A PERENIDADE DE MANUEL FERNANDES TOMÁS (1771 – 1822)
«A afirmação de Ortega & Gasset: “Eu sou eu
e a minha circunstância” é um convite à interpelação, ao que de mais profundo
resiste dentro de nós, aos exemplos daqueles que fizeram o caminho para
estarmos aqui. Muitos o fizeram antes, somos herdeiros da cultura Greco-Latina
a que devemos juntar a matriz judaico-cristã.
Agora que a Universidade de
Coimbra vai ter um polo na Figueira da Foz faz todo o sentido
lembrar que Manuel Fernandes Tomás frequentou
a Universidade de Coimbra entre 1785 e 1791, tendo-se formado em Cânones.
Talvez tenha recebido aí o seu primeiro banho de dialética, a reforma pombalina
trouxe a Coimbra o melhor de uma Europa que se exprimia no pensamento e nas
artes.
Sabemos que trabalhou cerca de
cinco anos no município da Figueira da Foz, que passou por Arganil, Coimbra
e Porto (1816), onde foi um dos militantes mais convictos das causas
liberais, tendo fundado o Sinédrio (1818), com
José Ferreira Borges, João Ferreira Viana e José da Silva Carvalho. O Sinédrio teve o
apoio de lojas maçónicas de Lisboa, e de maçons que viviam em Coimbra, Santarém
e na Figueira da Foz. Manuel Fernandes Tomás era maçon,
com o nome simbólico Valério Publícola, tendo
chegado a ser Venerável (1821) da Loja
Patriotismo, nº7, ao Vale de Lisboa.
Participa nas Cortes Constituintes (1821) e no
desenho da 1ª Constituição Portuguesa. A sua morte em Novembro de 1822,
não lhe permitiu assumir o mandato nas Cortes Legislativas.
Estamos aqui a evocar o homem, o
seu pensamento e o legado de Manuel
Fernandes Tomás, quando passam 200 anos da sua morte, aquele que
foi o “Patriarca da Liberdade Portuguesa”, aquele
que não hesitou em erguer o verbo para contra os que recusavam jurar a
Constituição (inclusive o Patriarcado de Lisboa). Aquele que elegeu a Liberdade como um dos
vértices da trilogia da Revolução Francesa: Igualdade e Fraternidade.
Considerava que é a Liberdade é o maior dos direitos do homem, aquele
que permite pensar e escolher, o que ousa a sua condição pela dignidade.
Nesse arco de 200 anos nasce, em
1900, a Loja Fernando Tomás, que adota
o seu nome como patrono. Nessa mesma loja, importa lembrar a data de 24 de
Agosto de 1904, já em plenos trabalhos maçónicos, em sessão especial, o
irmão Bernardino Machado, recebe a
insígnia de Venerável Honorário. O povo maçónico associa-se para que o monumento
da Praça 8 de Maio fosse uma realidade, tendo a loja
Fernandes Tomás um papel determinante, ainda que com o apoio
do Grande Oriente - tendo
sido inaugurado no dia 24 de Agosto de 1911. É esta transmissão dos valores da
liberdade, da igualdade e fraternidade que une os que se reveem na maçonaria
universal. A cadeia de união que junta homens e mulheres que acreditam que é
possível construir uma sociedade mais justa e igualitária, respeitando as
diferenças é aquilo que nos une há séculos. Os melhores de nós morreram por
nós, lembro Gomes Freire de Andrade.
Manuel
Fernandes Tomás atravessa o tempo, esse grande escultor, de
que falava Marguerite Yourcenar. O que
fazemos na Maçonaria? “Trabalhamos para a construção de um homem novo e de uma
sociedade nova, ou seja, para dar à vida um sentido ético e solidário.
Praticamos o livre pensamento, a tolerância e a filantropia. “ Essa filantropia
que permitiu, também, erguer o monumento a Manuel
Fernandes Tomás. Como escreveu António Arnaut, “Queremos
um mundo mais livre, justo e fraterno. A utopia que alimenta a nossa fome de
perfeição é a certeza de que o futuro está nas mãos de todos os homens e mulheres
de boa vontade. Por isso, a Maçonaria é hoje tão indispensável como no
passado.”
Não é possível estudar os últimos
200 anos da História de Portugal sem reconhecer a importância da Maçonaria, dos
maçons que como Manuel Fernandes Tomás construíram
um edifício constitucional que alimentou a chama de um futuro que ainda nos
aquece e desafia. Talvez, seja fácil reconhecer que uma enorme parte da
Humanidade mais válida lhe pertenceu ou pertence. Hoje estamos aqui a lembrar Manuel Fernandes Tomás, que dizia:
“tirar ao homem e ao cidadão a liberdade é o maior castigo que se lhe pode
dar, porque o priva de maior direito”.
É impossível esquecermos neste
momento a guerra na Ucrânia. Por isso,
“Pátria é sinónimo de Liberdade. Onde está a Pátria aí está também a
Liberdade”, dizia Magalhães Lima, em 1928,
então Grão-Mestre.
Em nome do Grão-Mestre, Fernando Cabecinha, e do Grande Oriente Lusitano, Maçonaria Portuguesa, presto a
mais sentida homenagem ao homem, ao seu pensamento, ao cidadão, cuja perenidade
evocamos ao lembrar os seus ideais e valores, Manuel
Fernandes Tomas, duzentos anos depois do seu
desaparecimento.
“Nos quase 300 anos de história
maçónica, nos mais de 270 dessa mesma história em Portugal e nos quase 200 anos
de existência do Grande Oriente Lusitano, o combate pela Liberdade tem sido um
denominador comum.” (Oliveira Marques, há 20
anos). É por essa liberdade que aqui estamos e estaremos sempre, mesmo que isso
tenha um preço elevado. Agradecemos o convite do senhor Presidente da Câmara, Dr. Pedro Santana Lopes, para esta
evocação de um dos nossos que é, também, da pátria.
[Discurso proferido por António
Vilhena, em representação do Grão-Mestre do Grande Oriente
Lusitano, Maçonaria Portuguesa, na Figueira da Foz a 19 de Novembro de 2022 - sublinhados nossos]
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