quinta-feira, 10 de outubro de 2013

I COLÓQUIO REPÚBLICA E REPUBLICANISMO (Parte II)


No sábado, dia 5 de Outubro de 2013, a sessão iniciou-se com a intervenção do Professor Norberto Cunha, analisando alguns aspectos da personalidade controversa e com um percurso sinuoso, que João Chagas, em 1914, considerava "Simplesmente vergonhoso". Apresenta-nos as ideias mais estruturantes do pensamento de Brito Camacho e os autores e temas que mais o marcaram no seu percurso pessoal e político. A influência que sobre ele exerceram os autores ligados ao positivismo, que eram analisados na Escola Médica de Lisboa, o papel de pensadores como Spencer, Darwin e outros que lhe permitiram fazer alguma evolução do seu pensamento. O perturbante, mas inevitável tema da eugenia social e os efeitos que teve em todo um conjunto de políticos do início do século XX. A questão do determinismo e o problema da questão social foram temas analisados com algum detalhe durante a intervenção, bem como a acção política e as posições que foi assumindo ao longo do tempo. Nesse aspecto, a interpretação do Professor Norberto Cunha aponta no sentido de uma evolução em função do contexto que se ia alterando. Assim, Manuel de Brito Camacho foi, em alguns aspectos, um político coerente, mas há necessidade de conhecer melhor as suas ideias e a evolução das mesmas.

De seguida, o Professor Maurizio Ridolfi apresentou uma reflexão acerca dos modelos e culturas republicanas no Sul da Europa, analisando em alguns pontos aquilo que existe em comum entre a Itália, a França, a Espanha e Portugal. Referiu que os estudos sobre a República são plenos de actualidade e, em Portugal, suscitou a discussão e a reactualização dos estudos sobre a República na contradição entre democracia e autoritarismo. Referiu-se ao temas dominantes na historiografia e nos modelos culturais que são transversais aos diferentes países, como por exemplo: o federalismo, o feminismo, a influência da (s) revolução (ões) de 1848 e a importância da escola. Alertou para para a necessidade de esses estudos serem cada vez mais aprofundados e sobretudo vistos numa perspectiva comparativa. Analisou ainda a questão da difusão da cultura republicana: os pontos de unidade, a simbologia utilizada, as personalidades veneradas, a linguagem política, a afirmação do espaço urbano em contraponto ao espaço rural, as cerimónias cívicas, as homenagens e centenários foram ainda tema da reflexão. Concluiu reforçando a necessidade de se realizarem mais estudos nos diferentes campos, mas sobretudo tentando reforçar as análises comparativas locais, regionais e nacionais que são muito importantes para se perceber os traços comuns e a diversidade entre os diferentes espaços.

Seguiu-se depois um período de sessões simultâneas. Assistimos ao painel dedicado à República e Império, onde foi possível perceber como as ideias republicanas começam a circular em Angola a partir de 1880, com a investigadora Cristina Portella. Refere-se aos principais jornais que contribuiram para a difusão do ideário republicano em Angola. De acordo com a investigação realizada localizaram-se 16 jornais republicanos que se publicam na antiga colónia portuguesa, dos quais 12 eram dirigidos por mestiços e negros, que se auto-intitulavam "Filhos do País". Eram uma elite intelectual, cultural, económica e política que se situava sobretudo na região de Luanda, que criticavam a Monarquia e as suas opções e defendiam claramente uma ideia de progresso que para eles se encontrava no regime republicano. Entre os percursores na imprensa dos propagandistas republicanos vamos encontrar José de Fontes Pereira, José de Macedo e Júlio Dinis que colaboravam/dirigiam jornais como O Futuro de Angola, A Província, O Arauto Africano. Nestes órgãos da imprensa republicana já é possível encontrar algumas questões nacionalistas, bem como temas conexos que conduziram, na quase totalidade dos casos ao encerramento forçado dos órgãos da imprensa escrita por parte das autoridades monárquicas portuguesas do tempo.

Na intervenção de Pedro Godinho subordinada ao tema Fomento e Colonialismo: a organização dos serviços de Obras Públicas do Ministério das Colónias durante a República, destacou-se a análise institucional e regulamentadora produzida pelos dirigentes republicanos para conseguirem resolver algumas situações organizacionais que se sobrepunham. Nesse sentido o investigador apresentou um interessante percurso das reformas empreendidas pelos vários Governos e, sobretudo, a questão das Obras Públicas no organograma do Ministério das Colónias. A sua evolução nas reformas que tiveram lugar em 1911, 1918, 1920 e 1924, quando se cria o Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, que veio a vigorar até à importante reforma do referido Ministério em 1936, quando estava institucionalizado o Estado Novo.

O Professor José Luís Lima Garcia apresentou uma conferência intitulada República e Império: Utopia ou anacronismo?. Dessa interessante conferência retiram-se alguns pontos que nos chamaram a atenção. A questão do discurso demagógico utilizado pelo Partido Democrático, que controlava o poder, que propagandeava um conjunto de ideias que depois não conseguia concretizar. Alerta para a importância da legislação produzida em Agosto de 1914 e o problema da sua aplicação no contexto de uma época que já era marcada pela Grande Guerra. Por outro lado, evoca a tentativa centralizadora de Sidónio Pais que revoga a legislação anterior e volta ao centralismo das decisões em Lisboa. Explica alguns dos principais problemas que produziu a questão da nomeação dos comissários coloniais e o seu papel, recordando a acção de Norton de Matos e de Brito Camacho que são enviados já no período pós-guerra, mas que poucas alterações estruturais conseguiram introduzir. Conclui alertando para a contradição apologética entre os problemas do contexto da época e os micro-contextos regionais que tornam muito complicadas as mudanças que se queriam nalguns casos introduzir.

Ainda neste painel interveio a investigadora Célia Reis, analisando a questão da Revolta de Satari, em 1912. Começou por explicar que estas revoltas no território português na Índia foram relativamente frequentes com revoltas mais ou menos conseguidas em 1895 e 1901, mas que acabavam quase sempre em situações de perdão por parte da autoridades portuguesas. A palestrante alertou para a questão do contraste civilizacional muito grande entre as várias regiões da Índia para poder situar a questão de Satari. As descrições da época mostram uma região inculta, de assassinatos, roubos e pilhagens, de falta de falta de civilização que se destacavam naquela área territorial. O problema começa com a questão das alvidrações (espécie de sistema de aforamento) dos terrenos do Estado. A situação seria vigiada pelos regedores que por sua vez informariam o governador da taxa a aplicar em cada terreno sujeito a alvidração. Normalmente essa taxa rondava os 15% do rendimento da colheita, mas haveria sempre a possibilidade de alguns desmandos das autoridades. Assim, Gonçalo Cabral, que era um dos envolvidos na questão acaba por ser acusado de utilizar mão-de-obra local que depois não pagaria. As populações locais revoltam-se contra esta situação. Em Portugal, no Parlamento, Gouveia Pinto trata a questão das ocorrências na Índia. Nessa altura, as autoridades portuguesas anunciam e fazem eco da estratégia portuguesa ter sido alterada e já não existirem situações de perdão como no passado. Existem confrontos militares envolvendo algumas colunas onde participam soldados que já tinham experiência em África, que agora iriam aplicá-las na Índia. A estratégia dos revoltosos consiste em ataques de guerrilha, roubos, saques, incêndios que provocam preocupação. O Governador Colonial nomeia comandante das tropas o capitão Velez que consegue capturar alguns dos envolvidos nos acontecimentos, outros refugiam-se noutras regiões da Índia e a revolta passado pouco tempo é considerada dominada.

Por último, a intervenção da professora Lia Ribeiro, abordando a questão "Sob o Signo de Marianne- o ensino no universo da popularização republicana". Tema que segundo a autora muito do seu agrado porque se assinala também a 5 de Outubro o Dia do Professor, porque é professora e porque se considera republicana. A sua apresentação consistiu na escolha dos principais temas do ensino republicano, feito nas escolas controladas pelo republicanos ainda antes de se estabelecer a República. Analisa a questão da História e dos Grande Homens que o ensino republicano procurava exaltar. Recordando a questão do laicismo, da separação da Igreja das questões do ensino e mostrando a necessidade de fazer a ligação às festividades que os republicanos começaram a tentar introduzir, como foi a questão do Dia da Árvore. Mas, realçou, e bem, que esta questão era já um ritual que vinha de França e que estava a chegar a Portugal através do ideário republicano. Salientou ainda que para conseguir passar a sua mensagem, o ensino republicano assentava num conjunto de pressupostos que já tinham sido desenvolvidos em França e que se tentava aplicar num quadro e num contexto diferentes. Concluiu que o papel do ensino foi fundamental para conseguir atingir camadas da população que até ali não tinham proximidade com essas ideias e que elas desenvolveram um conjunto de novas capacidades e competências, aliando também a maior experimentação nas escolas a uma necessidade de contacto com a Natureza, agora explicada cada vez mais racionalmente.

Na sessão da tarde de sábado, registam-se as intervenções do Professor Joaquim Romero Magalhães dedicada às rebeliões monárquicas contra a República em 1911 e 1912. Falou também o professor Ernesto Castro Leal sobre o movimento da Seara Nova na criação dos chamados governos técnicos, com realce para Álvaro de Castro. Àngels Carles-Pomar referiu-se aos inimigos da I República Portuguesa, nas diferentes áreas políticas. Paulo Bruno Alves abordou o papel da imprensa católica, referindo-se à oposição quase sistemática de jornais católicos sobre a governação republicana ao longo de todo o período da República. Eunice Relvas analisou os resultados das eleições municipais em 1925, os diferentes partidos que concorreram, os principais vencedores e vencidos. Por último, o professor Paulo Filipe Monteiro apresentou o projecto do filme/documentário sobre o Presidente da República, Manuel Teixeira Gomes, o seu percurso, a sua acção e o mistério do seu abandono da vida política, bem como a sua acção político-cultural durante o fascismo, tendo culminado com a trasladação dos seus restos mortais para a sua terra natal (Portimão) em 1950.

Em conclusão foi um fim de semana pleno de conhecimento sobre a I República, haveria certamente outros temas que faltaram no debate como a questão da literatura e da arte(s), outras questões poderiam ainda ser suscitadas. Foi uma organização que correu de forma positiva, com algumas intervenções muito interessantes, que foram desde a história local, à regional, passando por alguns dos grandes temas da República em Portugal. Uma iniciativa que se saúda e que esperemos que o Centro República continue a impulsionar e a realizar nos próximos anos e, já agora, que as actas do colóquio consigam ser publicadas.

A.A.B.M.

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