Manuel Deniz-Jacinto era um homem
de baixa estatura, bigode bem aparado, olhos brilhantes que conseguia cativar
as audiências que assistiam às suas representações. Manifestou desde cedo
particular interessa na obra de Gil Vicente, tendo adaptado diversas peças.
Para aumentar a subsistência da
família dedicou-se à tradução de peças de teatro, especialmente da antiguidade
grega, onde se tornou um reconhecido tradutor. Realizou conferências sobre
teatro em variadíssimos locais.
Segundo José Pacheco Pereira,
Deniz-Jacinto terá pertencido aos Grupos Anti-Fascistas de Combate que
existiram na cidade de Coimbra nos anos 40 e que englobariam cerca de 35
membros, de acordo com um relatório do próprio partido. O GAC a que
Deniz-Jacinto pertenceu fora organizado pelo “Batista dos GAC” e tinha como
objectivo tentar controlar as comunicações, proceder ao corte de fios
telefónicos [José Pacheco Pereira, Álvaro
Cunhal. Uma Biografia Política. «Duarte», O Dirigente Clandestino (1941-1949),
vol. II, Círculo de Leitores, Lisboa, 2001, p. 463].
Estes grupos tinham sido organizados em finais de 1944 com o objectivo de
desencadear um golpe em Janeiro de 1945, que nunca avançou e estas células
acabaram por se restringir somente a um papel de discursos revolucionários mais
ou menos exaltados.
Durante a sua ligação Teatro
Experimental do Porto, afirma Carlos Porto “Deniz-Jacinto jogou um papel muito
importante na história do CCT/TEP, em especial na direcção da escola”, além
disso, “ reconhece “as suas capacidades de pedagogo, apoiadas na sua formação
científica (fora condiscípulo de Redondo Júnior, igualmente com formação na
área das Ciências), com a sua fascinante capacidade de comunicação e os seus
conhecimentos, transformava as aulas em momentos apaixonantes, como pude
testemunhar” [Carlos Porto, O TEP e o
teatro em Portugal. Histórias e Imagens, Fundação Eng. António de Almeida,
Porto, 1997, p. 92].Até à reforma, Deniz Jacinto continuou essa missão de
espalhar saber, com base em especial na obra de Gil Vicente, de que é um grande
especialista, além de desenvolver na imprensa colaboração como teorizador das
artes cénicas, trabalhos que reuniu em três volumes, sob o título Teatro.
Como bem relembrou Paulo Silva no capítulo sobre as
“«Estórias» da Oposição em Condeixa no Tempo de Salazar” na obra Condeixa.
Paisagem, Memória e História, onde se recorda o papel de Deniz-Jacinto
como uma das figuras incontornáveis da oposição na região de Coimbra.
Baseando-se num documento sobre a organização da oposição na cidade de Coimbra,
fornecido pela Legião Portuguesa à Polícia Internacional de Defesa do Estado
[ANTT-PIDE/DGS, Procº nº 304/45, doc. 48 e reproduzido em Paulo Silva,
“«Estórias» da Oposição em Condeixa no Tempo de Salazar” Condeixa. Paisagem, Memória e
História, Paróquia de Condeixa-a-Nova, Condeixa, 2010, p. 160-161],
chega-se à conclusão que esta personalidade desempenhava funções de destaque.
Para além disso, os relatórios enviados pelos informadores, pelas autoridades
policiais confirmam essa importância. Um relatório de Agosto de 1946, produzido
por um informador da PIDE que utilizava o pseudónimo de Inácio, dá conta que das reuniões que se realizaram na Livraria do
Café Conímbriga, em Condeixa, entre os dias 10 e 17 de Agosto [???]. Eram
indicados por participar nessas reuniões para além de Deniz-Jacinto, Joaquim
Namorado, Alfredo Miranda, João Pimentel, Evaristo Pereira Moreira, Júlio
Rocha, António Mateus e Joaquim da Silva Bandeira.
Em termos familiares
Deniz-Jacinto que era proveniente de uma família modesta, acaba por estabelecer
relações familiares com José Pires Beato, militar que participou na I Grande
Guerra, ascendeu à patente de tenente e que exerceu as funções de presidente da
Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova no período entre a Ditadura Militar e o
Estado Novo, de que viria a ser genro, sendo a figura de destaque da União Nacional
no concelho.
Devido à sua intensa actividade
cultural e política acabou por ser agraciado com diversas homenagens. Recebeu a
Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, entregue pelo Presidente da República, Mário Soares, em 6 de Abril de 1988, reconhecendo-lhe a sua “notável actividade
em prol da divulgação e expansão do teatro em Portugal, bem como da intervenção
cívica e política em defesa da democracia”. Foi também condecorado com a
Medalha de Mérito Cultural, da Câmara Municipal de Coimbra, em 30 de Novembro
de 1996. Por último, foi-lhe entregue a Medalha de Honra da Universidade de
Coimbra, em Março de 1997, pelo respectivo Reitor, Rui Alarcão.
Faleceu vítima de doença
prolongada a 08 de Janeiro de 1998 em Coimbra, tendo sido sepultado dois dias
depois em Condeixa-a-Nova, sua terra natal.
ENCENOU:
- “O Médico à Força”, de Moliére,
Grupo de Teatro dos Modestos, 23-12-1958;
- “O Gebo e a Sombra, 3ª – O
Avejão, Cena III – O Doido e a Morte”, de Raúl Brandão, Teatro de Bolso
[encenação em parceria com Sinde Filipe], 28-07-1960;
TRADUZIU:
- “O Jogador”, de Ugo Betti,
Teatro de Algibeira, 24-04-1959;
- “A Sombra da Ravina”, de J. M.
Synge, 1963;
PUBLICOU:
- “Ionesco no Teatro São João do Porto”, Vértice, Vol. 19, nº 190/191 (Jul/Ago 1959), p. 451-453;
- “«Antígonas»de Sófocles, pelo TEUC”, Vértice, Vol. 21, nº 216 (Set 1961), p. 574-576;
- “As «Coéforas» e «O Processo de Orestes», pelo Groupe de
Théatre Antique de la Sorbonne”, Vértice,
Vol. 21, nº 216 (Set 1961), p. 579-581;
- “«Menaecmi» de Plauto, pelo Centro Universitário di Parma”,
Vértice, Vol. 21, nº 216 (Set.1961),
p. 585-587;
- Santareno, Bernardo, O Pecado de João Agonia, pref. Manuel
Deniz-Jacinto, Divulgação, Lisboa, 1962.
- O Testamento de Maria Parda/Auto da Feira/Auto da Índia/Auto da Barca
do Inferno, de Gil Vicente, encenação de Carlos Avilez, Texto de
Apresentação de Manuel Deniz-Jacinto, Teatro de Bolso, 09-02-1965;
- Teatro, 3 vols., Ed. Lello Lda., Porto, 1991;
- “«O Vagabundo das Mãos de Oiro» rejeitado pelo conselho de
leitura do Teatro Nacional, estreou-se com grande êxito no TEP (Porto)”, Vértice, Vol. 22, nº 225 (Jun. 1962), p.
335-337;
- “Charlot e Bip: uma estética, duas técnicas, duas
finalidades”, Vértice, Vol. 22, nº
228 (Set. 1962), p. 474-476;
- “«A Electra», de Sófocles, pelo Teatro do Pireu, no Rivoli
do Porto”, Vértice, vol. 23, nº 239
(Ago.1963), p. 436-439;
- “O actor numa encenação de Gil Vicente”, Vértice, Vol. 25, nº 264/266 (Set/Nov
1965), p. 799-805;
- “No rescaldo do XXVI Festival de Avinhão”, Vértice, Vol. 33, nº 349 (Fev. 1973), p.
166-170;
- “No rescaldo do XXVI Festival de Avinhão”, Vértice, Vol. 33, nº 352 (Maio 1973), p.
427-432.
"[Recensão crítica a 'O Jogo dos Homens', de Luiz Francisco Rebello]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras.
Recensões Críticas, n.º 7,
Maio 1972, p. 95-96.
- "[Recensão crítica a 'O Passado e o Presente', de Vicente Sanches]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões
Críticas, n.º 11,
Jan. 1973, p. 78-80.
- "[Recensão crítica a 'Para o Estudo do Teatro em Portugal (1946-1966)', de
Fernando Mendonça]"
/ Deniz-Jacinto. In: Revista
Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 13,
Maio 1973, p. 86-87.
- "[Recensão crítica a 'António Vieira', de Fernando Luso Soares]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras.
Recensões Críticas, n.º 17,
Jan. 1974, p. 89-90.
- "[Recensão crítica a 'A Engrenagem', de José Fernandes Fafe]" / Deniz-Jacinto. In:Revista
Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 21,
Set. 1974, p. 97-98
- “Saudação a Paulo Quintela”, Homenagem
a Paulo Quintela, Editorial Inova, Porto, 1974, pp. 37-41
Colaborou ainda com várias publicações com inúmeros artigos sobretudo sobre temas teatrais. Entre elas destacam-se: Boletim do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (1944), Biblos, O Diabo, Gazeta Musical e de Todas as Artes (1951-1957), Informação Literária (1945-1949), entre outras publicações.
Deniz-Jacinto, em 1982, em momento de lazer.
Os responsáveis do Almanaque Republicano não podiam deixar de se associar à evocação desta figura da cultura portuguesa, apesar de tudo pouco conhecida. Assinalando a data do centenário do seu nascimento e divulgando a homenagem que lhe vai ser feita no próximo sábado em Condeixa-a-Nova. O seu papel como encenador, actor, crítico, tradutor, ensaísta, e autor de diversas
publicações merece ser estudado e divulgado.
A.A.B.M.
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