando-nos a novidade de que o nosso amigo havia sido progressista,regenerador e franquista»
(Voz do Sul, Silves, 20-05-1917, Ano I, nº 33, p. 3, col. 4 e 5).
Casado com D. Catarina Amália Mascarenhas Neto Vieira, pertencente a uma das famílias mais importantes da região, acabou por ceder o terreno onde hoje se situa o estádio do Silves (que tem o seu nome). Inicialmente, o terreno foi alugado ao clube, mediante contrapartidas que tinham em conta, sobretudo, o auxílio a instituições da cidade, e, depois doado, já nos seus últimos anos de vida.
O Silves passou a disputar os seus jogos no terreno onde hoje se situa o estádio em 1922, por deferência do Dr. Francisco Vieira e o primeiro encontro que ali se realizou terá sido um Silves – Glória ou Morte Portimonense (com a vitória dos locais por 2-1), em 22 de Agosto do referido ano, em homenagem a Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Foi um dos primeiros professores da Escola Comercial e Industrial de Silves, que foi criada devido a grande empenho da sua parte, tendo desenvolvido esforços pessoais nesse sentido e granjeou grande estima em toda a cidade, face ao importante contributo que deu para o avanço de diversas obras de assistência.
Em Outubro de 1945 manifesta o seu público apoio à reunião do Movimento de Unidade Democrática que se realizou em Silves, tendo este movimento recebido cerca de um milhar de adesões naquele concelho em poucos dias. [Maria João Raminhos Duarte, Silves e o Algarve. Uma História da Oposição à Ditadura, Edições Colibri, Lisboa, 2010]
Nunca chegou a integrar os Corpos Sociais do Silves Futebol Clube, mas demonstrou sempre grande
carinho pelo clube, sendo sido eleito, tal como a esposa, sócio honorário numa
Assembleia Geral realizada a 23 de Março de 1943.
Em
1940, o escultor João José Gomes ofereceu ao clube um busto em bronze do
ilustre médico e benemérito do clube, encontrando-se colocado no portão de
entrada do estádio. Em 1949, aquando das comemorações do 30º
aniversário do Silves, foi descerrado na sede, um retrato do Dr. Francisco Vieira,
cedido pelo Dr. João Marreiros Neto e família, ainda existente.
A
5 de Junho de 1950, o doador do estádio foi homenageado a título póstumo,
realizando-se no recinto que tem o seu nome, um jogo entre as equipas
principais do Silves Futebol Clube e do Sporting Clube de Portugal.
O Dr. Francisco Vieira sempre demonstrou algum
interesse pela Arqueologia, sobretudo a local conservando e guardando vestígios que lhe chegavam
às mãos, tendo mesmo cedido, por empréstimo, alguns objectos ao Museu de
Etnologia, dirigido pelo Prof. Leite de Vasconcelos, conforme o atestam as
referências no Arqueólogo Português de 1906.
No seu funeral que constituiu grande manifestação
de pesar. Milhares de pessoas assistiram, vindos de todo o Algarve e de fora da
região. Realizaram-se 40 turnos e junto do seu jazigo falaram o Dr. João José
da Silva Nobre, Ferreira da Silva e o major Manuel António do Olival sobre as
qualidades que marcaram a vida deste médico notável que dedicou grande parte da
sua vida a Silves.
Faleceu com 84 anos, em Silves, a 17 de
Março de 1947.
No seu testamento deixou valiosas
propriedades à Misericórdia de Silves para auxiliar a manutenção do Asilo das
Velhinhas e a Cantina Escolar.
A.A.B.M.
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