sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A DERROCADA DE UM TRONO (III)


A Derrocada de um Trono (III)

"(...) O decreto que aparecia no final d'esse mez dava razão ao articulista, justificando, até certo ponto, todos os terrores do público. O arbítrio ficava definitivamente estabelecido por esse estupendo documento.

O rei estava nas suas propriedades de Villa Viçosa, caçando, mas, como o assunto era urgente e se tratava de satisfazer a pressa vingativa do governo, o Ministro da Justiça foi em busca do monarca, e, no dia 31 de Janeiro, publicava-se em Lisboa o extraordinário diploma de que só transcrevemos o primeiro artigo, pois ele basta para se ver quanto havia de ignominioso em tal documento.

«Art. 1.° - Os indivíduos pronunciados por alguns dos crimes compreendidos no art. 1.° do decreto de 21 de Novembro de 1907, poderão, quando os interesses superiores do Estado assim o aconselharem, e por virtude de deliberação do governo, tomada em conselho de ministros, ser expulsos do reino ou transportados para as possessões ultramarinas, nos termos do art. 10º, da lei de 11 de Abril de 1892»

Estas deportações ou expulsões, como adiante se dizia, não dependiam de processo judicial, eram um mero acto do poder executivo. Perante um tal decreto que, para ser extensivo aos indivíduos presos, até era de efeito retroactivo, todas as garantias desapareciam. O poder absoluto ficava estabelecido na sua forma mais celerada e odiosa. Era uma loucura!

(...) D. Carlos, bem como toda a família real, estavam (...) em Vila Viçosa, onde o ministro da justiça tinha levado a assinar o celebrado decreto de 31 de Janeiro. Mas no dia 1 de Fevereiro seguinte voltaram para Lisboa, onde chegaram um pouco depois das cinco horas da tarde.

Na estação do Terreiro do Paço demoraram-se uns instantes, recebendo os cumprimentos dos ministros e d'alguns altos personagens, metendo-se a seguir em dois landeaus. Num ia o rei a rainha e os seus dois filhos, noutro, à retaguarda, iam os dignatarios do paço. O infante D. Afonso seguia no seu automóvel.
Quando o carro em que ia o rei dava volta para a rua do Arsenal, um individuo que estivera até então encostado a uma das pilastras da arcada, avançou uns passos, tirou de sob o gabão, em que estava embuçado, uma carabina, e fez fogo contra D. Carlos, parecendo que o feriu mortalmente. Outro individuo, pondo o pé no eixo da mesma carruagem, e segurando-se capota, despejou algumas balas de pistola contra os régios personagens (...)"

in Cronica do Reinado de D. Carlos. A Derrocada de um Trono, de César da Silva, Lisboa, Romano Torres, 1922

J.M.M.

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