quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

MANUEL SÁ-MARQUES (1923-2020): MEDICINA E HUMANISMO


Manuel Sá-Marques (1923-2020): Medicina e Humanismo” – por António Valdemar, in Público   

“A Medicina ao longo de 70 anos representou para Manuel Sá Marques um compromisso integral com os imperativos da profissão, as solicitações da cultura e a intervenção politica, para um exercício permanente da cidadania. Na Ordem dos Médicos, no Sindicato dos Médicos e outros organismos empenhou – se no confronto de ideias, na concretização de projetos e reivindicações para dar resposta aos desafios e interrogações do presente e às solicitações do futuro.
Manuel Sá Marques que acaba de falecer com 97 anos era um dos últimos sobreviventes das históricas lutas profissionais que marcaram a segunda metade do seculo XX: a defesa e valorização dos problemas médicos e hospitalares, no âmbito do Programa das Carreiras Medicas. Completavam a sua intervenção no Movimento de Unidade Antifascista, (MUNAF); no Movimento de Unidade Democrática, (MUD); nas campanhas presidenciais de Norton de Matos, Rui Luís Gomes e Humberto Delgado e outros combates possíveis á repressão salazarista. Após o 25 de Abril, Manuel Sá Marques prosseguiu as lutas desenvolvidas para a concretização dos objetivos prioritários e da estruturação associativas

Pertenceu Manuel Sá Marques ao último curso da Faculdade de Medicina de Lisboa (1942- 1947) regido por mestres da envergadura científica e profissional de Pulido Valente, Cascão de Anciães e Fernando Fonseca, expulsos da cátedra por motivos políticos. Nos Hospitais Civis de Lisboa completou os ensinamentos recebidos, até optar pela especialização.
Discípulo de Ernesto Roma (1886- 1978) - criador da Diabetologia Social que, ao estagiar nos Estados Unidos, se inteirou da «revolução da insulina» e fundou, em 1926,a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, a mais antiga de todas estas instituições existentes no mundo - Manuel Sá Marques deu significativa continuidade à lição do mestre, atualizando – a com as novas contribuições que foram surgindo. Influenciou várias gerações nos grupos de trabalho que chefiou, incutindo a luta contra a rotina e a burocracia, estimulando o espírito crítico, o rigor e a probidade que se devem conjugar para a eficácia do desempenho da medicina.

No tratamento da Diabetes, Manuel Sá Marques, durante sucessivas décadas, salvou a vida e restituiu a saúde a milhares de crianças, de jovens e adultos que recorreram aos seus cuidados e orientação. Em vez de dietas rígidas, recomendava um regime e uma educação alimentar para a garantir o equilíbrio das funções corporais e mentais, a fim de insuflar a energia e a vitalidade, reduzindo a fadiga, a depressão e a ansiedade.
Quase até aos últimos momentos manteve, na internet, um blog, sob a égide de seu avô, Bernardino Machado. Consultando documentos manuscritos e informação publicada em diversas fontes relativas ao fim da Monarquia, à vigência da Republica e à resistência ao salazarismo, Manuel Sá Marques reconstituiu, passo a passo, um perfil universitário e político que principiou a ser analisado nas Farpas de Ramalho Ortigão e, a seguir, estudado e divulgado por historiadores e críticos como Lopes de Oliveira, Jaime Cortesão, António Ramos de Almeida e, presentemente, Norberto Cunha, catedrático da Universidade do Minho e coordenador cientifico do Museu Bernardino Machado, em Famalicão.

Integrava-se Manuel Sá Marques na grande tradição que Ribeiro Sanches, em 1763, no Método para aprender a estudar a Medicina definiu nesta síntese lapidar: «nenhum médico foi célebre na sua arte se não teve o entendimento alimentado com o estudo das humanidades. Se assim não for- observou ainda Ribeiro Sanches - «convertem-se apenas em obreiros da Medicina, mas nunca serão médicos».
Tinha, assim, pleno cabimento a proposta da secção sul da Ordem dos Médicos e do Sindicato dos Médicos ao indicarem Manuel Sá Marques para o Prémio Miller Guerra. A proposta era merecida e justa, porque comtemplava um médico exemplar e também uma personalidade humana, igualmente, exemplar.

Manuel Sá Marques faleceu no Hospital Garcia de Orta em Almada. O corpo, a partir das 17 horas desta quarta-feira, encontra-se na casa mortuária da igreja de Santa Joana Princesa. O funeral realiza-se esta quinta-feira, diz 6 de Fevereiro, no cemitério do Alto de São João, onde, às 16h30, será cremado
Manuel Sá-Marques (1923-2020): Medicina e Humanismo – por António Valdemar [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências], jornal Publico, 5 de Fevereiro de 2020 – com sublinhados nossos.

J.M.M.

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