sábado, 24 de março de 2007

AINDA ... BERNARDINO MACHADO


«A greve académica de 1907, cujo ponto de partida foi a acintosa reprovação do Dr. José Eugénio Ferreira no acto de doutoramento em Direito, revestiu significado politico evidente, tanto mais que se tratava de uma personalidade em evidência no Partido Republicano de Coimbra. Todavia, foi o carácter afrontoso, e contrario a todas as práticas, dessa reprovação de um licenciado que desencadeou na Universidade uma situação insurreccional que não tardaria a alastrar à demais escolas superiores e liceus do país.

Bernardino Machado, na inauguração do Centro Eleitoral de Belém, em Março desse ano, não apenas dá a cobertura moral do seu imenso prestigio às revindicações estudantis como declara que, se algum estudante fosse, "como caudilho desse honroso movimento, expulso das aulas por um arcaico e falso critério disciplinar ele as considerará também para si fechadas"
Poucos dias depois, retomará no Centro Democrático de Lisboa o tema da disciplina académica que já versava em 1885. A defesa dos estudantes é acompanhada de censuras não menos firmes à Universidade ao seu imobilismo.

O Governo de João Franco diligencia junto do Reitor Santos Viegas no sentido de Bernardino Machado ser objecto de processo. Inteirado de que tal pretensão se não concretizaria, pede a exoneração de lente catedrático por ofício datado de 16 de Abril de 1907 mas remetido alguns dias depois.

Posteriormente, em Junho, numa entrevista concedida a Mayer Garção para o jornal "O Mundo", Bernardino Machado inserirá com extrema lucidez a questão universitária e as medidas repressivas governamentais no processo ditatorial de João Franco.

O pedido de demissão de Bernardino Maçado e o apoio incondicional prestado aos estudantes durante toda a crise académica provocaram a maior emoção em todo o País. Além da homenagem pública que lhe seria prestada em Julho desse ano, existem vários documentos epistolares altamente significativos, entre os quais um soneto, ao que supomos inédito, de Angelina Vidal.

Entre as reacções mais significativas inclui-se, decerto, o de um dos sete estudantes expulsos, Campos Lima, dada à estampa no "País" sob o título de A lógica dos factos. Caracterizando o que poderíamos chamar "a ilusão reformista" de Bernardino Machado em relação à Universidade, a sua aposta numa "corrente nova de lentes" que levariam por diante uma reforma radical da instituição, Campos Lima [que, ao que parece, mantinha curiosos debates com Bernardino Machado, que lhe publica, via 'Instituto', e a pedido do prof. Marnoco e Sousa, a sua tese de dissertação, 'O Movimento Operário em Portugal'] aditava:

Aquando da sua oração de sapiência já alguma coisa devia ter-lhe levado ao espírito o convencimento de que a Universidade não se modificava com palavras de amor, se o espírito desse homem não fosse de uma grande generosidade, que é o seu maior defeito. O conflito académico, em cujas responsabilidades uma manifesta má vontade dos dirigentes o ia envolvendo, sem que a Universidade pela pessoa dos seus lentes se erguesse num protesto, como a Academia o fez para connosco, os estudantes expulsos, deve ter-lhe feito ver claro a respeito das belezas daquele armazém de sábios sem ciência'

A exoneração de Bernardino Machado marca de facto o termo das tentativas de reestruturação da Universidade a partir de um conjunto de pressões endógenas»

[Rogério Fernandes, in Bernardino Machado e os problemas da Instrução Pública, Livros Horizonte, 1985 - sublinhados nossos]

J.M.M.

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