“Manuel Sá-Marques (1923-2020): Medicina e Humanismo” – por António Valdemar, in Público
“A Medicina ao longo de 70 anos representou para Manuel Sá Marques um compromisso integral com os imperativos da profissão, as
solicitações da cultura e a intervenção politica, para um exercício permanente da
cidadania. Na Ordem dos Médicos, no Sindicato dos Médicos e outros organismos
empenhou – se no confronto de ideias, na concretização de projetos e
reivindicações para dar resposta aos desafios e interrogações do presente e às
solicitações do futuro.
Manuel Sá Marques que acaba de falecer com 97 anos era um dos
últimos sobreviventes das históricas lutas profissionais que marcaram a segunda
metade do seculo XX: a defesa e valorização dos problemas médicos e
hospitalares, no âmbito do Programa das Carreiras Medicas. Completavam a sua
intervenção no Movimento de Unidade Antifascista, (MUNAF); no Movimento de
Unidade Democrática, (MUD); nas campanhas presidenciais de Norton de Matos, Rui
Luís Gomes e Humberto Delgado e outros combates possíveis á repressão
salazarista. Após o 25 de Abril, Manuel Sá Marques prosseguiu as lutas
desenvolvidas para a concretização dos objetivos prioritários e da estruturação
associativas
Pertenceu Manuel Sá Marques ao último curso da Faculdade de
Medicina de Lisboa (1942- 1947) regido por mestres da envergadura científica e
profissional de Pulido Valente, Cascão de Anciães e Fernando Fonseca, expulsos
da cátedra por motivos políticos. Nos Hospitais Civis de Lisboa completou os
ensinamentos recebidos, até optar pela especialização.
Discípulo de Ernesto Roma (1886- 1978) - criador da Diabetologia
Social que, ao estagiar nos Estados Unidos, se inteirou da «revolução da
insulina» e fundou, em 1926,a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal,
a mais antiga de todas estas instituições existentes no mundo - Manuel Sá Marques deu significativa continuidade à lição do mestre, atualizando – a com
as novas contribuições que foram surgindo. Influenciou várias gerações nos
grupos de trabalho que chefiou, incutindo a luta contra a rotina e a burocracia,
estimulando o espírito crítico, o rigor e a probidade que se devem conjugar
para a eficácia do desempenho da medicina.
No tratamento da Diabetes, Manuel Sá Marques, durante sucessivas
décadas, salvou a vida e restituiu a saúde a milhares de crianças, de jovens e
adultos que recorreram aos seus cuidados e orientação. Em vez de dietas
rígidas, recomendava um regime e uma educação alimentar para a garantir o
equilíbrio das funções corporais e mentais, a fim de insuflar a energia e a vitalidade,
reduzindo a fadiga, a depressão e a ansiedade.
Quase até aos últimos momentos manteve, na internet, um blog,
sob a égide de seu avô, Bernardino Machado. Consultando documentos manuscritos
e informação publicada em diversas fontes relativas ao fim da Monarquia, à
vigência da Republica e à resistência ao salazarismo, Manuel Sá Marques
reconstituiu, passo a passo, um perfil universitário e político que principiou
a ser analisado nas Farpas de Ramalho Ortigão e, a seguir, estudado e divulgado
por historiadores e críticos como Lopes de Oliveira, Jaime Cortesão, António
Ramos de Almeida e, presentemente, Norberto Cunha, catedrático da Universidade
do Minho e coordenador cientifico do Museu Bernardino Machado, em Famalicão.
Integrava-se Manuel Sá Marques na grande tradição que Ribeiro
Sanches, em 1763, no Método para aprender a estudar a Medicina definiu nesta
síntese lapidar: «nenhum médico foi célebre na sua arte se não teve o
entendimento alimentado com o estudo das humanidades. Se assim não for-
observou ainda Ribeiro Sanches - «convertem-se apenas em obreiros da Medicina,
mas nunca serão médicos».
Tinha, assim, pleno cabimento a proposta da secção sul da Ordem
dos Médicos e do Sindicato dos Médicos ao indicarem Manuel Sá Marques para o
Prémio Miller Guerra. A proposta era merecida e justa, porque comtemplava um
médico exemplar e também uma personalidade humana, igualmente, exemplar.
Manuel Sá Marques faleceu no Hospital Garcia de Orta em Almada.
O corpo, a partir das 17 horas desta quarta-feira, encontra-se na casa
mortuária da igreja de Santa Joana Princesa. O funeral realiza-se esta quinta-feira,
diz 6 de Fevereiro, no cemitério do Alto de São João, onde, às 16h30, será
cremado
Manuel Sá-Marques (1923-2020): Medicina e Humanismo – por António Valdemar [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das
Ciências], jornal
Publico, 5 de Fevereiro de 2020 –
com sublinhados nossos.J.M.M.
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