quinta-feira, 5 de abril de 2007

PINTO QUARTIN E A GREVE ACADÉMICA DE COIMBRA EM 1907 (I)


Pinto Quartin e A Greve Académica de Coimbra em 1907

Nas nossas deambulações e pesquisas pelas Bibliotecas em jornais e revistas portuguesas dos séculos XIX e XX, encontram-se alguns elementos curiosos que muitas vezes vão ficando esquecidos porque quase ninguém sabe da sua existência. Assim, este artigo de que vamos extraír alguns apontamentos pode ser consultado na revista Ver e Crer, Lisboa, 1945-1950, Dir. José Ribeiro dos Santos e Mário Neves ,era propriedade da Gráfica Portuguesa, tendo sido publicados 56 números. Esta revista contava com inúmeras colaborações de autores conhecidos como: Fernando Namora, Julião Quintinha, Augusto d'Esaguy, Aquilino Ribeiro, António Sérgio, Carlos Olavo, Ramada Curto, José Saramago,entre muitos outros.

Pinto Quartin, em 1949, na referida revista, número 45, rememorava nos acontecimentos de 1907 num artigo intitulado: A Greve Académica de Coimbra em 1907. Uma página de História da Academia. Diz-nos Pinto Quartin, após explicar a origem dos acontecimentos:

Num imponente cortejo, a academia em peso levou em triunfo o candidato reprovado até à sua residência na Arregaça, e à noite os mais exaltados foram apedrejar as casas dos professores Álvaro Vilela e Guilherme Moreira. No dia seguinte, à entrada das aulas, os alunos do primeiro ano de Direito fizeram, nos gerais, uma ensurdecedora e violenta assuada aos professores, e a Academia, reunida no Ginásio Académico, prevendo as represálias, reivindicou para si, colectivamente, a responsabilidade absoluta de todos os acontecimentos.
Em vista da exaltação dos estudantes, Coimbra viu-se sitiada por tropas e polícia, e um deputado, lente de Direito, o Dr. Teixeira de Abreu, chegava àquela cidade para inquirir dos acontecimentos e informar deles o Governo.


De seguida, o autor do artigo refere as principais reclamações que os estudantes de então apresentavam:
[...] cerca de quatrocentos rapazes avançaram em comboio especial, sobre Lisboa, a apresentar ao Governo e ao Parlamento as suas reclamações, que consistiam numa sindicância ao acto de conclusões magnas do candidato José Dias Ferreira, ou a faculdade deste repetir as suas provas; na abolição pura e simples do «foro académico»; na remodelação dos processos de ensino seguidos na Faculdade de Direito; e, atribuindo a causa da imobilização dos métodos e programas dessa Faculdade à concentração do ensino apenas em Coimbra, alvitrando-se a criação de mais duas Faculdades de Direito: uma em Lisboa e outra no Porto.
Uma comissão composta dos estudantes Alberto da Cunha Dias, João Bianchi, Henrique Trindade Coelho, Carlos Olavo, António Granjo, Mário Monteiro, Santiago Prezado, Ramada Curto, Aquiles Gonçalves e Isidro Aranha, acompanhada de milhares de estudantes da capital e de Coimbra, fez entrega da representação ao Ministro das Obras Públicas, Malheiro Reimão, que respondeu aceitar o Governo as reclamações dos estudantes, mas que não as tomaria em considração enquanto eles se não submetessem a entrar na normalidade da vida universitária.


Após a decisão de expulsar alguns estudantes, por parte do Conselho dos Decanos, com base no «foro académico», refere Pinto Quartin alguns episódios curiosos e pouco conhecidos:
foi ordenada a reabertura da Universidade de Coimbra para o dia 8 desse mesmo mês de Abril, mas os estudantes, que das suas terras acorreram a Coimbra, resolveram na véspera, não comparecer às aulas. E, efectivamente, com a excepção dos estudantes militares, de um aluno de Medicina filho de um lente, e de dois ou três teólogos, poucos mais «furaram» a greve. O próprio filho de João Franco, o Frederico, e o filho do juiz Veiga e o do então governador civil do Porto declararam que só iriam às aulas se a maioria dos seus colegas comparecesse.
Alguns incidentes curiosos se registaram nesse dia. O Camilo Castelo Branco, filho do conselheiro José Castelo Branco, sentiu partir-se nas costas um guarda-chuva quando censurava a atitude de um pai que violentava o filho a entrar para a aula. O estudante Raul de Oliveira de Sousa Leal, que, doente, se apeava de um trem à Porta Férrea, é tido como «amarelo» e assuado, mas o pai, que o acompanhava, logo explica que o filho estava ali para ser solidário com os seus colegas, o que lhe valeu uma entusiástica e prolongada salva de palmas. Os professores Drs. Madureira, Oliveira Guimarães,Caeiro da Mata e Pedro Martins exigem a retirada da polícia da porta das suas aulas, e atribui-se ao actual Ministro dos Negócios Estrangeiros [José Caeiro da Mata] recusar-se a subir à cátedra, ao verificar que apenas tinha na sua frente três alunos militares.


[continuação nos próximos dias]

Nota 1: agradecemos publicamente a indicação da existência deste artigo ao Dr. Carlos Santarém Andrade.

Nota 2: Os negritos são da nossa responsabilidade, bem como a escolha dos textos.

A.A.B.M.

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