AUTORA: Isabel Braz;
EDITORA: Chiado Editora, 2014, 526 p.
“Dizem que as crianças de
hoje têm muita facilidade em lidar com as tecnologias, mas Isabel Braz
lembra-se de, desde muito pequenina, saber exactamente como pôr a funcionar
aquele gravador de bobines, de o rebobinar para voltar a ouvir o bisavô António
Braz a falar das suas histórias passadas na Primeira Guerra Mundial, em Angola
e depois em França. 'Os miúdos gostam de ouvir histórias' (…)
Assim começa o livro as Memórias Esquecidas - A vida do
capitão António Braz (Chiado Editora) … : “O que eu mais temia
concretizou-se praticamente três anos depois de ter iniciado a Grande Guerra. A
ordem para mobilizar para França estava escrita nas minhas mãos (...) Parti de
Elvas no dia 7 de Agosto de 1917”, escreve a bisneta, recriando os acontecimentos
vividos por ele.
Quando terminou o livro, é como se Isabel Braz tivesse
finalmente conseguido fazer a vontade ao bisavô que queria muito que alguém da
família lhe escrevesse a vida, com princípio, meio e fim. Ele deixou muita
coisa escrita em apontamentos, cartas, portais, mas achava-se sobretudo homem
de factos, não se via capaz de contar uma história. O que deixou escrito em
forma de livro, em 1936, fê-lo porque sentiu, naquele momento, que se impunha
“repor a verdade”. O livro Como os Prisioneiros Portugueses foram Tratados
na Alemanha, editado em 1935 pela Tipografia Popular de Elvas, é feito em
resposta a Aquilino Ribeiro. Admirador do escritor, estava um dia a ler-lhe um
escrito intitulado Alemanha Ensanguentada, sobre as impressões do
escritor beirão durante uma viagem na Alemanha, no pós Primeira Guerra Mundial,
quando, de repente, lê o testemunho de um alemão que tinha sido intérprete no
campo de prisioneiros onde ele tinha estado, Breesen.
O alemão a quem Aquilino dava voz dava “a entender que entre nós
havia rixas e desarmonias, o que não são factos verdadeiros. As horas tristes
que passámos em cativeiro só nos permitiram ter sentimentos de solidariedade,
estabelecendo elos de amizade que se vincularam pela vida fora. Quanto muito
havia uma má disposição natural entre homens que tinham fome. Posso
efectivamente testemunhar que a fome dá mau estar psicológico e uma
irritabilidade difícil de disfarçar.”
Um dos documentos que deixou e que a família guardou documenta
essa experiência no campo alemão, dando conta de como era meticuloso o capitão
Braz. Criou um “gráfico da fome” onde diariamente foi apontando a sua perda de
peso. O seu peso antes de ser preso era de 86 quilos. “A primeira vez que me
pesei, no dia 10 de Julho, tinha 72 quilos, menos 14 quilos que o meu peso
normal. Pesei-me de novo 16 dias depois e já só pesava 68 quilos.” (…)
Em vida, acabou por ver reposta “a verdade” sobre a realidade
dos prisioneiros portugueses nos campos alemães pela pena do próprio Aquilino
Ribeiro. Em Abóboras no Telhado, o escritor acaba por contar a versão
dos presos portugueses, das condições difíceis lá vividas. Isabel Braz termina
assim o livro que escreve como se fosse o bisavô: “Fiquei satisfeito com o que
li e tranquilo por se fazer justiça. Aquilino era um homem de bem e não podia
deixar em branco tamanha imprecisão.” O escritor repôs a verdade em vida, a
bisneta contou-lhe a história.
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J.M.M.
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