1 - Os cafés, os estabelecimentos comerciais locais, ou a própria rua, eram todos bons locais para a PIDE/DGS tentar obter informações. Vejamos alguns exemplos.
No dia 25 de Março de 1970, um informador encontrava numa mesa do Café Conímbriga, os médicos João Ribeiro e Albano Lencastre, com o comerciante Amílcar Morgado e a sua esposa, todos eles democratas, como sentenciava o colaborador da PIDE. Depois dos cumprimentos habituais, o informador largava o seu “isco” e atirava para os convivas que o movimento oposicionista se encontrava paralisado, pois, após as eleições, não tinha tido conhecimento de mais movimentações. No entanto, nas conversas cruzadas que se seguiram, o assunto que vingou acabou por ser os cursos da cristandade, não permitindo ao nosso informador que aprofundasse o tema que habilmente havia lançado.
Em Agosto desse mesmo ano, o colaborador da PIDE utilizava outro método para tentar obter os comentários que, posteriormente, transmitia nos seus relatórios. Munido de um comunicado sobre a audiência dos guerrilheiros (trata-se da audiência em que o Papa Paulo VI recebeu os líderes dos três movimentos de libertação das colónias portuguesas, no dia 1 de julho de 1970) mostrou-o ao comerciante Manuel Pena, que manifestou o desejo de possuir um exemplar para mostrar ao seu cunhado, chamado João Geraldo, que trabalhava em Angola, e que era, segundo o informador, um protegido de Fernando de Sá Viana Rebelo.
Já num relatório de Março de 1974, sobre José Rasteiro Relvão, comerciante bem conhecido de Condeixa, o informador ficava a saber que era intenção dos operários da Fábrica de Colchões Molaflex efectuar uma greve, referindo que José Rasteiro Relvão estaria bem colocado para obter informações credíveis sobre o assunto, uma vez que fora passar o Carnaval ao Rio de Janeiro, acompanhado de um dos gerentes da Molaflex, de nome Raúl Moreira.
2 – Por outro lado, nas relações entre indivíduos da oposição e apoiantes do regime imperava por vezes uma lógica particular e, por vezes, paradoxal à lógica política, em função das amizades ou dos laços familiares existentes entre os diversos indivíduos. Num trabalho anterior, já fiz referência ao caso de Manuel Deniz Jacinto, homem da oposição, mas que era genro do tenente José Beato, presidente da Comissão Concelhia da União Nacional. Este último será acusado, através de uma denúncia, de se ter deslocado a Lisboa juntamente com elementos oposicionistas, para defender num processo em instrução, o médico João Ribeiro, que se encontrava preso por motivos políticos.
Veja-se agora um exemplo diferente, mas não menos interessante. Um relatório de Dezembro de 1968, sobre o Ateneu de Coimbra, indicava como presidente do Conselho Fiscal desta agremiação, Manuel Pires da Rocha, natural de Condeixa e funcionário do Banco de Portugal, em Coimbra. O informador explicava quem era esta figura e descrevia as ligações de vários dos seus familiares à oposição:
“Seu pai já falecido era juiz de Direito, aposentado, o qual fez parte, com o médico Dr. ALFREDO PIRES DE MIRANDA, da Comissão Concelhia a favor do General NORTON DE MATOS, quando das eleições. Seu tio, Dr. JÚLIO PIRES DA ROCHA, farmacêutico, também é contra a situação e, portanto, é muito possível que ele perfilhe a mesma doutrina da família […]”.
O facto de este colaborador da PIDE/DGS conhecer esta família e de, eventualmente, ter com ela relações de cordialidade, perfeitamente natural para uma pequena vila, não o impediu de efectuar esta denúncia sobre Manuel Pires da Rocha. No entanto, talvez para minimizar alguns problemas de consciência daí decorrentes, veja-se a frase com que o informador termina o seu relatório:
“[…] Trata-se, contudo, de um excelente rapaz”.
Paulo Marques da Silva
(NOTA: Na Foto o Dr. João Ribeiro, um dos oposicionistas identificados em Condeixa, no texto da autoria de Paulo Marques da Silva. Ainda que não venha no texto original fica a ilustrar o interessante apontamento).
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