sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

AS IDEIAS POLÍTICAS E SOCIAIS DE TEÓFILO BRAGA – MÁRIO SOARES


LIVRO: As Ideias Políticas e Sociais de Teófilo Braga com notas de Leitura de António Sérgio e Cartas sobre a Obra;
AUTOR: Mário Soares;
EDIÇÃO: Imprensa Nacional (reed. da ed. 1950 pelo Centro Bibliográfico ), 2021, 240 p.

Trata-se da edição do “primeiro livro que Mário Soares publicou, em 1950, há exatamente 70 anos, sob o título As Ideias Políticas e Sociais de Teófilo Braga, com prefácio de Vitorino Magalhães Godinho, mas, nesta edição, acrescentado de notas de leituras inéditas de António Sérgio, seguido de diversas cartas sobre a obra…” [José Manuel dos Santos (coordenador da coleção)]


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 Nesta publicação, que anuncia as Obras de Mário Soares, reedita-se o seu primeiro livro, resultado da dissertação de licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, apresentada em julho de 1950, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com o título «Teófilo Braga — Tentativa de Determinação do Seu Pensamento Político». Contrariamente ao que antes desejara — estudar Direito — Mário Soares ingressa em Ciências Histórico-Filosóficas, com dezassete anos, em outubro de 1942. No momento de escolher o curso superior, a influência de três figuras que marcaram a sua formação cultural, política e ideológica é decisiva:

«Eu entrara em Letras por influência de Álvaro Salema, Agostinho da Silva e do próprio [Álvaro] Cunhal, que me haviam demovido de seguir a minha inclinação inicial — o curso de Direito — com o argumento de que se tratava de uma Escola ultrarreacionária e burguesa. Empurraram-me para Letras, invocando o estudo da Filosofia, e acenaram-me com a possibilidade de vir a ser escritor».

Mário Soares estudara, a partir do segundo ano do liceu, no Colégio Moderno, fundado pelo seu pai, João Soares. É então que estreita a ligação com estas três personalidades, que passariam a ser seus professores. De todos, quem tem uma influência «mais decisiva» sobre ele é o professor de Filosofia do Colégio, Álvaro Salema, que lhe dá lições particulares e com quem tem longas conversas. «Ele dava-me também explicações de cultura geral, em passeios de bicicleta que fazíamos no Campo Grande, que então era muito campo», recorda Soares.

Salema era também jornalista e crítico literário, designadamente na Seara Nova, revista de oposição ao regime, onde colaboravam alguns dos principais intelectuais portugueses. Enquanto regente de estudos no Colégio Moderno, Álvaro Cunhal, membro do Comité Central do Partido Comunista Português (PCP), que já fora preso, por razões políticas, diversas vezes, apoia o jovem Soares na área da Geografia. 

«Suscitou também o meu interesse pela literatura e pelo movimento cultural do neorrealismo, que na época começava a ser pujante», lembra Mário Soares. Agostinho da Silva, filósofo, escritor, professor de Literatura, também colaborador na Seara Nova, é igualmente recordado pelo seu aluno: «Dava-me aulas, se assim lhes posso chamar, divertidíssimas e encantadoras. Inolvidáveis! […] Falava-me de tudo: de livros, de pessoas, de comportamentos, de exposições (que me aconselhava a ver), de filmes, de teatro, e vagueava».

Soares nunca esqueceu a relevância dos três professores no seu percurso. No Portugal Amordaçado, escreve:

«Estes três homens, tão diferentes entre si, nas posições ideológicas e nos temperamentos, exerceram uma influência profunda em mim — no sentido de que todos representavam, embora cada um a seu modo, uma contestação moral intransigente do regime, num plano declaradamente socialista que os situava numa posição de distância (que, aliás, gostavam de fazer sentir!) relativamente aos “opositores burgueses” ancien style, simpáticos mas ultrapassados (diziam!), do tipo do meu Pai e dos seus amigos…».

Dez anos depois de Salazar tomar posse como Presidente do Conselho, Mário Soares ingressa na Faculdade de Letras, no rescaldo da Guerra Civil de Espanha e em plena II Guerra Mundial. A sua opinião sobre o estado do ensino superior estava longe de ser positiva, porque, afastados ao longo dos anos inúmeros professores antifascistas de grande reconhecimento académico e científico, muitos dos que permaneciam nas universidades eram, segundo Soares, «conformistas» em relação ao regime. Também por isso, fazendo um balanço da sua experiência enquanto estudante na Faculdade de Letras, classifica-a de «terrível» e descreve o que viveu e observou: 

«incompetência e desinteresse dos professores; sentimento generalizado de que a cultura verdadeira nada tinha a ver com as bizantinas matérias ensinadas; revoltantes injustiças nas classificações; absoluta falta de estímulo; arreigada convicção de que só a mediocridade e a subserviência seriam premiadas e poderiam, finalmente, triunfar».

[in História de um Livro, por Pedro Marques Gomes e Teresa Clímaco Leitão, pp. 32-34]

J.M.M. 

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