sábado, 12 de outubro de 2019

120 ANOS DE MAÇONARIA NO ALGARVE (1816-1936)


LIVRO: 120 Anos de Maçonaria no Algarve (1816-1936);
AUTOR: António Ventura;
EDIÇÃO: Sul, Sol e Sal, Setembro de 2019, 520 p.

Este último trabalho do professor António Ventura compreende e descreve - desde a instalação da 1ª Loja de pedreiros-livres no Algarve (Loja Filantropia, 1816) até um ano depois da promulgação da célebre Lei nº 1901 de 21 de Maio de 1935 (Lei José Cabral), que ilegalizou e dissolveu as “sociedades secretas” - a fundação, expansão e consolidação da Ordem Maçónica na região algarvia. Obra copiosa, publicação virtuosa e recenseadora das oficinas neste período, está ornamentada com breves biografias dos seus obreiros, acompanhada de competentes fotografias. Pena é que o livro não apresente um imprescindível Índice Analítico, para uma necessária e rápida consulta.

Neste trabalho (considerado pelo autor “em aberto”) é possível observar que estamos presentes um conjunto de simples e desconhecidos cidadãos que viveram, amaram e souberam engrandecer os locais que habitaram. E por isso, alguns encontram-se evocados na “toponímia ou equipamentos públicos locais” e deste modo “reconhecidas na sua terra”. Outros, como o curioso caso do advogado republicano Basílio Lopes Pereira (o Irmão Fernão Vasques), natural de Mortágua e combatente contra a Ditadura e o Estado Novo, abundantemente referenciado como instalador do triângulo nº 333 de Castro Marim (pp. 84-92), estiveram na região para instalar oficinas da Obediência ou em trabalhos profissionais esporádicos. Por fim, a obra dá-nos conta de um vasto e importante grupo de maçons que pertenceram a oficinas fora da região algarvia, de proveitosa consulta. 

   


“Este livro começou a ser esboçado há anos atrás, numa conversa com o Engenheiro Luís Guerreiro, que entusiasticamente acarinhou o projecto. Infelizmente as Parcas não o deixaram ver a sua concretização.

Creio que é desnecessário salientar a importância dos estudos regionais e locais no contexto dos estudos históricos. Tendo um objecto mais limitado, em termos geográficos e eventualmente cronológicos, possibilitam um aprofundamento que pode e deve contribuir para o melhor conhecimento da História em geral. No que concerne à História da Maçonaria, fazer incidir o seu estudo sobre uma localidade ou uma região permitirá reconstituir as estruturas, as biografias e a acção dos maçons nas comunidades onde estavam inseridos e, a partir daí, traçar uma perspectiva mais ampla e precisa da Maçonaria a nível nacional. Essa dimensão local, já a encontrámos nos estudos pioneiros de Cabral do Nascimento [“Os Pedreiros-Livres na Inquisição e Corografia Insulana”, Lisboa, Arquivo Histórico da madeira, 1959], Aníbal de Passos e Sousa [“Subsídios para o estudo do movimento maçónico em Elvas”, Arquivo Transtagano, 2º ano, nº16, 30 de Agosto de 1934; “Devassas em Elvas no ano de 1823. A Devassa à conspiração de Agosto”, idem, nº 19, 30 de Outubro de 1934] e António Loja [A Luta do poder contra a Maçonaria. Quatro perseguições no Século XVIII, INCM, 1986] para citarmos apenas os mais antigos.

Para essa reconstituição, é fundamental a investigação e o cruzamento da documentação existente nos arquivos distritais e noutros arquivos locais, públicos e privados, familiares, de instituições como câmaras municipais, misericórdias, associações sindicais, religiosas, políticas, desportivas, mutualistas, de bombeiros, de beneficência, recreativas e culturais. Partindo do levantamento das estruturas maçónicas locais, com elementos normalmente sintéticos, imprecisos e até equívocos, o grande desafio é completar o mais possível as informações biográficas com recurso não só às fontes documentais mas também à bibliografia local, com destaque para as numerosas monografias publicadas nos finais do século XIX e primeiras décadas do seguinte, e a imprensa periódica. Com uma dificuldade acrescida: na sua maior parte, os maçons eram pessoas comuns que não ficaram na História, estando por isso mesmo ausentes das enciclopédias e dos dicionários biográficos. Muitas vezes, as únicas informações que encontramos são pequenas notas necrológicas publicadas num obscuro semanário regional […]

[…] Este é um livro em aberto, aguardando o contributo dos leitores para que, no futuro, se possam completar os percursos de vida aqui plasmados. Muitas das figuras consideradas neste trabalho notabilizaram-se nos mais diversos campos da vida nacional e local, ou simplesmente porque foram consagradas na toponímia local; no entanto, tratam-se na sua grande maioria, de pessoas desconhecidas. É totalmente errada a ideia de que a Maçonaria era formada por pessoas muito importantes política, social e economicamente. Na sua maior parte, eram comerciantes, caixeiros, empregados, funcionários públicos, ferroviários, tipógrafos, militares, professores do ensino primário, industriais, assalariados de todo o tipo que tinham de ter, entre outras, uma condição indispensável para a admissão: saber ler e escrever. Note-se gue o analfabetismo em Portugal era de 73% em 1900 e de 69% em 1911... […]

[…] Uma justificação para o título deste livro e para as suas balizas cronológicas: 1816 é o ano de levantamento de colunas da primeira Loja maçónica no Algarve; 1936, um ano após a proibição da Maçonaria em Portugal, porque comprovámos a existência de actividade maçónica documentada da Loja Estrela do Sul, de Olhão e dos Triângulos de Tavira, Castro Marim, Portimão e Loulé.



A primeira Loja algarvia surgiu em Lagos, em 1816, seguindo-se outra em Faro em 1822. Porquê naquelas duas localidades? Porque Lagos era uma importante praça militar e Faro a sede do bispado. Ambas desaparecem em 1823. Só a partir de 1841 voltamos a encontrar actividade maçónica na região, muito esporadicamente e com escassas informações. De facto, se temos elementos sobre as duas primeiras Lojas, o mesmo não acontece as 11 seguintes, identificadas entre 1841 e 1860, em Faro, Tavira, Lagos e Vila Real de Santo António. Sobre elas pouco mais sabemos além do nome e da data provável de fundação. É uma época volátil, com a proliferação de Obediências, algumas de curta duração, cisões e fusões, e, acima de tudo, uma falta tremenda de documentos que nos permitam reconstituir quadros de membros e acção. Por isso, as informações sobre essas Lojas são limitadas e muito incompletas, ficando a aguardar que, no futuro, aparecimento de novos documentos permita preencher vazios que não dizem em respeito apenas às Lojas do Algarve ...

A situação altera-se a partir de 1869, com a fundação do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa (GOLU). Se bem que não sejam abundantes os documentos dos seus primeiros anos, existe um Boletim, publicado com regularidade a partir daquele ano, e alguns textos impressos e manuscritos, nomeadamente mapas com as Lojas, estatísticas sobre entradas e saídas. Tudo o que sabemos da Loja Democracia, de Faro, fundada em 1872 e que laborou até 1877,encontramo-lo no Boletim. Infelizmente, não se conhecem registos de admissões, para essa época; o assento sistemático e centralizado dessas informações só começou a ser feito a partir de 1892, embora alguns retroactivamente. Por outro lado, os arquivos das Lojas perderam-se na sua quase totalidade, foram destruídos deliberadamente por razões de segurança, por incúria, ou então jazem olvidados em algum sótão, à espera de serem descobertos e salvos, como sucedeu em Olhão...

Entre 1892 e 1914,os registos são relativamente completos e fiáveis. Com a cisão de 1914,que provocou a saída de diversas Lojas do Rito Escocês do GOLU, perde-se a informação sobre essas Lojas dissidentes. Alguns elementos foram recuperados em 1926, data do regresso da grande parte dessas estruturas ao Grande Oriente Lusitano Unido em vésperas do 28 de Maio. Depois desta data, mais precisamente após 1928, com o endurecimento da Ditadura Militar, as revoltas contra ela e a repressão que se abateu sobre os que a contestaram de armas na mão e não só, perturbaram a vida da Maçonaria, o que provocou novas falhas nos registos até 1935, data da sua proibição em Portugal.

No que respeita às Oficinas do Algarve - Lojas e Triângulos - os elementos informativos são fiáveis a partir de 1899, com a tentativa falhada de criação de um Triângulo em Portimão. Depois, a partir do grande surto de 1904-1905, segue-se um novo momento de crescimento com a proclamação da República. Existiram estruturas maçónicas nos concelhos de Albufeira. Castro Marim, Faro, Lagos, Lagoa, Olhão, Portimão, S. Brás de Alportel, Silves, Tavira e Vila Real de Santo António. Foram instaladas Lojas em Faro, Lagos, Loulé, Olhão, Silves, Tavira, e Vila Real de Santo António bem como Triângulos em Albufeira, Paderne, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Olhão, Portimão, S. Brás de Alportel, Silves, Algoz, Pera, S. Bartolomeu de Messines, Tavira e Vila Real de Santo António. Todas estiveram ligadas ao Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, com uma deriva: os Triângulos de Silves, Pera, Portimão e Tavira aderiram à cisão de 1914. Abordamos cada uma dessa; estruturas por ordem alfabética e cronológica, com as informações que foi possível reunir, quanto a fundação e extinção, actividade e membros. Neste último caso, as dificuldades em recolher dados biográficos é manifesta por se tratarem, como já referi, na maior parte dos casos, de pessoas que não ficaram na História. O mesmo sucedeu com as fotografias, mais fáceis de encontrar quando se trata de militares do Exército e da Marinha, mas mesmo assim com algumas falhas.

Finalmente, incluímos uma relação de algarvios que pertenceram a Lojas ou Triângulos fora do Algarve, apresentados por ordem alfabética do concelho de naturalidade. Haveria ainda a considerar outras situações muito mais difíceis de detectar: maçons naturais de outras regiões do país que se fixaram no Algarve, onde viveram e trabalharam. Um caso exemplar é o do Dr. Arnaldo Cardoso Vilhena (1907-1968), médico em Faro, onde deixou marca profunda como clínico e homem de cultura, consagrado na toponímia local. Pertenceu à Loja A Revolta, de Coimbra, onde ingressou em 15 de Janeiro de 1928, enquanto estudante de Medicina, com o nome simbólico de «Cristo».

Esperemos que este livro possa contribuir para o melhor conhecimento do Algarve e da sua História na época contemporânea"

[António Ventura, in Introdução ao livro, pp. 11-15]


J.M.M.
 
 

 

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