quarta-feira, 4 de abril de 2007

A QUESTÃO ACADÉMICA DE 1907 POR HERLANDER RIBEIRO


A Questão Académica 1907 vista por Herlander Ribeiro

Em "Cartas uma Tricana (Coimbra de 1903 a 1908)", Lisboa, 1936, Herlander Ribeiro [1886-1967], um dos alunos que, frequentando o 4º ano de Direito, não foi solidário com a greve dos estudantes de Coimbra de 1907, escreve 3 curiosos textos, que devemos assinalar.

O primeiro, datado de 1906 [Academia Politica] dá conta do "pulsar" social e cultural de Coimbra, na época. O segundo [A Greve] apresenta um importante comunicado sobre os acontecimentos de 1907 por "Um Grupo de Académicos da Universidade", com o título "Os Acontecimentos de Coimbra. Aos Académicos e ao Paiz". O terceiro [O comício no Teatro Avenida], refere um comício republicano em Maio de 1907, a que assistiu, com curiosos comentários.

Eis, alguns pequenos excertos:

"Nesta quadra de actos, falta em Coimbra o assunto para a carta semanal: porque porêm, nas noites quentes deste Julho, pela alta, à luz da fraca iluminação publica, grupos de estudantes da rua Larga à Couraça, discutem até de madrugada, e anda em móda na academia o anarquismo, que Campos Lima, Gomes da Silva e um novo caloiro [Alfredo] França, lá na baixa, inflamados, declaram ser o regimen do futuro (...)" [Academia Politica, Julho de 1906]

"Todo o paiz sabe, pelas noticias da imprensa e ainda por informações particulares, que se deram graves acontecimentos em Coimbra, por ocasião da reprovação em acto de conclusões magnas do doutorando José Eugénio Ferreira.
Houve manifestações de desagrado na Sala dos Capelos, durante os argumentos d’alguns lentes, nos dias 27 e 28 de Fevereiro, repetidas no átrio da Universidade e nas ruas da cidade, pelas quaes passou um numeroso cortejo que acompanhou o doutorando à sua casa na Estrada da Beira, tendo-se pronunciado, durante o percurso do mesmo cortejo, discursos violentos e injuriosos.


No dia 28, à noite, reuniu a Academia em assembleia geral 'para manifestar o seu desagrado pela exclusão do sr. José Eugénio Ferreira'. Depois de discutidos vários alvitres, foi aprovado 'que se fizesse uma manifestação de desagrado aos professores da Faculdade de Direito' (...)
A manifestação projectada realizou-se no dia seguinte, 1 de Março, à hora em que devia começar o primeiro turno d’aulas, 8 e um quarto da manhã, e consistiu em assobios, apupos, ameaças, vivas ao candidato reprovado e morras aos lentes da Faculdade de Direito (...)


A imprensa, na sua grande parte, ou mal informada ou propositadamente, desvirtuou os acontecimentos e desorientou a opinião, fazendo passar como legítimo e espontâneo o que não era mais que uma exploração política. Tão habilmente urdido foi o plano, e tão secretas as instruções dos seus dirigentes, que a máxima parte da Academia se deixou ludibriar na sua generosidade e boa fé, entrando no movimento com calor e entusiasmo (...)

Quais os parlamentares e homens políticos que secundaram o movimento, prometendo e prestando o seu apoio aos académicos, em conferências, na imprensa e em interpelações ao governo? (...)
Por mais esforços que se façam, não se consegue descobrir elementos que não pertençam ao 'livre pensamento' (ideia!) republicanismo académico, e maçonaria indígena (...)

Aos interessados cumpre tirar a conclusão de tudo o que deixamos dito, a qual, a nosso ver, não pode ser senão esta:


Apesar de ter havido expulsões, reconhecer o logro de que foi vitima e apresentar-se nas aulas logo que reabra a Universidade ..." [A Greve, Abril de 1907]

"Venho dum comicio que o Dr. Bernardino Machado e outros promoveram no teatro de Santa Cruz, em que falaram Alexandre Braga e outros caudilhos republicanos.
Por parte da academia os inevitaveis Campos Lima e Gomes da Silva e por representação do povo, falou o Viana, cá da rua da Trindade, o encadernador de cabeleira grande e zaragata constante com a consorte. Não gostei da oratoria que ali se usou; orador brilhante, um pouco rouco, foi só Alexandre Braga: a frase deste tribuno é quente, a voz otima para comicios, a figura insinuante e de autentico batalhador da palavra.


A sala estava cheia e a academia fortemente representada. No camarote o comissario da policia, sem côrte, como nos dias de espectáculo.

Não ouvi traçar um programa de construção social: gritou-se contra tudo, criticou-se o analfabetismo, mas não vi que se esboçasse, a sério, qualquer coisa que se dirigisse, não ás gargantas dos vivos, mas aos cerebros dos assistentes e até mesmo aos seus corações.
É assim que querem fazer a republica em Portugal, os republicanos?

Não me parece que consigam modificar a mentalidade os academicos, nem o instinto dos futricas: pode ser palavroso, faz barulho, mas não cria adeptos sinceros ...
" [Maio, 1907]

J.M.M.

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