domingo, 1 de junho de 2014

O DR. SEBASTIÃO RIBEIRO [1894-1979] PARTE II


Sebastião José Ribeiro concorre para Inhambane (Moçambique), onde chega, acompanhado pela esposa, em Abril de 1920. Após alguns conflitos com os poderes públicos (o alto comissário era, então, Brito Camacho), é colocado em Quelimane e, depois, a seu pedido, parte para Goa (Outubro de 1922), comarca de Salsete, Índia. Era governador-geral, o seu patrício, o dr. Jaime de Morais, tendo encontrado ainda por Goa, o tenente-coronel Craveiro Lopes, o procurador Acúrcio da Rocha Dinis, o dr. Euclides de Meneses (juiz da comarca), o goês dr. Wolfango da Silva, o dr. Basílio de Oliveira. Não tendo gostado da Índia, e querendo conhecer Angola, pede a transferência para Luanda, para onde segue (Dezembro de 1923), depois de breve passagem por Lisboa (e Torres Vedras, na casa do seu pai, juiz Salvador Ribeiro, e onde a sua família se encontrava). Toma posse a 8 de Janeiro de 1924, em Luanda. Era governador-geral (em substituição do alto-comissário Norton de Matos) o coronel Almeida Santos. Por lá encontrou o presidente da relação, dr. Avelino Leite, o dr. Pimentel Furtado, o procurador da República dr. Júlio Armando, o dr. Fausto de Quadros (ajudante, e mais tarde, Procurador da República. Diga-se que Fausto de Quadros, doente, pede mais tarde a sua exoneração), o dr. Mário Ferreira, o dr. Dario Calisto (juiz de Novo Redondo), o engenheiro Francisco da Cunha Rego Chaves (alto-comissário de Angola, e do qual Sebastião Ribeiro refere, em pormenor, algumas peripécias de foro jurídico).  
O golpe de 28 de Maio de 1926 apanha-o em Lisboa, de “licença graciosa”, “arredado” que estava de Luanda pelo ministro das colónias, João Belo, que lhe “extinguiu o lugar de juiz auditor” [refira-se aqui a amizade de Sebastião Ribeiro com o dr. Da Cunha Dias, e os planos que ambos tinham para trabalharem em Angola, assunto que não se concretizou por abandono de Da Cunha Dias da colónia, por não se ter adaptado a ali viver].

Foi Sebastião Ribeiro, depois, colocado na comarca de Huíla, para onde seguiu em Novembro de 1926. Acontece que, a partir da revolta de Fevereiro de 1927 [e da tentativa de golpe dos Fifis, em Agosto de 1927, que levou à deportação de Henrique Galvão), muitos revoltosos contra a ditadura são deportados para Angola. Sebastião Ribeiro refere, assim, alguns dos deportados que chegaram a Sá da Bandeira, entre os quais, Henrique Galvão [Aditamento: esteve no 28 de Maio, defendeu a ditadura no 7 de Fevereiro e, envolvido no golpe dos Fifis, foi deportado para Angola], o tenente de artilharia Luciano Augusto Dias (de Viana de Castelo), o tenente de metralhadoras Gervásio Campos de Carvalho, o comandante Agatão Lança. Curiosamente, é solicitado (pelo comissário da colónia, coronel Vicente Ferreira, sob convite de Cunha Leal) para ser procurador da República, junto da relação de Luanda, mas “não aceita o lugar” [ibidem, p. 218] por entender que o governo “considera os agentes superiores do ministério público como funcionários da sua confiança”, o que repudia de todo.   
Posteriormente é transferido para exercer a magistratura em S. Tomé e Príncipe (“castigado em consequência de uma sentença desagradável para o governo da ditadura”, ibidem, p. 267), partindo de Luanda (teve como companheiro de viagem o deportado político o dr. Alfredo Nordeste, que ia ali exercer a função de advogado), onde chega no fim de Abril de 1929. Durante a sua permanência deu-se a revolta de Angola, em 1930 (revolta do comando militar, pelo chefe de estado maior coronel Genipro de Almeida, contra o tenente Morais Sarmento, com a morte deste último), que aliás tinha antes conhecimento. Sucedeu um caso curioso: as autoridades políticas pretendiam um juiz auditor para julgar os revoltosos de Angola (que se encontravam a bordo do navio de guerra Vasco da Gama), pelo que pensaram que o juiz de S. Tomé poderia ser útil, dado não confiarem nos juízes da colónia. Assim, por ordem do ministério da marinha a ordem foi dada, porém não só a autorização carecia de legalidade, como se lembraram que o juiz de S. Tomé era considerado “desafecto da situação” e, como tal, não cumpria a confiança política esperada. 

De S. Tomé, por motivos vários, regressa a Moçambique, para a comarca de Quelimane, onde permanece de Março de 1931 a Julho de 1932. Nesse período morre a sua primeira mulher, e, depois de passar por Lisboa, vai tomar posse, como juiz, da comarca de Moçambique (Maio/Junho de 1933). As orientações políticas que resultaram da constituição da União Nacional e da reformulação da ditadura (Estado Novo), com mudanças expressivas no conselho superior judiciário, nas pastas coloniais (o ministro era, então, Armindo Monteiro), com constantes “ataques” da imprensa do regime a Sebastião Ribeiro, e várias queixas contra ele, deram lugar a uma verdadeira “caça às bruxas”, que aliás teve lugar em todo o país.
Como resultado da perseguição movida pela “União Nacionalde Moçambique [formada com a ida para Moçambique do dr. Carlos Moreira, com a ajuda do monárquico dr. Luiz de Vasconcelos e do dr. José Dias – ver “A Minha Razão"], Sebastião Ribeiro é transferido, por decreto, para Moçâmedes (Angola), onde tomou posse em Maio de 1936. Data desse período o opúsculo que escreveu, “Palavras Claras sobre Jurisprudência Escura”, acórdão a propósito da sua análise sobre o caso do desfalque no cofre dos imigrantes de Moçambique, que obteve um êxito retumbante. Também, desse período, surgiu o pronunciamento (crime de burla, no processo referente à sociedade comercial Figueiredo & Almeida, Lda, onde era advogado) e respectivo mandato de captura contra o dr. Elmano da Cunha e Costa (curiosamente, amigo de Sebastião Ribeiro, deste os tempos da Universidade – sobre Elmano de Morais da Cunha e Costa há referências várias por S. Ribeiro, no seu livro, “No Seio da Ordem”, 1943; S. Ribeiro foi seu advogado na reclamação feita à Ordem dos Advogados, perante a suspensão da sua inscrição na AO, por considerarem carecer Cunha e Costamanifestamente de idoneidade moral”, ibidem, p. 61-62). Entretanto adoece Sebastião Ribeiro, pelo que regressa a Lisboa, ao mesmo tempo que corre contra ele uma sindicância (com parte disciplinar e parte política – relatada no seu livro “A Minha Razão”, 1939. Refira-se que o seu inquiridor foi o dr. Abílio Augusto de Brito Nascimento, aliás Ruy Sant’Elmo, quando “nos braços das musas embalado” – cf. “Minha Razão”, p. 70) em Moçambique e Moçâmedes (ibidem, p. 324 e ss).

Já em Lisboa, no processo que lhe foi movido, foi “sugerido ao ministro” a aplicação da pena de três meses de suspensão. Recorreu do despacho (fundamentando-se da ilegalidade da portaria e do despacho), tendo o supremo tribunal dado provimento ao seu recurso. Como consequência, a parte disciplinar foi devidamente arquivada. No que respeita á parte política da sindicância, foi-lhe aplicada a pena de aposentação por Despacho do Ministro das Colónias, de 8 de Maio de 1939, e publicado no DG de 31 de Maio [diga-se que o processo disciplinar, enviado pelo dr. Francisco Machado ao presidente do conselho, Oliveira Salazar, teve a seguinte redacção pela pena do ditador:”aposentado ou demitido, que bem o merece” – ibidem, p. 335].
Sebastião Ribeiro recorreu para o conselho de ministros (era ministro da justiça, Manuel Rodrigues), que funcionava como tribunal de recurso, o qual lhe negou provimento (18 de Setembro de 1939) [o processo contra Sebastião José Ribeiro e o seu recurso são bem curiosos. Repare-se nalgumas das infracções de que foi acusado: relações com deportados políticos, inimigos do Estado Novo; negligência por falta de envio da relação dos funcionários de justiça para serem inscritos no recenseamento eleitoral; o ter “posto nome a criado seu aleijado de “Estado Novo” e “Portugal Maior”]. Aposentado compulsivamente, por motivos políticos, dedicou-se à advocacia.

[A CONTINUAR]

J.M.M.

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