domingo, 20 de novembro de 2016

AS SOCIEDADES PATRIÓTICAS – PARTE I


[EXTRACTO] “Os Estados Peninsulares e as Sociedades Patrióticas”  - (A propósito do discurso de José Liberato Freire de Carvalho na noite de 24 de Julho de 1822)”
 
José Manuel Martins[1]

NOTA PRÉVIA: Trata-se aqui de reproduzir, com a devida vénia, extractos do prefácio ao livro “Memória da Liberdade e do Constitucionalismo. Madrid-Lisboa / 1822”, com textos de José Liberato Freire de Carvalho e João Baptista da S. L. de Almeida Garrett, que em boa hora a Comissão Liberato (com assento em terras do Mondego) publicou, a 7 de Julho de 2016, em Coimbra. O assunto sobre as SOCIEDADES PATRIÓTICAS, de algum modo esquecido, tem ali, ao longo do prefácio (e notas de pé-de-página) um pequeno e modesto contributo nosso, que, pela sugestão de muitos dos nossos leitores, gostosamente republicamos [em vários posts] nas suas partes mais importantes. Um agradecimento à Comissão Liberato pela autorização da sua partilha.
 

“a luta e os combates entre a servidão e a liberdade têm sido tão eternos como o mundo” - José Liberato Freire de Carvalho
 

O discurso proferido por José Liberato Freire de Carvalho[2] na noite de 24 de Julho de 1822 na Sociedade Literária Patriótica de Lisboa (…) é uma magnífica peça de oratória vintista, num exaltante texto de regeneração nacional e da liberdade da pátria, contra o realismo e o terror do despotismo. Na verdade, José Liberato, que era um espírito culto e um combativo pregador da causa liberal, utiliza sabiamente os elementos clássicos da oratória - instruir, seduzir e mobilizar - como instrumento político da retórica oficial do vintismo.
 
Nessa memorável sessão da Sociedade Literária Patriótica de Lisboa, comemorativa dos espanhóis mortos em Madrid a 7 de Julho de 1822, em defesa da Constituição, José Liberato produziu um vibrante discurso de fé liberal, um brado com os olhos no futuro da “liberdade peninsular”, persuadido que uma vitória alcançada a favor das liberdades em Espanha era uma vitória ganha em Portugal, por que os destinos dos dois povos “andavam unidos”; e que o maior tributo que se poderia prestar aos “heroicos mártires espanhóis da liberdade” era seguir-lhes o exemplo e resistir aos [“nossos”] inimigos, em defesa da “Augusta Liberdade”. Para José Liberato, as duas nações peninsulares trilhavam o mesmo caminho – entre “ser livre ou ser escrava” - desde a alvorada desse dia em que souberam derrotar o despotismo realista interno e externo e instituir a Lei e a legitimidade Constitucional.
 
Neste contexto, o discurso de José Liberato na Sociedade Patriótica Literária de Lisboa – bem como o epicédio do então ainda jovem Almeida Garrett, Aos Mortos no Campo de Honra em Madrid, que se lhe seguiu (...) deve ser entendido na perspectiva cívica de regeneração da pátria livre, dessa ideia de patriotismo que a palavra do orador proclama no espaço público das assembleias, tornando essa e outras palavras, algumas nunca antes escutadas, uma prédica empolgante, uma mensagem que exorta a causa revolucionária. Era a “fala da liberdade” posta à prova, porque “é pela fala que todas as revoluções principiam”[3].
 
O mundo novo, que ecoava de Espanha e de além Pirenéus, fizera ressoar, como uma arma política, vocábulos[4] como liberdade, honra, pátria, homem livre, escravo, justiça, virtude, despotismo, regeneração, soberania, amor da pátria, irmãos na liberdade, servidão, patriotismo, ignorância, razão, tirania, constituição. Assim, a produção e difusão de signos nacionais, principalmente a partir das sociedades patrióticas e dos periódicos constitucionalistas, tornam-se um importante veículo da difusão do liberalismo, ajudando a consolidar e ampliar a nova situação política[5].
 
Muitos anos depois, o republicanismo nascente[6] soube, do mesmo modo, incorporar na sua propaganda e doutrinação política os valores da pátria e da liberdade, o ideário da liberdade, da igualdade e da fraternidade”
 
[A CONTINUAR] - sublinhados nossos

J.M.M.
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[1] Professor do Ensino Secundário e co-autor do blog Almanaque Republicano.
[2] José (Liberato) Feire de Carvalho (1772-1855) foi uma das personalidades mais marcantes da vida política portuguesa no período antes e durante o vintismo. Religioso da Ordem de Santo Agostinho (ingressou, depois, na vida secular, tendo então acrescentado ao seu nome o de Liberato, comemorando o ter conquistado a “completa liberdade”), foi professor de Retórica e Eloquência na escola de S. Vicente de Fora (e dirigiu a sua Biblioteca), escritor (Ensaio Histórico-Político sobre a Constituição e o Governo de Portugal, 1830; Ensaio Político sobre as Causas que prepararam a Usurpação do Infante D. Miguel no ano de 1828, Lisboa, 1840; Anais para a História do Tempo que durou a Usurpação de D. Miguel, 1841-43, IV vols; A Carta e os seus vinte anos de idade, 1848; Memórias da Vida, Lisboa, 1855) e tradutor (vide A Arte e Pensar, de Condillac, 1794; Os Annaes de Cornelio Tácito, 1813; ou as curiosas traduções: Os Mysterios de Londres, 1845, A História da Bastilha, A Máscara de Ferro, etc), vigoroso jornalista em diversos e importantes periódicos da época (As Variedades, 1801, publicação da autoria do seu irmão mais velho António Freire de Carvalho; O Investigador Português em Inglaterra, 1816-1818 e O Campeão Português, 1819-1821, ambos em Inglaterra onde se encontrava exilado; O Campeão Português de Lisboa ou o Amigo do Povo e do Rei Constitucional, 1822-1823; a Gazeta de Lisboa, 1826; Paquete de Portugal, Londres, 1828); foi depois da revolução de 1820 deputado eleito pelas divisões de Viseu, Coimbra, Guarda e Trancoso; liberal convicto, foi perseguido pela Intendência da Polícia, esteve por diversas vezes exilado (em Londres) e participou, em 1833, no cerco do Porto ao lado dos partidários de D. Pedro; foi sócio de várias agremiações, como a Academia Real das Ciências de Lisboa (22 de Novembro de 1804; foi presidente da Academia), Instituto Histórico de Paris (20 de Março de 1835), Academia Real de Belas-Artes (19 de Maio de 1837); pertenceu à Sociedade Literária Patriótica de Lisboa, à Sociedade Patriótica de Lisboa (vulgo Clube dos Camilos); maçon, de nome simbólico Spartacus, integrou a poderosa loja Fortaleza, de Lisboa de que foi Venerável, fazendo parte dos dignitários que fundaram o Grande Oriente Lusitano (1804), na qualidade de grande-orador, redigiu a primeira Constituição maçónica portuguesa (1806) [foi, segundo José Adelino Maltez, obreiro da loja 1º de Outubro, 1822 ? – cf. Anuário de 1822] e já em 1835, Grão-Mestre interino da Maçonaria do Sul ou Oriente Saldanha (embora adoptando o nome de Grande Oriente Lusitano, esta Obediência nasce da facção de maçons que se opunha à regência de D. Pedro IV); no Diccionario de Esteves Pereira é referido que foi instituído um “clube escolar” com o seu nome, perto do Carmo (vol III, p. 597) [terá sido (1885?) a Escola Popular José Liberato Freire de Carvalho ?]. Sobre José Liberato consultar, principalmente, as suas Memórias da Vida (1ª ed. em 1855; 2ª ed., com importante introdução de João Carlos Alvim, Assírio e Alvim, 1982); a entrada biográfica do Diccionario Historico, Chorographico, Biographico, etc, de Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, 1907, vol III (D-K), pp 595-598; o verbete sobre Liberato que vem no Dicionário de Inocêncio Francisco da Silva, vol IV, letra J.
[3] Cf. Joel Serrão, Liberalismo, Socialismo, Republicanismo, Horizonte, 1979, pp. 13-14.
[4] As palavras da revolução e do constitucionalismo de 1820 mereceram um apurado estudo de Telmo dos Santos Verdelho, As Palavras e as ideias na revolução Liberal de 1820, INIC, 1981.
[5] Como é evidente, a corrente contra-revolucionária, via imprensa católica e realista, foi agitando de igual modo o espírito da tradição anti-revolucionária, tentando destroçar o movimento liberal e regenerador. Alguns desses publicistas e panfletários corcundáticos, como o padre José Agostinho de Macedo, frei Fortunato de São Boaventura (decerto o mais importante fundibulário da época), Faustino José da Madre de Deus (curiosamente foi ele próprio maçon), D. Luís António Carlos Furtado de Mendonça, Zacarias Alves Faca, José Luís Coelho Monteiro, João Duarte Beltrão, como mais tarde José da Gama e Castro, foram impiedosos nas suas críticas ao filosofismo, à Constituição de 1822, ao francesismo, aos “ímpios” liberais e a todos aqueles que denominavam de malhados ou pedreiros-livres, “destruidores de toda a religião e dos bons costumes”, do trono e do altar.
[6] Não deixa de ser curioso que entre alguns dos homens de 1820 exista já a ideia de “eflúvios republicanizantes”, como seria o caso de José Bernardo da Rocha Loureiro, o general Marinho ou Feliciano de Castilho – cf. Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, Casa das Letras, 2010 (3º ed.), p. 107

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