quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
[ACTUALIDADE] SOBRE A AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES - TEXTO DE REIS TORGAL
ACTUALIDADE
Nesta revista deparamo-nos com uma opinião muito actual do Prof. Doutor Luís Reis Torgal [Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra] sobre a problemática da avaliação dos professores e como ela parece arrastar cada vez mais os docentes para uma profunda tristeza e desilusão com as medidas tomadas ao nível ministerial. Diz, o professor Torgal, tecendo algumas considerações acerca do problema da eleição de António de Oliveira Salazar como o “Grande Português” no ano transacto, que:
"[…] a extensa bibliografia sobre o Estado Novo e o Salazarismo, grande parte dela elaborada na universidade por professores e investigadores, por vezes em teses de mestrado e de doutoramento, não é geralmente lida e assimilada pelo leitor comum, nem mesmo por muitos professores de História. À maneira do jornalista do Diário de Coimbra, estes, por “falta de tempo” ou de interesse, limitam-se à consulta de manuais repletos de ilustrações mas não de informação, obras de autores nem sempre competentes cientificamente e de sites de valor duvidoso. Num ensino cada vez menos preocupado com a ciência dos alunos e dos seus docentes, sobretudo em matéria de humanidades e ciências sociais, como de resto se vê pela menor importância concedida à História (ou à Filosofia) que, enquanto disciplina autónoma, parece estar, de resto, em vias de extinção nos ensinos básico e secundário, os professores encontram-se cada vez mais envolvidos na burocracia escolar, no acompanhamento pedagógico e didáctico de alunos (numa lógica de pseudopedagogismo ou de panpedagogismo) não tendo possibilidade ou sensibilidade para constituírem bibliotecas pessoais ou escolares, para frequentarem bibliotecas públicas de referência, para assistirem a cursos de actualização de conhecimentos e até para prosseguirem os seus estudos tendentes a desenvolver a ciência em que se formaram.
O próprio decreto-lei nº 200/2007, de 22 de Maio, parece revelar, ainda que de modo indirecto e velado, essa intenção oficial de se pensar o ensino como uma prática em que a “ciência fundamental” é pelo menos desvalorizada. Trata-se da legislação relativa ao concurso para professores titulares, em que são pontuados os professores candidatos pelas várias categorias das suas actividades.
Repara-se (Anexo II, 1.2 e 1.3) que são valorizados os mestrados e os doutoramentos (cada vez se tornam mais difíceis de frequentar pelos professores), mas não se deixa de se fixar uma ordenação arbitrária (mas não causal e bem significativa), em que se referem primeiro os graus obtidos em Ciências da Educação e só depois os graus alcançados “em domínio directamente relacionado com o respectivo grupo de docência”. E quando dissemos que essa ordenação não era “causal”, afirmámo-lo baseados em argumentos suplementares. Com efeito, os professores do ensino básico e secundário doutorados só podem ser considerados “investigadores integrados” nos Centros financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia devido ao facto de haver doutores nessas condições na área das Ciências da Educação! Por outro lado, verificar-se-á que, no mesmo decreto-lei, nenhuma pontuação é atribuída pela autoria de livros e de artigos de História ou de qualquer outra ciência considerada fundamental, mas apenas ao facto de se ter sido autor de programas e manuais escolares (idem, 3.1), como se a Educação fosse apenas uma “forma” ou uma metodologia de ensino e não uma “matéria” ou conteúdo científico, e não devesse ter por missão fundamental desenvolver o espírito crítico. […]
A consciência histórica e a memória não devem constituir um património que apenas se conserva e se respeita, mas um património que se interroga. […]"
Nós subscrevemos a totalidade do que afirma este ilustre professor de História Contemporânea. Mais, sentimos que nos vão cerceando a nossa liberdade de emitir as opiniões, seja nos órgãos internos das escolas, porque existe claramente um clima de respeito reverente/medo/represálias [chamem-lhe o que quiserem!] que é imposto pela hierarquia; seja nos debates públicos, como aconteceu no programa televisivo de debate, sempre que alguém colocava problemas incómodos ou fazia afirmações, que todos os que estão por dentro do sistema sentem e dizem cada vez em voz mais baixa (porque até as paredes já têm ouvidos), mas são verdades incontornáveis, que o nosso sistema educativo tem vindo a agravar. Essas pessoas poucas oportunidades tiveram para voltar a intervir. Não sei se foi intencional ou não, mas ficou-me a dúvida que certamente outros partilharão.
Por outro lado, poucos referem mas existe, na nossa humilde opinião, um grande dilema que o Ministério da Educação nunca conseguiu resolver e que a sociedade portuguesa também ainda não fez uma opção política clara, que baralha também todo o sistema: escolaridade obrigatória, universal e gratuita. Verdade insofismável que ninguém critica e todos aplaudem, mas nunca ninguém decidiu ou teve a coragem para dizer que as progressões são automáticas. Porque isto levanta um problema de opção de política educativa clara: a escola passa a ser simplesmente um local para se estar durante o dia enquanto os pais trabalham, ou um local de aprendizagem com conteúdos científicos utilizando didácticas diversificadas? Porque é essa que eu aprendi e tenho vindo a ministrar, promovendo sempre que posso o empenho, o trabalho desenvolvido e o estudo realizado. Que cidadãos estaremos a formar se não premiarmos o esforço e o empenho?
O regresso à escola de alunos que já a tinham abandonado, tão propalado como uma conquista do governo, levanta também vários problemas, reflexões e realidades que escapam muitas vezes a quem está de fora do sistema: os alunos quiseram regressar à escola ou foi uma imposição dos Encarregados de Educação? Os alunos regressaram à escola para a família continuar a receber o Rendimento Social de Inserção, ou uma bolsa de estudo que pode significar menos um encargo para as famílias já tão apertadas financeiramente? O regresso à escola não serviu também ao poder político para diminuir um pouco mais a taxa de desemprego, que infelizmente anda tão elevada no nosso país? Eram mais alguns milhares de desempregados que o país teria que apresentar caso tivessem tentado entrar no mercado de trabalho.
O regresso à escola, de alguns alunos, que não encontram nela perspectivas de futuro para que serve e a quem interessa? A escola pode servir a algumas franjas da sociedade para disfarçar ou adiar problemas, mas as “doenças crónicas” da sociedade portuguesa estão bem presentes e a escola reflecte-os. Mais, a esmagadora maioria das escolas não tem psicólogos, assistentes sociais, terapeutas e são os professores que, na sua boa vontade, ou no seu querer ajudar os alunos, levam as coisas para a frente, mas a realidade social é cada vez mais complexa e isso só não basta.
Na nossa humilde opinião, é tempo de dizer basta! É tempo de dizer algumas verdades que provavelmente poucos assumem! É altura de dizer que já chega de tentar disfarçar o mal-estar que todos nós vamos sentindo. A angústia que vivemos num dia-a-dia cheio de burocracias que pouco ou nada resolvem. Faltam meios humanos, equipamentos, respeito e vontade de querer aprender e querer saber mais. E pedem-nos para enfrentar cada novo dia, cada nova hora com forças para manter o mínimo de respeito e dignidade para quem ensina e para quem quer aprender.
Mais que tudo exige-se responsabilidade, conhecimento da situação real e não retratos de gabinete, por parte de quem coordena e quem dirige, porque senão sentimos que caminhamos para um abismo, em que a crise social vai ser bastante mais grave do que a que se vive actualmente, como referia o recente relatório da SEDES.
Para terminar lançaríamos até um desafio: já que o Ministério da Educação quer implementar a avaliação dos docentes e eles têm que ser avaliados pela avaliação que fazem aos alunos, porque não tem o Ministério a coragem de implementar a avaliação do seu próprio desempenho junto dos professores, funcionários, sindicatos e outras entidades externas? Porque é que a avaliação só é feita num sentido e não no sentido inverso? Só porque quem quer e tem poder manda. Mas nós, que andamos por cá, em contacto com as dificuldades do quotidiano, sentimos a verdadeira dimensão destes problemas.
A.A.B.M.
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